O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Entre a Terra e o Céu — André Luiz


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Preparando a volta

(Sumário)

1. Quatro semanas correram céleres, quando fomos realmente procurados por Odila, no Templo do Socorro, para um entendimento particular.

2 Clarêncio, Hilário e eu recebemo-la quase sem surpresa.

Vinha algo triste e preocupada.

Com respeitosa delicadeza, contou-nos a experiência inquietante que atravessava.

3 Júlio prosseguia apresentando na fenda glótica a mesma ferida. Instalara-se com ele em aposentos adequados na Escola das Mães e ao filhinho dispensava todo o cuidado suscetível de reerguer-lhe as energias, entretanto, a luta continuava… Recursos medicamentosos e passes magnéticos não faltavam, contudo, não surtiam efeito.

4 Daria tudo para vê-lo forte e feliz.

Esperava a descoberta de algum milagre, capaz de atender-lhe o anseio de mãe, no entanto, visitara em companhia de Blandina outros setores de assistência à infância torturada; vira inúmeras crianças infelizes, portadoras de problemas talvez mais dolorosos que aqueles do filhinho bem-amado.

5 Apavorara-se.

Jamais supusera a existência de tantas enfermidades depois da morte.

6 Tentara obter os bons ofícios de vários amigos, para esclarecer-se convenientemente, e todos, à uma, repetiam sempre que os compromissos morais adquiridos conscientemente na carne somente na carne deveriam ser resolvidos, e que, por isso mesmo, a reencarnação para Júlio era o único caminho a seguir.

O corpo físico funcionaria como abafador da moléstia da alma, sanando-a, pouco a pouco…

7 Que fizera o menino no pretérito para receber semelhante punição?

A pobre senhora enxugava as lágrimas que lhe caíam espontâneas.

8 Clarêncio, profundo conhecedor do sofrimento humano, falou como sacerdote:

— Odila, o passado agora não é o remédio próprio. Atendamos à hora que passa. Temos Júlio extremamente necessitado à nossa frente e o alívio dele é o nosso objetivo mais imediato.

9 A mãezinha resignada concordou num gesto silencioso.

— Também creio, — prosseguiu o nosso instrutor, imperturbável, — que a reencarnação do pequeno é urgente medida se desejamos observá-lo no caminho da própria recuperação.

10 — Irmã Clara recomendou-me viesse rogar-lhe o concurso. Ajude-me, abnegado amigo!…

— Somos todos irmãos, — ajuntou Clarêncio generoso, — e achamo-nos uns à frente dos outros para a prestação do serviço mútuo. 11 Nosso Júlio não é uma criatura comum e, por esse motivo, não seria justo renascer no mundo a esmo, como planta inculta germinando à toa, no mato da vida inferior. Assim sendo, analisemos o quadro de tuas relações afetivas…


2. Depois de ligeira pausa, acrescentou:

— Tens grande plantio de amizades puras na Terra? Em questões de auxílio, não podemos perder os nossos sentimentos de vista. 2 Tanto para entrar no reino do Espírito, como para entrar no reino da carne, em melhores condições, não podemos prescindir da cooperação de amigos sinceros que nos conheçam e nos amem..

3 — Ah! Sim, compreendo… — Exclamou a interlocutora com algum desapontamento. — Sempre ocupada com a nossa casa e com a nossa família, nunca pude efetivamente cultivar tantas afeições, como seria de desejar. Amaro, porém…

4 — Perfeitamente, — atalhou o Ministro, completando-lhe a frase, — estou certo de que Amaro continuará sendo para o menino um admirável companheiro, entretanto, não podemos dispensar no cometimento o concurso de Zulmira. Precisamos dela no trabalho maternal. Para isso, é imprescindível te faças mais devotada, mais amiga… Um esforço pede outro. Sem o lubrificante da cooperação, a máquina da vida não funciona.

5 Os olhos de Odila faiscaram de esperança.

— Tudo farei por ajudá-la, auxiliando a mim mesma, — disse, comovida, — entendo mesmo nesse imperativo de fraternidade a doce determinação do Senhor, constrangendo-me a operosa boa vontade para com ela. 6 Realmente, — acentuou, sorrindo, — reparo quão sublime é a Infinita Bondade do Céu. A princípio lutei contra Zulmira, desejando ser amada de meu esposo, agora devo lutar em favor de nossa irmã por amar o meu filho. 7 Muito erramos, disputando o amor dos outros, entretanto, corrigimo-nos e acertamos o passo, quando procuramos amar…

— Sem dúvida, as tuas conclusões são luminoso ensinamento, — concordou o Ministro, bem humorado; — em tudo vemos a Eterna Sabedoria.

8 — Devo buscar alguma regra específica?

— Creio, — ponderou o nosso orientador que as tuas visitas afetuosas ao antigo lar, consolidando-lhe a harmonia, são a providência básica para que Júlio encontre um clima de confiança. 9 Admito que o nosso pequeno reclama especiais atenções, considerando-se-lhe a posição de enfermo, para quem a reencarnação apresenta obstáculos justos.

10 O entendimento alongou-se por mais tempo, entre os conselhos paternais do Ministro e a sincera humildade da visitante.

Quando Odila se despediu, desfechamos sobre o instrutor algumas perguntas que nos fustigavam a cabeça.

