Fé e vida — Autores diversos


Capítulo 12


A nobre Diana  n

(Os estranhos credores)

Pedro Leopoldo (MG), S. D. [Sem data]

Poucas vezes tive ao meu lado entidade tão bela. Tratava-se da nobre Diana que, desde muito, segundo me informaram, dedicara-se ao trabalho de iluminação das almas cegas e infelizes.

Demorava-se longas semanas nos abismos.

Acendia a luz evangélica, através de gemidos e sombras.

Ao contrário de muita gente evoluída, resistia, heroica, ao peso da atmosfera baixa e espessa.

Muitos criminosos insubmissos rendiam-se-lhe à palavra, convincente e fraternal.

Jamais falava como quem repreende condenando, mas como quem esclarece amando, em nome de Deus. Certo dia, veio ao nosso grupo em missão elevada.

Ouvi-a discorrer sobre grandes teses humanas, admirando a sabedoria que lhe palpitava em cada definição.

O que mais impressionava, contudo, naquela vibrante figura feminina, era a luz que a cercava inteiramente. Parecia viver num ambiente maravilhoso, exclusivamente seu, tão sublime [era] o halo radioso que a circundava, isolando-a das influências exteriores.

Esclareceu-me um amigo que a generosa mensageira tinha direito [indiscutível para desfrutar semelhante] àquela situação, não só por trabalhar em círculos de criaturas absolutamente inferiores [a ela], como também porque vencera, em si mesma, as deficiências mais rudes da condição animal.

Alma sublime, reunia Diana a beleza e a bondade, a ciência e a expressão.

Quando terminou a palestra edificante que a trouxera ao nosso núcleo [de serviço], aproximei-me curioso e enlevado. Outros companheiros fizeram o mesmo.

A extraordinária posição luminosa daquela mulher arrebatava-nos o espírito. A emissária, todavia, muito simples, parecia desconhecer a própria condição de superioridade. Sorria fraternalmente e comentava os problemas terrestres, como se estivesse [ainda] envolvida na roupagem carnal.

Soberano entendimento das coisas [lhe] transparecia de todas as suas expressões.

Emocionado pelo fato de se consagrar tão nobre criatura às almas embrutecidas, perguntei o motivo de sua preferência, enlevado com a sua simplicidade encantadora.

— Sim, meu amigo, respondeu Diana, sem afetação, num impulso [espontâneo] de minha própria consciência, ofertei cinquenta anos de trabalho aos nossos irmãos das zonas mais baixas da vida e não me envergonho de dar-lhe a razão de meu gesto.

E, sorridente, perante o interesse geral, continuou; generosa:

— Não sei se conhecem as extremas dificuldades do Espírito para alijar as vestes animalizadas do sentimento. Sorrimos, de maneira significativa, dando a entender a nossa inferioridade.

— Pois bem, prosseguiu a emissária [da caridade e] da sabedoria, confesso que fui uma das piores mulheres que já existiram nos círculos do planeta.

O ciúme, o egoísmo e a vaidade representavam o trio de meus verdugos cruéis.

Voltei à carne, numerosas vezes. Somente para atacar o ciúme grosseiro, recebi a oportunidade de nove existências consecutivas sem resultados práticos.

Para combater o egoísmo e a vaidade, regressei ao corpo físico, vezes incontáveis, faltando em todas as minhas promessas.

Sempre a recapitulação do círculo vicioso.

Envenenava meu esposo pelo ciúme, destruía o lar pelo egoísmo e perdia os meus filhos, em virtude da vaidade.

Amigos desvelados seguiam-me carinhosamente, de esferas mais Altas, estendendo-me os braços fraternais, entretanto, fracassei de modo invariável.

Valia-me da bênção do esquecimento [na reencarnação] para perpetrar novos erros e espezinhar as sagradas leis.

O tempo, contudo, ia passando implacável e os meus [antigos] benfeitores [espirituais] se foram distanciando de mim, elevando-se às regiões menos densas.

Despediam-se, afetuosos, estimulando-me ao [desempenho dos] dever cristão, mas fui ficando mais só no campo de meus problemas complicados.

Por fim, o companheiro de experiências [e empresas] inumeráveis foi chamado à Esfera superior, pelos méritos adquiridos e, dos Espíritos amados que me foram pais e filhos, em várias estações evolutivas, não existia nenhum ao lado de minha pequenês.

Quando me vi absolutamente sozinha, experimentei intraduzível pavor e amargoso desânimo. Abandonei-me à situação menos digna, demorando-me nas esferas inferiores, como trapo inútil, [embora consciente,] vencida pelo trio nefasto. Muitos anos, partilhei o desencanto da solidão [quase] absoluta. Houve um dia, contudo, em que fui visitada por nobre missionária do bem, que me contou, caridosamente, o seu caso. Estivera em minha posição e vencera com o concurso de entidades infelizes.

