O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Na hora do testemunho — Autores diversos — F. C. Xavier / J. Herculano Pires


Anexo III


POESIA DA ADULTERAÇÃO


O envolvimento das trevas

J. Herculano Pires


Na batalha contra a adulteração tivemos de usar vários meios de persuasão. Um deles foi a poesia, em duas modalidades: a moderna e a clássica, para atender a diferentes gostos. Os poemas com que encerramos este memorial da adulteração foram impressos em folhetos e distribuídos a todo o Brasil. No primeiro, tentamos colocar o problema do Evangelho em face do mundo, usando a técnica de Cassiano Ricardo.  †  O segundo poema é inspirado em Julio Dantas  †  e Guerra Junqueiro.  †  Nada melhor que o ritmo envolvente do autor de A Velhice do Padre Eterno para se obter uma visão diabólica e ao mesmo tempo humorística do envolvimento de espíritas pelas entidades trevosas. O que pretendemos nesse poema foi mostrar os vários elementos que levaram os adulteradores a tentar a ceia de uma Ave do Paraíso (no caso a Codificação) com os toques líricos de Julio Dantas em A Ceia dos Cardeais. Os resíduos do passado, a saudade dos velhos tempos de poderio eclesiástico a arrogância dos doutores da lei e o atrevimento dos insaciáveis clérigos medievais (caçadores impenitentes de aves paradisíacas) aparecem bem marcados como os elementos inconscientes de que os Espíritos das trevas se serviram para envolverem a turma invigilante. Esses poemas, numa edição popular de 5 mil exemplares, foram distribuídos gratuitamente em todo o país e produziram o efeito desejado. Houve também poemas de Guerra Junqueiro, psicografados por Jorge Rizzini. Chico Xavier permaneceu em sua linha de prudência mediúnica, evitando atritos, mas definindo claramente a sua posição, como já vimos. A posição de Chico é a de um Espírito desencarnado, que deixa aos homens a solução de seus problemas. Orientado por Emmanuel, ele só recebe e divulga mensagens de ordem moral e espiritual. Mas nós, os homens, temos de dar conta das nossas responsabilidades no plano doutrinário. Devemos ressaltar, nesse plano, a posição exemplar da Liga Espírita do Estado de São Paulo, cujo presidente, Messias, fez a mais completa e minuciosa análise da adulteração, em mais de setenta laudas mimeografadas e distribuído os volumes a várias instituições.




O Evangelho e o Mundo


O Evangelho é semente. O mundo, o chão.
Jesus, o semeador. O ser é a cova.
Em cada cova o adubo, o coração.
E em cada coração o sentimento
  que é sol e chuva e vento.
  E a dor que é prova.


O Evangelho é raiz que nos penetra.
E nossa vida é a selva. Cresce a planta
na proporção da seiva que lhe damos.
Se a seiva é escassa, há de minguar a planta.
  Quanto mais amamos
mais Fundo o Evangelho nos penetra,
mas se não amamos o Evangelho,
  como vamos amar
  segundo o Evangelho?


Somos cova no mundo. E cova funda.
Na cova há limo e pedra, bem e mal.
Se bem é bem, mal é mal. Ambos existem
porque o mundo é bom e mau ao mesmo tempo.
Como pode o Evangelho penetrar
  na cova que é do mundo
  para o mundo mudar?
Negando o bem? Negando o mal?
Pode o peixe do mar viver sem mar?
  Há ódio e amor no mundo.
  Covas boas e covas más.
Há amigos e inimigos, verdade e mentira
  piedade e ira.
O mal melhora e se transforma em bem
  junto do bem.


Se tudo é bem, porque Jesus semeou?
Porque a semente na cova e a raiz que cresce
  e mergulha fundo na prova?
O Evangelho é luz do céu nas covas do mundo.
  Luz no fundo.
Há covas boas, covas regulares ou menos boas
  e covas más
  que exigem pás.


