O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Obreiros da Vida Eterna — André Luiz


17


Rogativa singular

(Sumário)

1. Enquanto Dimas se restaurava paulatinamente, Fábio cobrava forças de modo notavelmente rápido. Os longos e difíceis exercícios de espiritualidade superior, levados a efeito na Crosta, frutificavam, agora, em bênçãos de serenidade e compreensão. 2 Ambos repousavam, na Casa Transitória, amparados pela simpatia geral da instituição que a Irmã Zenóbia dirigia. Ao mesmo tempo, prosseguíamos em constante cuidado, junto aos demais amigos, principalmente ao pé de Cavalcante, cuja situação orgânica piorava sempre, nas vizinhanças do fim.

3 Dimas, com o exemplo de Fábio, criara novo ânimo. Reagia, com mais calor, perante as exigências da família terrena e consolidava a serenidade própria, com a precisa eficiência. O ex-tuberculoso, iluminado e feliz, notava que outros horizontes se lhe abriam ao espírito sensível e bondoso. Podia levantar-se à vontade, transitar nas diversas seções em que se subdividiam os trabalhos do instituto e dava gosto vê-lo interessado nos estudos referentes aos Planos elevados do Universo sem fim. 4 Experimentava tranquilidade. Não era um gênio das alturas, não completara suas necessidades de sabedoria e amor; entretanto, era servo distinto, em posição invejável pelos débitos pagos e pela venturosa possibilidade de prosseguir a caminho de altos e gloriosos cumes do conhecimento. A Irmã Zenóbia dava-se ao prazer de ouvi-lo, nos rápidos minutos de lazer, e, frequentemente, manifestava a Jerônimo suas agradáveis impressões a respeito dele.

5 Tanta alegria provocou o discípulo fiel, com a disciplina emotiva de que dava testemunho, que o nosso Assistente tomou a iniciativa de trazer-lhe a esposa, em visita ligeira. Lembro-me da comoção de Mercedes ao penetrar o pórtico do instituto, pelo braço amigo de nosso orientador. Estava atônita, deslumbrada, extática. Não possuía consciência perfeita da situação, mas demonstrava sublime agradecimento. Conduzida à câmara em que o companheiro a esperava, ajoelhou-se instintivamente. Sensibilizamo-nos todos, ante o gesto de espontânea humildade.

6 Fábio, sorridente, disfarçando a forte emoção, dirigiu-lhe a palavra, exclamando:

— Levante-se, Mercedes! Comungamos agora na felicidade imortal!

A esposa, porém, inebriada de ventura, fechara-se em compreensível silêncio. O amigo adiantou-se, ergueu-a e abraçou-a com infinito carinho.

— Não se amedronte com a viuvez, minha querida! — Continuou, — estaremos sempre juntos. Lembra-se de nosso entendimento derradeiro?

7 Mercedes entreabriu os lábios e fez sinal afirmativo.

— Dê-me notícias dos filhinhos! — Pediu o consorte desencarnado, a sorrir, — nada disse ainda… Porquê? Fale, Mercedes, fale! Mostre-me sua alegria vitoriosa!

A esposa fixou nele, com mais atenção, os olhos meigos e brilhantes e disse, chorando de júbilo:

— Fábio, estou agradecendo a Jesus a graça que me concede… como sou feliz, tornando a vê-lo!…

Lágrimas copiosas corriam-lhe das faces.

8 Em seguida, após curto intervalo, informou:

— Nossos pequenos vão bem. Lembramo-nos de você, incessantemente… Todas as noites, reunimo-nos em oração, implorando a Deus, nosso Pai, conceda a você alegria e paz na vida diferente que foi chamado a experimentar.

9 Outra pausa em que a nobre senhora tentou conter o pranto.

— Quero avisá-lo, — prosseguiu, — de que já estou trabalhando. O senhor Frederico, nosso velho amigo, deu-me serviço. Carlindo vela pelo irmão, enquanto me ausento, e creio que nada nos falta em sentido material. Temos apenas…

10 E a esposa dedicada interrompeu-se nas expressivas reticências, receosa talvez de ofendê-lo.

— Continue! — Falou o companheiro sensibilizado.