Depois de aventuras extravagantes, nas quais perdera sempre, voltou a Terra, na qualidade de mãe de filhos monstruosos, e tão intensos lhe foram os serviços amargos que conseguiu dominar o ciúme, o egoísmo e a vaidade, [no decurso de] em setenta anos de sacrifício incessante.

Induziu-me a visitar as Esferas tenebrosas e rogar a colaboração dos diretores daqueles que experimentam angústias infernais, propondo-me a maternidade dolorosa na Terra.

Aceitei o alvitre jubilosamente. Que eram setenta anos de luta [e paciência] para conseguir uma realização que, por mais de dois milênios, não conseguira efetuar, nem mesmo parcialmente?

A generosa amiga conduziu-me aos círculos de treva e, com horror, surpreendi a existência de infortunados irmãos nossos, em estado de loucura, cegueira e deformação. Agitavam-se num turbilhão de padecimentos indescritíveis.

Acovardei-me ante o quadro triste, mas a bondosa amiga reanimou-me e roguei a bênção…

Quando meu fervor na rogativa se exteriorizou em lágrimas de esperança, fez-se visível um dos vigilantes daquela região tenebrosa e acolheu-me a súplica.

Aceitar-me-ia o compromisso e designou-me quatro criaturas que se poderiam reunir à minha alma, dentro de algum tempo, nos círculos carnais.

[Foi assim que,] entre o pavor e a ansiedade, regressei ao campo do renascimento terrestre.

[Vi-me,] desde cedo, porém, reconheci que as minhas condições na luta eram precárias e dolorosas. Desde a infância, observei que meu corpo estava em forma de acordo com os meus sentimentos íntimos.

A princípio, vigorosa rebeldia dominava-me o coração, mas fui lavando as manchas da revolta com as lágrimas benfazejas e, porque a orfandade me colhera nos primeiros anos, fui obrigada a esposar um homem, terrivelmente deformado, que me deu quatro filhos verdadeiramente monstruosos.

Ao nascer, porém, o último, meu infortunado esposo, companheiro de quedas noutra época, veio a desencarnar, deixando-me a viuvez e a pobreza sem remédio.

Desejei trabalhar no ganha-pão, no entanto, a desventura dos filhos não me permitia.

Um era cego, outro leproso, [e] dois aleijados. Muita vez, a vaidade me inclinou à prostituição, mas o instinto de mãe não me separava dos filhinhos e toda gente se afastava de mim com repugnância.

O egoísmo buscou cegar-me os olhos, sugerindo que os enjeitasse, entretanto a maternidade dolorosa auxiliava-me a vencer no combate silencioso do coração.

O ciúme alvitrava a revolta e o crime, mormente quando surgiam ante os meus olhos, de mães felizes, todavia, o beijo dos meus filhinhos desventurados induzia-me à gratidão pela caridade pública, à humildade, [e] ao entendimento.

Nunca tive pouso certo, como nunca tive parentes que me solucionassem as necessidades.

Mendiguei nos caminhos, [errando sem direção, invariavelmente] acompanhada pelas quatro crianças infelizes, que se transformaram em [sentenciados] adultos cheios de necessidades crescentes.

Os dois aleijados partiram mais cedo [para o sepulcro], o leproso desencarnou algum tempo depois, e o cego andou comigo por mais de quarenta anos.

Suportei sede, fome, privações, [e] conheci de perto os infortúnios e a aflição, com os filhos doentes, agonizantes ou insepultos.

Ao completar, porém, os setenta anos, libertei-me do trio maldito. A morte encontrou-me totalmente renovada e com a Bênção divina pude entoar o meu cântico de vitória.

A nobre Diana calou-se, sob nossa viva emoção. A sublime história valia por nova interpretação da luta terrestre.

Ante o nosso silêncio comovido, concluiu a mensageira do bem, com vibrante expressão:

Como observam, sou devedora inolvidável para com os meus irmãos desventurados. Em companhia deles, na reencarnação terrestre, aprendi lições que mais de vinte séculos de escola tranquila não puderam me ensinar pela minha rebeldia e viciação.

E tão grande é a [minha] alegria que sinto dentro de mim, [e] tão bela a [minha] noção de vitória individual, que se rastejasse, nas trevas, por alguns milênios, a fim de servi-los, não lhe pagaria, em hipótese alguma, o que lhe fiquei a dever para a eternidade.


Irmão X

(Humberto de Campos)


[1] O título entre parênteses é o mesmo da mensagem original e seu conteúdo, diferindo bastante nas palavras marcadas e [entre colchetes], foi publicado em 1950 pela FEB e é a 38ª lição do livro “Pontos e contos.” — Esse capítulo foi restaurado: Texto restaurado.


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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