O mundo é. O mundo existe. É objeto.
O Evangelho será. Existirá. É projeto.
O lavrador tem a terra e a semente
  e na semente a safra.
A terra e a semente existem, a safra existirá.
E se não existir, o que será?
Mau lavrador é o que não põe a semente na cova.
Tolo é o que pensa que a semente é safra.
Expiação e prova mudam o mau em bom.
  Ou não há prova?
  E ninguém expia?
Só Jesus mudou o mundo com palavras Só.
Mas Jesus sabia que há palavras e palavras.
  E Kardec também.
  Por isso o Evangelho é um só. Só.
  Feito com palavras exatas.
Mudar palavras não muda o mundo. E mudar
palavras de Jesus e de Kardec é trapacear.
  Que a trapaça não se faça
  onde houver quem quer melhorar.
Há Espíritos mudos, Espíritos mundos e Espíritos imundos,
  Espíritos mudos são menos maus
  e menos bons.
  Estão na prova e na expiação.
  Fermento bom no mau coração.
  Há bons e maus.
  E maus em trans(i)são.
Espíritos mundos são só mundo
  (do mundo)
errantes fátuos entre o bom e o mau.
  Bom por conveniência e mau por mal.
  (Quem não conhece a escala espírita?)
Espíritos imundos são antimundo
  mau por mal.
Há o mundo e o imundo. Quem disse foi Jesus,
  que não era treva, mas luz
    e também mais luz.
  (Quem contradiz Jesus tem mais luz?)
    E a cruz?
  Não foi boa e má ao mesmo tempo
  em sentidos opostos?
    Ou foi menos boa?
Quem trapaceia com Jesus e Kardec
    trapaceia
  faz trapaça e ceia.
  Vamos à ceia,
    eia!


(Nota para os farautos — Este poema é cassiânico, inspirado em Cassiano Ricardo. Poema sem versos, com linossignos. Para entender é preciso pensar).




A Ceia dos Cardeais


I


Kardec, ante a visão, orou a Deus
suplicando-lhe que enviasse ao mundo,
após o seu trespasse, alguns hebreus
do tempo de Jesus: Pedro, Mateus…


Ou se possível o valente Paulo
que rompera com tudo e até com Saulo.


Sofria, em febre, o grande fundador,
ao ver na Terra os seguidores seus,
reunidos como antigos fariseus
para um festim de trágico esplendor.


  Kardec olhou o céu em busca de Jesus.
  Por toda parte a treva. O céu não tinha luz.


— Ó Deus clemente, ó Deus de luz e amor,
porque me abandonais na hora da agonia?
Mas ao forte clamor a noite respondia
com gritos de urubus nos abismos do horror.


A escuridão do céu, tenebroso sudário,
lembrava o instante atroz em que o último grito
de Jesus abalou a terra e, do infinito,
a treva despenhou-se envolvendo o Calvário.


Era a hora final do drama da paixão,
em que se consumava a trama da traição.


II


Eis o quadro de horror que Kardec antevia,
o coração opresso, a mente em agonia:


Em torno a vasta mesa, em sala iluminada,
eram quarenta, ao todo, os rígidos perfis,
cada qual mais feroz, na posição de juiz,
olhar duro, cruel, e consciência togada.


Julgariam Kardec, e na ausência do réu,
por ele respondia a Codificação.
A sentença já pronta, isenta de paixão,
era impassível, fria e escura como o céu.


Mas de repente a mesa encheu-se de talheres
Passara o julgamento. O tribunal, agora
dispunha-se a ceiar. Era avançada a hora,
e a sala se enchia de gentis mulheres.


O tribunal virava em amplo restaurante.
Os juízes comensais sorriam satisfeitos.
Garçonetes, garçons, graçolas e trejeitos,
uma ceia de arromba, alegria esfusiante.


Mas Kardec enxergava, atrás de cada juiz,
a carranca feroz de um regente do Umbral,
esquálido, a esperar o momento fatal
em que se serviria a vítima infeliz.


Sobre a mesa, a final, foi posta a refeição:
esquartejada e frita — a Codificação.


III


A algazarra estrondou. Alegres comensais
batiam os pés no chão, os talheres nos pratos,
contando à vizinhança boquiaberta os fatos
da caçada infernal, em termos especiais.


— Uma ave bem nutrida, a Codificação,
(explicava solene, um elegante juiz)
mas já velha, cansada, ave menos feliz,
embora conservasse um porte de faisão.