— Não se zangará, — disse Mercedes, reanimando-se, — se eu reclamar contra as saudades imensas? Em nossas refeições e preces, há um lugar vazio, que é o seu. Creia, porém, que faço o possível por não feri-lo. Coloquei mentalmente a presença de Jesus, o nosso Mestre invisível, onde você sempre esteve. Desse modo, sua ausência em casa está cheia da confiança fervorosa nesse Amigo Certo que você me ensinou a encontrar…

11 Reparei que o esposo, não obstante a elevação que o caracterizava, desenvolveu visível esforço para não chorar. Fazendo-se otimista, observou:

— Não apague a luz da esperança. Não me zango em sabê-los saudosos, pois também eu sinto falta de sua presença, de sua ternura, da carícia de nossos filhos, mas ficaria contrariado se soubesse que a tristeza absorveu nosso ninho alegre. 12 Tenha coragem e não desfaleça. Logo que for possível, retomarei meu lugar, em espírito. Estarei com você no ganha-pão, assisti-la-ei nos exercícios da prece e respirarei a atmosfera de seu carinho. Para isso, por enquanto, preciso escorar-me em sua fortaleza de ânimo e não dispenso o seu amoroso auxílio. 13 Sinto-me cercado de bons amigos que não nos esquecem e, quem sabe, estaremos, lado a lado, de novo, em porvir não remoto? Avisaram-me de que a Divina Bondade me concedeu ingresso em colônia de trabalho santificador, a fim de prosseguir em meus serviços de elevação. 14 Poderei talvez tecer diferente e mais belo ninho para aguardá-la. Ouço dizer, Mercedes, que o Sol é muito mais lindo nessa paisagem de encantadora luz e que as árvores floridas assemelham-se, à noite, a formosos lampadários, porque as flores maravilhosas retêm o luar divino…

15 Nesse instante, determinada interrogação irrompeu-me no raciocínio. Se Fábio havia feito tantos amigos em nosso núcleo de serviço, desde outro tempo, a ponto de merecer-lhes especial consideração, como se mostrava adventício, a respeito do noticiário de nossa Esfera? Sintetizando compridas indagações em pequenina pergunta ao Assistente Jerônimo, respondeu-me o orientador em duas sentenças curtas:

— A morte não faz milagres. Retomar a lembrança é também serviço gradual, como qualquer outro que envolva atividades divinas da Natureza.

Calei-me, atento.

16 Fitando a visitante, enternecido, o marido recém-liberto considerava:

— Acredita que não vale a pena sofrer, de algum modo, para conseguir tão sagrado patrimônio? Nossos filhos crescerão depressa, as lutas serão breves, as situações carnais transitórias. Não desanime, portanto. A Providência jamais se empobrece e nos enriquecerá de bênçãos.

17 Mostrou a esposa formosa expressão de conforto no semblante feliz e, mobilizando as mais íntimas energias da alma humilde, manteve-se, por alguns instantes, de mãos postas, como a agradecer a Deus o imenso júbilo daquela hora.

Jerônimo fez significativo sinal, avisando em silêncio que findara o tempo da visita.

18 A Irmã Zenóbia, que acompanhou a cena, comovida, junto de nós, tomou de uma flor semelhante a uma grande camélia dourada e deu-a a Fábio, para que presenteasse a companheira.

Mercedes recebeu a dádiva, conchegando-a ao coração.

19 Nosso dirigente aproximou-se de mim e notificou-me:

— André, acompanhe-nos à Crosta. Nossa amiga perdeu grande porção de forças com a emoção e ser-nos-á útil sua cooperação na volta.

