O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Falando à Terra — Autores diversos


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Apreciações

Robert Southey n


1 À distância do Brasil, em outro tempo, vazia não era a nossa admiração pelo gigante da América, que se ergueu, há quatro séculos, sob o signo do Cruzeiro, para desempenhar expressiva missão no concerto dos povos civilizados.

2 Partilhando-lhe a obra de fundação com os expatriados da antiga Corte Portuguesa, n embora me recolhesse ao mundo britânico, pelas bênçãos da reencarnação, no século XVIII, não me foi possível sufocar, de todo, as inclinações que me arrastavam para a terra admirável de Santa Cruz, então perdida para a minha visão espiritual no maciço das grandes florestas.

3 Não obstante o amargurado carreiro por que transitei através de incidentes e acidentes dolorosos, o mistério verde da mata permanecia vivo em meu coração, e o contacto com a literatura da Inglaterra e do continente europeu nunca me subtraiu as imprecisas reminiscências.

4 É por isso que, hoje, valendo-me do “hall” que o Espiritismo me oferece para visitar, ao de leve, a alma brasileira, regozijo-me assinalando a vida nova que se edifica na paisagem soberba e farta, cujo quadro inexprimível faz o êxtase de todos os artistas da sensibilidade e da inteligência, desde Pero Vaz de Caminha, o prestimoso correspondente de Dom Manuel.

5 Rejubilo-me, observando que o Brasil não fugiu à vocação de fraternidade que lhe marcou os vacilantes passos do início.

6 Por muito que esbravejem na crítica moderna os pessimistas intransigentes, que em tudo veem a falência espiritual de que se sentem possuídos, somos, aqui, lavradores otimistas e felizes, confiados no esplêndido porvir da jovem e vigorosa nação, depósito de firmes esperanças de milhões de Espíritos, empenhados na regeneração humana.

7 Sempre existirá quem lobrigue inconsciência onde há juventude, aventura onde há necessidade, falta de segurança onde apenas sobra inexperiência.

8 Efetivamente, quem poderia contar com harmonia num campo de plantação incipiente? A sementeira não desvenda a beleza da colheita.

9 O arado impõe o suor da preocupação e a inquietude da incerteza. O celeiro traça o sorriso da paz e do reconforto. E a hora atual do Brasil ainda é de preparação intensiva, de ação experimental e de esforço edificante.

10 Os nefelibatas do idealismo sem obras se referem às realizações monumentais dos povos avançados, estabelecendo descaridoso confronto entre a comunidade brasileira, ainda em processo de ajustamento, e aqueles países de hegemonia política, olvidando o senso das proporções.

11 Não advogaríamos a causa do Brasil, que não necessita de nós para fazer-se valer na civilização contemporânea, nem desrespeitaríamos as grandes nações que orientam a vida moderna; entretanto, seria lícito indagar se conviria o progresso material sem alicerces morais suficientemente consolidados.

12 De que nos valem o poder aquisitivo, a técnica das indústrias, a produção em massa, a universidade ativa e a riqueza rural, se não possuímos diques capazes de barrar as paixões individuais e as raciais, que ateiam o ruinoso fogo da guerra?

13 De que serve construirmos soberbos templos, levantados à fé e à arte, para depois serem incendiados pelo nosso próprio vandalismo?

14 Será razoável sensibilizar a alma coletiva com o espargimento de ideias salvacionistas, inclusive as de bondade fraterna e as de boa vizinhança, bombardeando, em seguida, hospitais e lares abertos?

15 Será compreensível a exaltação de princípios superiores, quais os da dignidade pessoal e da liberdade humana, gastando-se três quartas partes do dinheiro público em petrechos bélicos, a par de quase total esquecimento da educação popular?

16 Não louvaríamos os que edificam a escola, armando os alunos para a derruírem depois.

17 A vida não é trepidação de nervos, a corrida armamentista ou a tortura de contínua defesa. É expansão da alma e crescimento do homem interior, que se não coadunam com a arte de matar.

18 Sobre este mundo, em que a inteligência perquire as forças mais íntimas da Natureza, mas somente para conservar o poderio e o domínio destrutivos, um novo mundo surgirá.

19 Não consideramos riqueza a posse de vastos potenciais econômicos, sem respeito pelos fundamentos morais, e nem julgamos dignos de apreço os palácios que se levantam em nome da cultura para a exaltação da força contra o direito, da prepotência contra a justiça e da raça contra a Humanidade.

20 A palavra do Cristo vagueia no mundo sem encontrar ouvidos que a recolham. As igrejas, que a distribuem, até certo ponto se assemelham a conservatórios de música preciosa sem artistas que a interpretem.