Foi criada em jardins da encantadora França,
tratada por Kardec a rações de verdade,
ensinada a cantar com muita suavidade
em trinos de amor puro e notas de esperança.


Mas Kardec lhe deu (também já estava velho)
talvez por caduquice, uns grãos de falsidade
que espertalhões judeus meteram no Evangelho.


Forçoso era imolá-la a bem da santidade
do nosso bom Jesus, cujo verbo divino
jamais se maculara em palavrão mofino
e nunca tolerara expressões de maldade.


Depois, como sabeis, havia uma sentença
unânime e viril do nosso tribunal
que mandava expungir os resíduos do mal
desse corpo da mais encantadora crença.


Um só tiro bastou, em pleno coração,
para que ela tombasse inteira aos nossos pés.
No sangue que jorrou, a ira de Moisés
foi lançada num jato e coagulou no chão.


Que coágulos, meu Deus! Brilhava o sangue puro
como o sangue de Abel traído por Caim!
Seus olhos de condor lançavam sobre mim
anátema e perdão em nome do futuro.


Pousou sobre ela um torvo, horrendo escaravelho.
Crocitou na distância um como moribundo.
Senti-me um filisteu a estrangular o mundo.
O coração da ave era o próprio Evangelho!


Foi assim que a cacei por ordem da Justiça.
E ao disso me lembrar peguei-a pelos pés,
aliviei a consciência evocando Moisés
e rápido voltei à cotidiana liça.


Às vezes a consciência é incômodo troféu
que vira tribunal e nos converte em réu.


IV


A Codificação esquartejada e frita
exalava esse odor que ao estômago excita.
Velhos cardeais de outrora e bispos reencarnados,
trazendo inda por dentro as vestes purpuradas
mantinham cautamente as mãos entrecruzadas
à espreita do manjar, os olhos espichados.


— Este é um raro petisco, um albatroz glorioso!
(exclamava um bispinho esquálido e faminto)
Com dois copos ou três de um belo vinho tinto
dá-nos o que nos falta, o êxtase do gozo!


Um fradeco rotundo, envolto em seu burel,
que de bispo fingia, iludindo os videntes,
agitava-se inquieto e dizia entre dentes:
— Ave do Paraíso, um presente do céu!


— Passe-me o coração, esse é o melhor pedaço!
(gritava antigo frei de convento da Espanha
que perdera o burel mas não perdera a manha)
Por causa dele fui internado no Espaço!


Velho cardeal francês, agora doutorado,
reclamava a cabeça: “É uma delícia o miolo!
É nele que se pensa e nele se arma o rolo
que conduz ao garrote o padre rebelado!”


— “O miolo — continuava — essa invenção divina,
é fonte de heresia e ninho de pecados,
por isso tem sabor de leitos setinados,
de promessas de amor em boca fescenina.”


— Que horror! logo exclamou ex-bispo moralista —
Já de outra encarnação detesto a leviandade,
mas agora vivendo a era da verdade
permito-me provar algum sabor de artista.


— Cuidado! — advertiu um cardeal barrigudo —
é o que sai pela boca o que nos contamina!
Esta ave morreu, embora peregrina.
por mesclar palavrões no seu trinado agudo.


— Palavrões, palavrões! — disse um bispinho irado —
É hoje o que se ouve até nos Evangelhos!
Palavrões juvenis, palavrões entre os velhos!
E há quem chame Kardec — o bom senso encarnado!


Tínhamos de expungir de Kardec esse horror!
Inimigos, odiar e até Espíritos maus!
Retirar do Evangelho esses feios calhaus
é dever de cristãos, é tarefa de amor!


V


A Codificação sumia sobre a mesa.
Primeiro o Evangelho, o próprio coração
da obra de Kardec, o livro-religião
que nos religa a Deus com ternura e firmeza.


Seu texto é suave e doce, uma carne macia.
mas as fibras de luz que estruturam-lhe a forma
são duras como o aço e nelas se conforma
a verdade integral em firmeza e energia.


Depois o livro-base, essa pedra angular
que o Mundo Espiritual implantou no planeta,
o livro da razão, mais que o Sol, um Cometa
que arrasta em sua cauda a terra, o céu e o mar.