20 Despediu-se a viúva e, em breve, era por nós reconduzida ao lar. E, ainda agora, ao relatar a experiência, recordo-me da estranha sensação de felicidade que Mercedes sentiu, ao despertar no leito com a perfeita impressão de guardar a delicada flor entre os dedos.


2. Tudo, pois, corria bem no círculo dos trabalhos que nos foram cometidos, quando nosso mentor foi chamado por autoridade superior de nossa colônia. 2 Esperei impaciente o regresso dele, porque Jerônimo, em obediência às determinações recebidas, deveria partir, imediatamente, para entendimento inadiável.

Recomendou-nos aguardá-lo, em serviço na Casa Transitória, acentuando que seria breve.

3 De fato, não se demorou mais de um dia. E, ao regressar, cientificou-nos da novidade. A irmã Albina fora autorizada a permanecer na Crosta Planetária por mais tempo, razão por que a desencarnação fora adiada “sine die”. 4 Certa rogativa influíra decisivamente no assunto. Entrara em jogo imperiosa exigência que nossa colônia examinara com a devida consideração. Em vista disso, renovara-se o programa da missão que trazíamos. Ao invés de auxílio para a liberação, a velha educadora receberia forças para se demorar na Crosta. Devíamos procurar-lhe a residência, sem perda de oportunidade, propiciando-lhe ao organismo os possíveis recursos magnéticos ao nosso alcance.

5 Quis perguntar alguma coisa, inteirar-me das particularidades. Todavia, Jerônimo costumava dizer com proveito tudo o que necessitávamos saber, e não me cabia constrangê-lo a qualquer informação antecipada. Por que se modificara decisão de tamanho relevo? Quem possuía, afinal, tanto poder na oração, para ter influência nas diretivas de nossa colônia espiritual? Seria justo o adiamento? Por que motivo determinada súplica impunha a renovação do roteiro a seguir?

6 O Assistente percebeu as indagações que se me entrechocavam no cérebro e adiantou:

— Não se torture, André. Saberá tudo no momento oportuno.

E, traçando sintética programação de serviço, acrescentou:

— Vamo-nos, Hipólito e Luciana velarão pelos convalescentes.

7 Em caminho, porém, não resisti. Pedi permissão para ouvi-lo, de maneira sumária, quanto à nova deliberação, e Jerônimo aquiesceu, esclarecendo:

— A medida não deve provocar admiração. Ninguém, senão Deus, detém poderes absolutos. Todos nós, no desenvolvimento das tarefas conferidas às nossas responsabilidades, experimentaremos limitações nos atributos ou no acréscimo de deveres, segundo os desígnios superiores. 8 O futuro pode ser calculado em linhas gerais, mas não podemos prejulgar quanto ao setor da interferência divina. O Pai efetua a organização universal com independência ilimitada no campo da Sabedoria Infalível. Nós cooperamos com relativa liberdade na obra do mundo, sujeitos à necessária e esclarecedora interdependência, em virtude da imperfeição da nossa individualidade. Deus sabe, enquanto nós nem sequer imaginamos saber.

9 E, com expressivo gesto de bom humor, prosseguiu:

— Não existe, portanto, novidade propriamente dita. Aliás, é justo considerar que a desencarnação de Albina não é suscetível de ser adiada por muito tempo. O organismo que a serve está gasto e a nova resolução destina-se apenas a remediar difícil situação, de modo a trazer benefícios para muita gente. 10 A prece, em qualquer ocasião, melhora, corrige, eleva e santifica. Mas somente quando estabelece modificação de roteiro, igual à de hoje, é que paira, acima das circunstâncias comuns, o interesse coletivo. Ainda assim, a medida prevalecerá por reduzido tempo, isto é, apenas enquanto perdurar a causa que a motiva.

