O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Luz bendita — Emmanuel — Depoimentos diversos


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Gilberto Campista Guarino

Jornalista, Escritor, Poeta e Professor emérito.


Centro Espírita Luiz Gonzaga. Cidade de Pedro Leopoldo, Minas Gerais. Chico apressava-se para a reunião da noite, dentro em pouco. Nesse ínterim, já haviam chegado a Belo Horizonte duas senhoras muito distintas, travando relacionamento na classe médica da capital. Um médico havia que, por seu lindo caráter, seu conhecimento e sua cultura, chamava a atenção de todos. Era o Dr. Melo Teixeira. Ele, as duas senhoras e um terceiro médico resolveram excursionar por Belo Horizonte. Conversando animadamente, o automóvel rodou até Pedro Leopoldo. Uma das senhoras, ouvindo pronunciado o nome da cidade, perguntou se não era, porventura, a terra de Chico Xavier… O interpelado disse que, naqueles mesmos minutos iria ter início a sessão, no Luiz Gonzaga. Para lá se foram. (Observe o leitor o desfecho que, habilmente, a Espiritualidade preparava…) [Vide confirmação deste fato em uma nota no livro Sementeira de luz] Chegaram, entraram e o Dr. Melo Teixeira dirigiu-se a Chico, que não o conhecia. Apresentaram-se, em termos gerais, só declinando o nome o conhecido médico, os demais referidos como amigos. Chico, como de costume, após dizer-se honrado pela visita ilustre (o Dr. Melo declinara sua condição de catedrático de Psiquiatria, crítico literário), indicou os lugares para todos, lugares esses que se constituíam em vários bancos e toscos caixotes, sob um teto de palha e sobre um chão de tijolos, faceando grande mesa, coberta por toalha branca, trazendo o nome “Luiz Gonzaga”. O Dr. Melo Teixeira tomou assento à esquerda de Chico; referiu-se, para a direita, mostrando um lugar para a esposa do médico (Chico desconhecia inteiramente os lances do episódio); mais adiante, fulano e beltrano; cicrano, ainda à frente. Após o receituário, o médium grafou inúmeras mensagens, sob o desconfiado olhar do visitante, que se traía surpreso, diante de tal velocidade. O papel era de padaria, havendo diversos lápis com ponta muito bem feita. Chico pegava um lápis… deixava-o; pegava outro… deixava-o… enquanto alguém ia virando as folhas já psicografadas.

Terminada a reunião, após a leitura de mensagens e receitas, Chico parou, virou-se, e disse, timidamente, ao Dr..

“— Dr. Melo, o senhor vai me perdoar, mas houve uma confusão muito grande, que eu não pude compreender…”

“— Eu tenho aqui um soneto de Hermes Fontes, dirigido à sua viúva, que ele diz estar presente aqui, e ser aquela senhora.” (Apontou para aquela que ele, Chico, dissera ser a esposa do Dr. Melo).

“Tinha-se a impressão”, diz César Burnier, “que uma pedra havia caído num imenso reservatório de água: as lágrimas jorraram dos olhos da infeliz senhora, comovendo a todos, e enchendo de espanto o recinto singelo e desataviado. O Dr. Melo, atônito, quase desconcertado, olhou para todos os lados e disse:

“Deixe-me ver o soneto, Chico…”

“Leu-o, primeiramente, em silêncio. À medida que o fazia, todos pressentíamos em seu semblante indescritíveis emoções. A testa vincada, tinha lívido o rosto… Súbito, ele, que era um homem honesto e leal ao extremo, vira-se para o público, que era reduzido, e confessa, fortemente chocado, o que se segue:

“ — Meus amigos… Se eu andasse atrás de uma prova definitiva, comprobatória mesmo do mediunismo, jamais a encontraria como a encontrei aqui, neste instante. Ela veio às minhas mãos, sem esforço algum. Eu não conhecia Chico Xavier; Chico Xavier não me conhecia, e muito menos sabia que a ilustre senhora que aqui se encontra é viúva do grande poeta Hermes Fontes. Vou ler o soneto, e quero dizer ainda aos amigos que, neste soneto, Hermes fontes faz referências ao seu autoextermínio, motivado por inúmeros problemas, envolvendo o desalento familiar. Preciso notar ainda: EU CONHEÇO TODA A OBRA DE HERMES FONTES, e a conheço muito bem. O estilo é cem por cento o do poeta inesquecível. Todas as características poéticas estão profundamente assinaladas na peça. Este soneto só poderia ter sido produzido pelo Espírito do nosso querido Hermes. Vou lê-lo, para cumprir um dever de honra.”

