O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Histórias e anotações — Irmão X


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Problemas de um médium

1 O médium Calixto iniciou a tarefa com verdadeira compreensão da responsabilidade que lhe competia. Criatura simples e de coração voltado para o dever, recebia as páginas dos mensageiros espirituais com a infantilidade do menino de boa índole que recebe um recado para transmitir, obediente e humilde.

2 Vestia-se probremente e, nos pés, não exibia outro calçado que não fossem tamancos rústicos. Recebendo-lhe, contudo, os trabalhos que psicografava, a maioria dos entendidos proclamava sem rebuços:

— É um ignorantão! Não conjuga cinco palavras com acerto. Puro jogral de espertalhões do mundo livresco, a serviço de fanáticos do Espiritismo.



3 Humilhado pelos repetidos insultos, Calixto mobilizou as próprias necessidades, de modo a diminuir os sarcasmos que, a propósito dele, se atiravam à Consoladora Doutrina de que se fizera pregoeiro.

4 Trajou-se com mais apuro e queimou as pestanas, estudando a gramática. Sabia agora conversar com relativa elegância e expor os princípios que os Espíritos Superiores lhe ditavam, com facilidade e clareza.



5 Todavia, logo se lhe percebeu a modificação, o parecer público enunciou, solene:

— Vejam só! É um homem genial. Produz em plano superior, através da própria inteligência. Quem revela, assim, tamanha cultura, escreverá com mais propriedade que os literatos mortos…

6 E os investigadores atilados concluíam, rematando:

— Embuste, pastiche e mais nada.

7 O rapaz, embora surpreendido, continuou a tarefa. Evitou a multidão e fugiu às manifestações de público. Não seria mais justo recolher as bênçãos, na intimidade dos irmãos? Confinou-se ao campo doméstico dos princípios redentores que abraçara. Contudo, ainda aí, a censura vigorou, sutil e contundente.



8 Se Calixto recebia mensagens, relacionando verdades duras, apontavam-no, sem piedade:

— É um mistificador, obsidiado pela mania de grandeza e virtude.

9 Claro que os emissários da Esfera Superior não menoscabam o poder da gentileza e ninguém por haver transposto as fronteiras da morte encontra alegria em acusar os semelhantes, mas se um amigo espiritual temperava os conceitos em sal de estímulo, buscando o soerguimento dos companheiros encarnados, indicavam-no, com acrimoniosa atitude:

— É um bajulador infeliz que se demora, sob a influência de perversos doadores de lisonja.



10 Sob perplexidades consecutivas, o médium satisfazia as exigências do ministério, no entanto, era preciso interromper-se a cada passo para destrinçar enigmas pequeninos.

11 Se os viajores do Reino da Morte vinham falar da majestade do Céu, o intermediário era apontado por instigador da fantasia; se comentavam problemas da Terra, era definido à conta de cretino.

12 Jornalistas e escritores “mortos” utilizavam-lhe as faculdades a se fazerem sentir claramente, entretanto, as respectivas famílias, receiando-lhes a intromissão, ameaçavam o medianeiro, através de processos espetaculosos e humilhantes. 13 Citado nos órgãos judiciários por miserável impostor, Calixto recolhia-se em prece, suplicando aos missionários invisíveis providências contra a perturbação estabelecida, mas enquanto os Espíritos Benevolentes adotavam pseudônimo, a fim de lançarem ideias renovadoras, com a facilidade possível, os companheiros de fé observavam-lhe, risonhos e irônicos:

— Onde iremos? Os “mortos” também usam máscara?



14 O confundido trabalhador era objeto de geral exame, dia e noite. O zelo com que atendia ao serviço pela própria manutenção era interpretado por excessiva defesa da vida material, mas se era encontrado fora da atividade comum por algumas horas, era categorizado por garimpeiro de vantagens especiais.

15 Tentava isolar-se por desincumbir-se das obrigações com mais segurança e eficiência, no entanto, era apontado, de imediato, por orgulhoso e frio, ante os sofrimentos alheios. Calixto passava, então, a comunicar-se com todos, entretanto, suas palavras convertiam-se em objeto de exploração aviltante e escandalosa.



16 Discutido, atormentado, fustigado e seguido pela crítica incessante, através de todas as maneiras pelas quais procurava solucionar os compromissos a que se devotara, chegou o dia em que se deitou desanimado, à maneira do burro que arreia sob a carga pesada.

17 Não seria razoável parar? Como seguir adiante?

Foi então que lobrigou, de olhos nublados de lágrimas, a presença de um mensageiro divino.

Endereçou-lhe sentida súplica, mas notou assombrado que o emissário se mantinha sorridente ao ouvi-lo.

18 Finda a rogativa, entrecortada de soluços, o anunciador das Boas Novas Celestiais falou-lhe, bem-humorado:

— Calixto, levante-se e não se aflija! Banhe-se uma vez por dia, tome refeições regulares e faça o que puder. O Senhor não exige o impossível. 19 Habitue-se a auxiliar por amor ao bem, contando com a incompreensão natural do mundo. 20 A calúnia não piora ninguém, tanto quanto a bajulação não nos aperfeiçoa qualidade alguma. 21 Quanto ao mais, meu amigo — e, nesse ponto, o mensageiro riu-se francamente — se Jesus retirou-se do mundo pelas portas sangrentas do sacrifício na cruz, será mesmo que você pretende ausentar-se da Terra nas fofas almofadas dum automóvel?

  22 Com a interrogação, interrompeu-se a singular entrevista e Calixto, copiando os movimentos de uma muar resignado, ergueu-se de novo, e retomou o passo para o que desse e viesse. n


Irmão X

(Humberto de Campos)



[1] [A história de Calixto lembra bem a do médium Xavier.]


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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