E depois o tratado da mediunidade,
livro-guia da nova comunicação,
nascido da pesquisa e da revelação,
o Código LM em que brota a Verdade.


E após, num desafio aos segredos do Eterno,
rasgando véu da sombra e os mitos da mentira,
A Gênese que espanca as ameaças da ira
e esse golpe de luz: o livro O Céu e o Inferno.


Duas asas de fogo abertas no infinito,
rompendo a escuridão do Cosmos e da Morte,
numa visão de fé da nossa própria sorte
que afugenta da mente as causas de conflito.


Era essa a ave divina, a encarnação da luz,
que as trevas devoravam em nome de Jesus.


VI


Feita a consumação, o Sínodo dos Bispos
dissolveu-se ali mesmo e somente os Cardeais,
que haviam preparado uns pitéus divinais,
ficaram no recinto a lambiscar petiscos.


— Libertos da canalha, agora vamos nós
participar em paz da ceia dos cardeais,
saboreando a final os pratos especiais!
(Isso disse o mais velho adocicando a voz).


— O primeiro pitéu, expôs o maioral!,
é que o mal se acabou entre os filhos de Deus.
Alguns são menos bons, pobrezinhos, plebeus,
e assim vão residir na Favela do Umbral.


Isso é de grande alcance e os bispos não manjaram.
Já livres de suspeita, agiremos sem peias,
como aranhas fiando em paz as nossas teias
em que as moscas humanas sempre se enredaram.


— Nada como a experiência aprimora a malícia!
(disse esfregando as mãos o cardeal menos velho)
Jesus deu bom exemplo através do Evangelho
e os devemos seguir na ação cardinalícia.


— A ação cardinalícia! É exato, meu amigo!
(exclamou Dom Miguel, o ex-cardeal de Espanha)
Que seria de nós, não fosse a nossa manha,
com essa ave a voar e nos pôr em perigo!


Esses bispos que nunca alcançarão o céu
(observou piscando o velhote Chardon)
nunca vão saborear um prato sem garçom
servido por um anjo em forma de pitéu!


Que alegria no olhar! Saíram tão contentes!
Pensam que a ave-mãe só foi purificada.
Mataram-na sem dó. Comeram-na à fartada.
E ainda agora estão a palitar os dentes.


— São crianças, notou o cardeal português.
Deviam retornar, ainda nesta existência
como bispos de novo e aumentar a experiência.
Ainda vivem a sonhar com o “Era uma vez…”


— Outro belo pitéu é a linguagem fingida
(exclamou sorridente o cardeal de Paris)
que não diz sem dizer e nem dizendo diz.
Quanto têm de aprender esses bispos na vida!


— Quando moço eu também me enganava com tudo
(murmurou a cismar o cardeal italiano)
uma jovem fatal, um sonho, o Vaticano…
Depois envelheci, prefiro ficar mudo.


— Esses bispos, porém não são jovens assim.
Alguns deles já são bem passados em anos.
E deviam saber que sempre, em nossos planos,
há lugar para o não e lugar para o sim.


— Dom Fabrizzio! gritou o cardeal mais antigo.
É hora de calar! É hora da mudez!
Não queira revelar os truques do xadrez.
Não há maus. Somos bons. Mas há sempre um perigo!


Mas apesar do aviso o toque da saudade
em todos despertara a sensibilidade.


VII


Cada bispo ao sair levou a tiracolo
o verdugo umbralino a que estava amarrado.
Os cardeais, ao revés, traziam escravizado
um verdugo servil rastejando no solo.


À evocação fatal da antiga encarnação,
os olhos dos cardeais lacrimejavam tanto
que os verdugos, em pé, se entregaram ao pranto…
Gritavam com voz grossa em tom de cantochão.


Envolvidos no sonho, errando na distância,
os cardeais não ouviam os lamentos do Umbral.
Continuaram a cismar lembrando cada qual
a mocidade heróica e alegrias da infância.


— Ah, disse o mais antigo, de alva cabeleira,
que saudade da Espanha, essa terra cristã,
onde coisas como esta ou encrencas do Islã,
resolvíamos sempre ateando uma fogueira!