E a voz ecoou, comovida, no pequeno recinto:

( — Para X, que está na sala — )


1 “Não condeno o teu dia de ventura,

Dessa ventura que eu antegozei

Em meus sonhos lindíssimos de rei,

Que em prazeres as mágoas transfigura.


2 Eras a luz suave, terna e pura,

A encantadora estrela que eu amei,

Sonho divino, que idealizei

Em meu mundo de sombra e de amargura.


3 A teu lado busquei amparo e um ninho,

Tomando, ávido, a mão que me estendeste,

Num grande e abençoado afeto irmão.


4 E deixaste-me, só, no meu caminho…

Mas há nest’alma, que não compreendeste,

Uma fonte sublime de perdão.”

Hermes Fontes


Se o leitor acompanhou atentamente os leves traços fonteanos que nestas páginas ficaram, mais anteriormente, decerto recorda-se do “Buena-Dicha”: “Para amar — procurei o bem, no afeto (AO TEU LADO BUSQUEI AMPARO E UM NINHO) (TOMANDO, ÁVIDO, A MÃO QUE ME ESTENDESTE NUM GRANDE E ABENÇOADO AFETO IRMÃO //) “Para sofrer levei a Cruz e o Andor //…) POR SUA PARTE / MENTIU-ME O AMOR. TUDO MENTIU … EXCETO / A DOCE MÃE DOS IMORTAIS, A DOR!)”


Impossível negar!… Ninguém o negaria… Mas, por que, então, o silêncio e o olvido de tantos e tantos anos em torno de tão emocionante acontecimento?!… Talvez para que, neste cinquentenário de amizade e respeito, de AMOR… que não mentiu, o soneto de Hermes Fontes brotasse dos alfarrábios de César Burnier, fazendo com que nossos próprios sentimentos fremissem de júbilo, tremessem de alegria. Mais de 30 anos no olvido, até que…

… “um dia “, torna a falar César, “em 1968, fui a uma sessão de materialização, que não se realizou; porque nossa querida médium, sofrendo a interferência espiritual na barca que atravessava a baia da Guanabara, dormiu a sono solto, atravessando de Niterói para o Rio inúmeras vezes. No entanto, levara comigo um pequeno gravador, já antigo, mas em bom funcionamento. No meio da conversa, estimada senhora, de chofre, me diz:

“— O Sr. sabe…”

“— Sim…”

“— Vi um soneto uma única vez, e, encantada com sua beleza, decorei-o, quando o Sr. Leopoldo Cirne para mim o leu, de imediato, como se tivesse tirado uma fotografia mental dos versos. E dele jamais me esqueci: até hoje o guardo.”

Como estivéssemos em ambiente espírita, franco e interessado nas coisas do “outro mundo”, perguntei-lhe que soneto era aquele, afinal. Ela insistiu em não deixar seu nome ligado ao episódio, mas arrematou:

“É, de fato, o soneto…

“Pois não”…

“…O soneto era de Hermes Fontes.

“De Hermes fontes?”, perguntei eu…

“Sim, de Hermes Fontes…

“Gosto muito de Hermes fontes. De que trata o soneto?

“Ele foi recebido em Pedro Leopoldo, na presença do Dr. Melo…

“Melo Teixeira?!, cortei-lhe, aos saltos, a voz…

“Sim… conhece-o?…

“Prossiga por favor…

“É um soneto dedicado à viúva do poeta…

“Não é possível, interrompi eu, novamente. Milha filha… este soneto está desaparecido há anos e anos… Ninguém lhe tem a cópia. A última vez que o vi, há muito tempo, estava já puído, dentro da carteira do Dr. Melo Teixeira. Ele desencarnou e o soneto perdeu-se. Pelo amor de Deus… vamos até a copa… a senhora precisa recitar para mim este soneto… vou gravá-lo.”

E assim foi. O soneto surgiu. De 1968 para cá, esteve quase perdido nas bibliotecas de César Burnier. Até que, novamente, veio à tona: Uma fita, um rolo antigo, gravado ainda em 50 ciclos, a tessitura vocal ligeiramente prejudicada, mas… lá estava… e aqui, por vez primeira, ficou.

Hermes fontes terá, logicamente, acompanhado todo o episódio. As personalidades se fundem. A vida não cessa.


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