21 O romano arrogante e dominador, o grego inteligente e espirituoso, o fenício comerciante e astuto, e o judeu obstinado e rebelde ainda se fazem sentir, sob indumentária nova, em todas as latitudes da Terra, com o mesmo viço espiritual de há vinte séculos. 22 Em contraste com a sublimidade do Evangelho, temos a impressão de que a consciência humana ainda não se desamarrou das fraldas infantis. Excetuadas algumas organizações individuais, tocadas de santificante heroísmo, em todas as nações o conteúdo de animalidade na massa anônima revela que a civilização ainda próxima se encontra da caverna dos primatas e que o barco da vida, por enquanto, veleja muito longe do porto em que lhe cabe atracar.

23 Sob o ponto de vista moral, o homem comum, em muitos aspectos, ainda lembra o chimpanzé, agora com a inteligência, desenvolta.

24 De alguns milênios para cá, a mente humana tem demonstrado diminutas alterações para melhor.

A crueldade e o vício tornam, quase que invariáveis, à arena da luta planetária, exibindo novas formas.

25 Povos aparecem e desaparecem, sob as leis da morte e da reencarnação, a geografia política sofre modificações em todas as épocas, mas o espírito é o mesmo.

26 Equiparam-se à miserabilidade o trono do poder sem a majestade espiritual, a glória sem educação ou a liberdade sem deveres.

27 Em razão disso, o cultivo da fraternidade na terra brasileira, onde representantes de quase todos os povos se entrelaçam para a obra do entendimento mundial, é, indubitavelmente, uma nova esperança para a vida na Terra.

28 Sob a luz do Cruzeiro, o pensamento do Cristo adquire nova feição. Libertado da velha clausura dos templos de pedra, caminha ao encontro de toda a gente, em obras de iluminação e de assistência do mais alto mérito.

29 Em nenhum outro país do Globo a prática do Evangelho adquiriu tão intenso movimento e tal progresso.

30 Achamos que o serviço de aplicação do Cristianismo não é tarefa que se confira aos governos.

31 Com raras exceções, a casa de saúde e o asilo mantidos pelos orçamentos oficiais são institutos irrepreensíveis, sem dúvida, mas, na maioria das vezes, guardam simplesmente o rigor e a impassibilidade das próprias leis que os geram.

32 As casas abertas à fraternidade, somente quando dirigidas pelo coração, é que se revestem de valores mais altos.

33 É possível promulgar decretos respeitáveis, determinando os mais completos serviços de solidariedade; todavia, a execução deles se resume na monumentalização de programas estabelecidos, em obras de pedra, com o séquito dos servidores pagos, rigidamente enquadrados às disciplinas estatutárias, mas, muitas vezes, sem o sentimento espontâneo do bem, que é a alma do serviço.

Daí a falência das portarias e ordens administrativas nas tarefas que dizem respeito à iluminação do homem.

34 O ministério cristão não começou entre as autoridades administrativas, mas sim no seio do povo, por intermédio de alguns homens e mulheres de vida simples, indicando-nos a comunhão fraterna por única via de aplicação dos princípios regeneradores, descidos do Céu.

35 O Brasil entendeu a sugestão divina e, em pleno século das grandes guerras, violentas e ferozes, vemo-lo agasalhando a Boa Nova renascente, sob o manto luminoso do Espiritualismo, da solidariedade e da paz, erguendo templos e educandários, creches e sanatórios, abrigos e hospitais, com alicerces no sentimento puro de seus filhos, descerrando a era nova em que os homens se amarão realmente uns aos outros.

36 No apostolado da hora primeira, não vemos Jesus disputando a governança terrestre para transformar o mundo. Não se empenha Ele em acordos políticos com o Império Romano, nem requisita lugar no Sinédrio. Toma a seu cuidado alguns corações humildes e de boa vontade, plasmando neles a fundação do Reino Divino.

37 Principia a obra redentora, de indivíduo para indivíduo, de alma para alma, de coração para coração.

Jesus chama Pedro e André e, em seguida, busca Tiago e João.

Do Mestre aos discípulos e dos aprendizes aos seguidores, há ligações conscienciais.

38 Entre as atribulações do mundo moderno, possuímos, de novo, nas linhas da evolução brasileira, o ministério salvacionista.

39 Levanta-se o homem, voluntariamente, para abraçar o companheiro ignorante ou fraco e acolhê-lo.

40 Indiscutivelmente, achamo-nos ainda muito longe da vitória final; até lá, milhões sofrerão o cerco das sombras e das lágrimas; contudo, diante da nova Pátria, verdejante e farta, que o Brasil oferece à fraternidade mundial, no elevado entendimento da missão que lhe cumpre, nossas esperanças se elevam, em cânticos de louvor, ao Céu, com a certeza de que a Terra porvindoura será o lar abençoado de uma Humanidade mais feliz.



[1] O mensageiro espiritual se refere à reencarnação dele mesmo, no Brasil colonial do século XVI.


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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