Nada nos impedia agirmos à vontade.
Nosso amor pelo Cristo impunha-se viril
no fogo salvador ou no garrote vil.
Vivíamos na lei da pura Cristandade!


Ó, heroica Madri de juízes implacáveis!
Barcelona queimou a Codificação.
A andaluza Sevilha erguia o seu brasão
em noitadas de ferro e sangue memoráveis!


Silenciou o cardeal, os olhos marejados.
e um suspiro escapou dos seus lábios magoados.
Dom Fabrizzio exclamou: Que saudades da Itália
que vigoroso amor o nosso por Jesus!
Foi Roma que inventou o suplício da cruz
para glorificá-lo em sudário e mortalha.


A bela catedral de São Pedro e São Paulo
foi sempre o meu refúgio em tempos que lá vão!
De um lado o velho Pedro e de outro o jovem Saulo
proclamam o poder sem par da conversão.


Quanto amei nessa terra em puríssimo ardor.
Vigilante que eu era em todos os processos
meti no calabouço alguns padres possessos
e outros mandei queimar. Mas tudo por amor!
Suspirou o cardeal e caiu no mutismo,
nostálgico, a lembrar o antigo Cristianismo.


O terceiro evocou, tristonho, a velha França
dos seus tempos de herói nas ruas de Paris,
quando moço arriscara a vida por um triz
na mais gloriosa noite, ordenando a matança.


Oh, noite imemorial de São Bartolomeu!
Uma jovem que amei, donzela suave e pura,
fi-la tombar à espada numa esquina escura.
Entreguei-a a Jesus. Era infiel: morreu.


Mandei rezar por ela uma missa às ocultas,
Comprei flores e enviei à sua sepultura.
Era uma encantadora e doce criatura.
Não podia ficar, como outras, insepulta.


Soluçou o cardeal. Tinha os olhos em brasa.
Levou a mão ao peito: Essa emoção me arrasa!
E temia morrer ao voltar para casa.


O quarto estremeceu: Ah, como é diferente!
Sim, como é diferente o amor em Portugal!
Nosso amor por Jesus, em Lisboa ou no Porto,
não era assim violento, assim fero e brutal.
Dávamos ao herege uma cela somente,
em que ele, arrependido, acabaria morto
pela própria exaustão, de modo natural.


Como era bom, assim poupá-lo das torturas,
deixá-lo sossegado a procurar o Cristo
no cilício comum das próprias amarguras.
Caía geralmente em transe nunca visto,
logo se inteiriçava e os anjos o atendiam.
Morria suavemente e buscava as alturas.


Nas regiões infernais fui sempre socorrido
por almas divinais luminosas e puras,
que me diziam sempre haver-se redimido
no silêncio ideal das celas sem torturas.
Por isso aprovo agora expungir-se a maldade
das sublimes lições do Meigo Nazareno.


Não vivemos no inferno, embora os palavrões,
os crimes a matança e o horror dos assaltos
sejam hoje comuns neste mundo terreno.
Talvez chamando bons a todos os vilões,
tirando ao dicionário os termos menos altos,
consigamos fazer da Terra um paraíso,
um mundo menos mau, com gente de bom siso.
Embora, na verdade, eu creia que isso cabe
ao sublime Jesus no Dia de Juízo.
Mas Deus é lá quem sabe!


Mergulhou-se o cardeal, perplexo, em mudez.
A verdade brilhava em límpida nudez.


VIII


Kardec, tristemente, enviou a Deus
uma sentida prece de perdão.
Compreendia que o homem, seu irmão,
não superara a lei dos fariseus.


Heranças milenares o impediam
de compreender a luz do Espiritismo.
O coração do homem é um abismo
em que as sombras do mal se debatiam.


Lembrou-se da batalha sem quartel
que enfrentara em Paris para legar
à humanidade um código sem par
que ela transforma em Torre de Babel.


Quanto sofrera parecia inútil
ante a visão que ali o assombrara.
A Codificação se revelara
grave demais para esse homem fútil.


Que mais restava? Só pedir perdão
para si mesmo e para todos quantos
julgando-se mais santos do que os santos
destruíam-lhe a Codificação.


Kardec olhou o céu em busca de Jesus.
Por toda parte a treva. O céu não tinha luz.


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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