11 Recordei uma experiência anterior,  n em que observara certo irmão recebendo alguns dias de acréscimo à existência no corpo, para poder solucionar problemas particulares, e compreendi a alteração havida. De qualquer modo, porém, minha surpresa não era desarrazoada, porque constituíamos comissão de trabalho definido, com atividades traçadas por superiores hierárquicos. 12 No caso a que me reportava, vira amigos de nossa Esfera intercedendo junto de outros amigos, em benefício de terceiro. Todavia, na questão em exame, tratava-se de pedido da Crosta, atuando diretamente em nosso núcleo distante.

Conservando, pois, minha curiosidade insatisfeita, acompanhei o Assistente até ao apartamento confortável em que residia a interessada.

13 Os prognósticos acerca do estado físico da enferma eram desanimadores. Seu Espírito, no entanto, mantinha-se calmo e confiante, a despeito da profunda perturbação orgânica.

Não só o coração e as artérias apresentavam sintomas graves: também o fígado, os rins, o aparelho gastrintestinal. A dispneia castigava-a, intensamente.

14 Chegáramos no instante em que gracioso grupo de jovens, catorze ao todo, fazia em derredor da enferma o culto doméstico do Evangelho. Enquanto oravam, antes dos comentários construtivos, de alma voltada para a sublime fonte da fé viva, atiramo-nos ao trabalho, seguidos, de perto, por outros amigos de nosso Plano, ligados à missão da nobre educadora.

15 O ambiente equilibrado pela prece e pelos pensamentos de elevação moral contribuíam eficazmente na execução de nossos propósitos.

A zona perigosa do corpo abatido era justamente a que situava o aneurisma, provável portador da libertação. O tumor provocara a degenerescência do músculo cardíaco e ameaçava ruptura imediata. 16 Jerônimo, entretanto, revelou-se, mais uma vez, o médico experimentado e competente de nosso Plano de ação. Começou aplicando passes de restauração ao sistema de condução do estímulo, demorando-se, atencioso, sobre os nervos do tônus. Em seguida, forneceu certa quantidade de forças ao pericárdio, bem como às estrias tendinosas, assegurando a resistência do órgão. 17 Logo após, meu orientador magnetizou, longamente, a zona em que se localizava o tumor bastante desenvolvido, isolando certos complexos celulares, e esclareceu:

— Poderemos confiar em grande melhora, que persistirá por alguns meses.

18 Com efeito, finda a complexa operação magnética, observei que o coração doente funcionava com diferente equilíbrio. As válvulas cardíacas passaram a denotar regularidade. Cessou a aflição, o que foi atribuído, e de fato, com razões ponderosas, ao efeito da prece.

19 Albina sentiu-se reconfortada, mais calma. Fitou, comovida, as discípulas que se achavam presentes em afetuosa homenagem a ela, e considerou, satisfeita:

— Como me sinto melhor! Motivos fortes possuía o apóstolo Tiago, recomendando a prece aos enfermos! ( † )

20 As alunas e as filhas riram-se de contentamento e ergueram, em seguida, formosa oração gratulatória, emocionando-nos o coração.


3. Contrariando a expectativa geral, a enferma aceitou o oferecimento de um caldo confortante.

2 Em face da alegria que a todos empolgava, perguntei de súbito ao Assistente:

— Teria sido a súplica das discípulas o móvel da alteração? Quem sabe? Talvez lhes fizesse falta a venerável professora…

3 — Não, não é bem isto, — elucidou o mentor, — a intercessão das meninas trouxe-lhe a cota natural de benefícios comuns; no entanto, acresce notar que Albina já cumpriu tarefa junto delas. Deu-lhes o que pôde, devotou-se quanto devia. Em virtude da abnegação da enferma, as aprendizes trazem o cérebro cheio de boas sementes… Compete agora às interessadas organizar condições favoráveis ao desenvolvimento intensivo dos tesouros espirituais de que são portadoras.

4 Curioso, arrisquei:

— Estaríamos, porventura, ante o resultado de requisição sentimental das filhas?