11 A reencarnação como lei exigia o concurso da amizade para cumprir-se? Os desafetos da vida influíam em nosso futuro? O trabalho reencarnatório não seria uma imposição natural?

12 Clarêncio ouviu, atencioso, as indagações e respondeu, satisfeito:

— A lei é sempre a lei. Cabe-nos tão somente respeitá-la e cumpri-la. Nossa atitude, porém, pode favorecer-lhe ou contrariar-lhe o curso, em favor ou em prejuízo de nós mesmos. 13 O renascimento na carne funciona em condições idênticas para todos, contudo, à medida que se nos desenvolvem o conhecimento e o amor, conseguimos colaborar em todos os serviços do aperfeiçoamento moral em nossas recapitulações. 14 A alma, como a planta, pode ressurgir em qualquer trato de solo, mas não seria justo relegar sementes selecionadas a terrenos incultos. 15 A reencarnação, por si, tanto quanto ocorre nos reinos inferiores à evolução humana, obedece a princípios embriogênicos automáticos, com bases na sintonia magnética; contudo, em se tratando de criaturas com alguns passos à frente da multidão comum, é possível ajustar providências que favoreçam a execução da tarefa a cumprir. Nesses casos, a plantação de simpatia é fator decisivo na obtenção dos recursos de que necessitamos… 16 Quem cultiva a amizade somente na família consanguínea, dificilmente encontra meios para desempenhar certas missões fora dela. Quanto mais extenso o nosso raio de trabalho e de amor, mais ampla se faz a colaboração alheia em nosso benefício.


3. — E quando, desprevenidos, deixamos que a antipatia cresça em derredor de nós? — Inquiriu Hilário, com interesse.

— Toda antipatia conservada é perda de tempo, em muitas ocasiões acrescida de lamentáveis compromissos. O espinheiro da aversão exige longos trabalhos de reajuste. Em várias circunstâncias, para curar as chagas de um desafeto, gastamos muitos anos, perdendo o contato com admiráveis companheiros de nossa jornada espiritual para a Grande Luz.


4. A palavra de Clarêncio impunha-nos graves reflexões e talvez por isso a quietação baixou sobre nós.

2 Soubemos, mais tarde, que a genitora de Evelina passou a dispensar envolvente carinho ao ferroviário e à companheira doente, que, à custa de muito esforço dela, restabeleceu afinal a saúde orgânica.

3 Preparando o retorno do filhinho, Odila associou-se, de coração, à tarefa de restaurar-lhes a harmonia conjugal e o contentamento de viver.

4 Foi assim que, transcorridas algumas semanas, recebemos um convite da Irmã Clara para uma visita ao Lar da Bênção.

5 Em noite próxima, Odila conduziria a segunda esposa de Amaro ao encontro de Júlio, como derradeira preliminar do trabalho reencarnatório.

6 No momento aprazado, achávamo-nos a postos.

Blandina, Mariana, Clarêncio, Hilário e eu, palestrando animadamente em aposentos reservados na Escola das Mães, cercávamos o alvo berço em que o doentinho gemia de quando em quando.

7 Assistida por irmã Clara, Odila demandara o antigo ninho doméstico, no propósito de acompanhar Zulmira até nós.

Decorrido algum tempo de expectação, as três chegaram, envolvidas em luminosa onda de paz.

8 Enlaçada pelos braços das duas protetoras, a ex-obsidiada parecia feliz, não obstante a impressão de medo e insegurança que lhe transparecia do olhar.

9 Respondeu-nos as saudações com a estranheza de quase todos os encarnados que alcançam as Esferas superiores da vida espiritual, antes da morte física, e, logo após, sustentada pelas companheiras, aproximou-se do pequeno enfermo, identificando-o, espantada.

— Será Júlio, meu Deus?

10 — É verdadeiramente Júlio! — Confirmou Odila, fraternal, — para ele te rogamos socorro! Nosso pequeno precisa renascer, Zulmira! Poderás auxiliá-lo, oferecendo-lhe o regaço de mãe?

Vimos a interpelada em lágrimas de alegria.

11 Inclinou-se sobre o menino, afagando-o com intraduzível ternura, e falou em voz quase sufocada pela comoção:

— Estou pronta! Devo a Júlio cuidados que lhe neguei… Louvo reconhecidamente a Deus por esta graça! Sinto que assim nunca mais serei assaltada pelo remorso de não haver feito por ele quanto me competia!… Será meu filho, sim!… Conchegá-lo-ei de encontro ao peito! Ó Senhor, ampara-me!…

12 Abraçou o menino enfermo e afigurou-se-nos, desde então, incapaz de qualquer sintonia conosco. Talvez religada, de súbito, a inquietantes recordações da fixação mental que atravessara, pareceu-nos cega e surda, sob o império de inesperada introversão.

13 O Ministro, atendendo ao apelo de Clara, abeirou-se dela e amparou-a, recomendando:

— Convém seja nossa irmã restituída ao lar terrestre. O choque repetido será prejuízo grave. Amanhã, reconduziremos nosso pequeno ao santuário doméstico de onde veio, confiando-o, enfim, à tarefa do recomeço.

14 A sugestão foi obedecida.

E enquanto Zulmira voltava ao templo familiar, arquivávamos nossa expectação, à espera do dia seguinte.


André Luiz


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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