Jerônimo fitou ambas as senhoras que assistiam a doente com desvelada ternura, abanou a cabeça com gesto negativo e retrucou:

5 — Também não. Não se trata de resposta a semelhante rogativa. No desempenho dos sagrados deveres de mãe, Albina fez tudo pelo bem-estar das filhas. Desvelou-se, quanto lhe era possível. Por elas perdeu compridas noites de vigília e encheu laboriosos dias de preocupação absorvente e redentora. Educou-as carinhosamente, encaminhou-as na estrada da santificação e, sobretudo, ao prepará-las para a vida, entregou-as ao Pai Eterno, sem egoísmo destruidor. O trabalho materno foi completamente satisfeito. 6 Doravante, cumpre às filhas seguir-lhe o exemplo, imitando-lhe a conduta cristã. Os bons pensamentos de Loide e Eunice envolvem-na toda em repousante atmosfera de amor. Entretanto, não seriam os rogos filiais, em circunstâncias como esta, que modificariam o roteiro das autoridades superiores no cumprimento das leis divinas. As súplicas de ambas partem de esferas de serviço perfeitamente atendidas pela missionária em processo de liberação e de modo algum as filhas poderiam retê-la.

7 Nesse instante, sentindo-se a enferma confortada pela inopinada melhora, dirigiu-se à filha mais velha, indagando:

— Loide, acredita você na possibilidade de trazerem o Joãozinho até aqui?

8 À interrogação enternecida, seguiu-se plena aprovação da filha e o telefone tilintou chamando alguém.

Ao passo que a senhora se entendia com o esposo, a distância, meu orientador anunciou, bem humorado:

— Em breves momentos, receberá você a chave do problema.

9 Continuamos socorrendo a organização fisiológica da enferma, observando a alegria sincera das discípulas, que se retiravam, contentes. Mãe e filhas voltaram a permanecer a sós conosco, junto de outros amigos espirituais que se dedicavam, no compartimento, à tarefa de auxílio, inclusive a simpática irmã que nos acolhera na visita inicial, falando-nos, aliás, da probabilidade de prorrogação.

10 Processavam-se com extremado carinho os serviços de assistência, quando cavalheiro bem-posto deu entrada, conduzindo um menino miúdo, de oito anos presumíveis.

Varando a porta do quarto, o pequeno mostrou-se cônscio do lugar em que se achava, cumprimentou as senhoras, respeitoso, e voltou-se, de olhos ansiosos, para a enferma, beijando-lhe a destra com indescritível ternura.

11 Albina rogou a Deus o abençoasse e o menino perguntou:

— Vovó, como vai?

Designando-o, o Assistente esclareceu:

— A súplica dessa criança alcançou-nos a colônia espiritual e modificou-nos o roteiro.

— Quê?… — interroguei, sumamente surpreendido.

12 Jerônimo, todavia, continuou:

— Não é neto consanguíneo da doente, embora se considere tal. É órfão que lhe abandonaram à porta, após o nascimento, e que Loide mantém no lar, desde que nossa irmã se recolheu à cama. 13 Não obstante a prova, Joãozinho é grande e abnegado servo de Jesus, reencarnado em missão no Evangelho. Tem largos créditos na retaguarda. Ligado à família de Albina, há alguns séculos, torna ao seio de criaturas muito amadas, a caminho do serviço apostólico do porvir.

13 Ia formular perguntas novas, mas meu orientador, indicando a enferma que se abraçara à criança, aconselhou-me, solícito:

— Observe por si mesmo…

14 O diálogo entre ela e o pequenino adquirira encantadora suavidade.

— Tenho passado mal, meu filho, — exclamava a respeitável senhora em desabafo.

— Oh! Vovó! — Tornou o rapazinho, olhos radiantes de fé, — tenho rezado sempre para que a senhora fique boa, depressa.

— Tem fé?

— Confio em Jesus. Na última vez em que estive na igreja, pedi a todos me ajudarem a rogar ao Céu pela sua saúde.

— E se Deus me chamar?

15 Os olhos se lhe umedeceram, mas acentuou em voz firme:

— Precisamos da senhora neste mundo.

Albina abraçou-o e beijou-o com meiguice maternal e prosseguiu:

— João, tenho sentido muita saudade de seus hinos na escola. Tem louvado o Senhor, pontualmente?

— Tenho.

— Cante para mim, meu filho.

16 O pequeno sorriu, jubiloso, por haver encontrado motivo de alegrar a doente querida e indagou, com naturalidade:

— Qual?

A enferma pensou, pensou, e disse:

— “Jesus, sendo meu”.

17 O menino modificou a expressão fisionômica, entristeceu-se instantaneamente, mas, colocando-se junto ao leito, e, na postura do crente submisso, ergueu os olhos ao alto e começou a cantar antigo e delicado hino das igrejas evangélicas:

“Jesus, sendo meu,

Sou muito feliz,

Eu vou para o Céu,

Meu lindo país…”

18 Expressava-se em voz tão dorida que o hino parecia amarguroso lamento. Finda a primeira quadra, esforçou-se para continuar, mas não conseguiu. Profunda emoção sufocou-lhe a garganta, as lágrimas saltaram-lhe, espontâneas; tentou debalde fixar Loide para ganhar coragem e, reparando que sua comoção contagiara a família, precipitou-se nos braços da doente e gritou, com força:

— Não, vovó, não! A senhora não pode ir agora para o Céu! Não pode! Deus não deixará!…

19 Albina recolheu-o, carinhosa, feliz.

— Que é isto, João? — Perguntou, buscando sorrir.

Observei a mim mesmo e só então reconheci que eu também chorava…

20 Jerônimo, porém, mantinha-se firme e, rindo-se, bondoso, reafirmou:

— O menino tem razão. Albina não irá mesmo desta vez…


4. Atendendo-me à curiosidade, entrou em explicações finais, advertindo:

— Que nota você de particular em Loide?

2 Recorrendo a observações que já levara a efeito, respondi sem hesitar:

— Reparo que aguarda alguém; uma filhinha que já entrevimos… Desde o primeiro encontro, verifiquei que está em período ativo de maternidade, em vésperas da delivrança.

3 — Isto mesmo, — confirmou o mentor amigo, — a prece de João é importante porque se reveste de profunda significação para o futuro. A menina, em processo reencarnacionista, é-lhe abençoada companheira de muitos séculos. Ambos possuem admirável passado de serviço à Crosta Planetária e escolheram nova tarefa com plena consciência do dever a cumprir. 4 Foram associados de Albina em várias missões e, muito cedo, ser-lhe-ão continuadores na obra de educação evangélica. Não são Espíritos purificados, redimidos, mas trabalhadores valiosos, com suficiente crédito moral para a obtenção de oportunidades mais altas. 5 Apesar da condição infantil, o servo reencarnado, pelas ricas percepções que o caracterizam fora da Esfera física, recebeu conhecimento da morte próxima de nossa venerável irmã. Compreendeu, de antemão, que o fato repercutiria angustiosamente no organismo de Loide, compelindo-a talvez a claudicar no trabalho gestatório, em andamento. 6 A carga de dor moral conduzi-la-ia efetivamente ao aborto, imprimindo profundas transformações no rumo do serviço de que João é feliz portador. Socorreu-se, então, de todos os valores intercessórios, nos instantes em que sua alma lúcida pode operar na ausência da instrumentalidade grosseira que triunfou com as súplicas insistentes, obtendo reduzida dilatação de prazo para o desencarne de Albina.

7 Sempre comedido nas informações, Jerônimo calou-se, preparando a retirada.

A singular ocorrência enchia-me de encantamento e surpresa. E contemplando, sob forte enlevo, a pequena família em santificado júbilo doméstico, chegava à conclusão de que, ainda ali, numa câmara de moléstia grave, a oração, filha do trabalho com amor, vencia o vigoroso poder da morte.


André Luiz



[3] Vide cap. 7 de “Missionários da Luz.”Nota do Autor espiritual.


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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