O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Entre a Terra e o Céu — André Luiz


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Novos apontamentos

(Sumário)

1. Hilário, aderindo à renovação da palestra, indagou da irmã Blandina se ela era a dirigente do parque em que nos achávamos, ao que ela informou, com humildade:

2 — Não me atribua tamanho crédito. Tenho tarefas variadas aqui e alhures, entretanto, sou mera servidora. O nosso educandário guarda mais de duas mil crianças, mas, sob a minha guarda, permanecem apenas doze. 3 Somos um grande conjunto de lares, nos quais muitas almas femininas se reajustam para a venerável missão da maternidade e conosco multidões de meninos encontram abrigo para o desenvolvimento que lhes é necessário, salientando-se que quase todos se destinam ao retorno à Terra para a reintegração no aprendizado que lhes compete.

4 — E a direção central? — Inquiriu meu colega, esmiuçador.

— Não reside aqui. O parque é uma das várias dependências de vasto estabelecimento de assistência e educação, do qual somos hoje tutelados. No fundo, nossa casa é uma larga escola, dotada com todos os recursos indispensáveis ao nosso aproveitamento. Os melhores processos de habilitação espiritual funcionam conosco, em benefício dos que vão renascer na carne e dos que se dirigirão, mais tarde, às Esferas Superiores.


2. — Mas possuem aqui até mesmo os cursos primários de alfabetização?

2 — Como não? — Falou nossa jovem amiga. — Precisamos movimentar todas as medidas de despertamento espiritual ao nosso alcance. A cultura intelectual pode não ser condição básica de nossa felicidade, no entanto, é imperativo de engrandecimento de nossa alma. Quem não sabe ler, não sabe ver como deve.

3 E, sorrindo, acrescentou:

— A evolução, a competência, o aprimoramento e a sublimação resultam do trabalho incessante. Quanto mais se nos avulta o conhecimento, mais nos sentimos distanciados do repouso. A inércia opera a coagulação de nossas forças mentais nos Planos mais baixos da vida. O serviço é a nossa bênção.


3. Nesse instante, com referências tão sublimes ao trabalho, voltamo-nos instintivamente para a devotada Mariana, que se mantinha silenciosa, ao nosso lado.

Estaria ela ligada aos compromissos de proteção à infância?

2 À pergunta que Hilário desfechou, com delicadeza fraternal, respondeu polidamente:

— Quanto a mim, coopero com minha neta nos serviços que lhe foram conferidos aqui, entretanto, a minha tarefa pessoal mais importante se verifica num templo católico, a que me vinculei profundamente, quando de minha última reencarnação.

3 Aquela afirmativa excitava-nos a curiosidade. A alusão a um “templo católico” denunciava filiação sectária.

Mariana, efetivamente, emudecera, enquanto Blandina se confiava a precioso extravasamento de suas elevadas emoções. Estariam, ali, espiritualmente divorciadas uma da outra?

4 A venerável irmã, que mostrava o halo de simpatia das mulheres admiráveis quando alcançam a madureza, sorriu, benevolente, e acentuou:

— Não estranhem. Partilho com Blandina o estudo das leis divinas para renovar-me em espírito, com vistas ao grande futuro, mas o amor que ainda trago por velhos companheiros de luta humana constrange-me a larga demora, em serviço de cooperação, na antiga casa de fé religiosa a que me afeiçoei.

5 — Aliás, — ponderou o Ministro, sensato, — o auxílio divino é como o Sol, irradiando-se para todos. As instituições e as almas que se voltam para o Pai Celestial recebem o suprimento de recursos de que necessitam, segundo as possibilidades de recepção que demonstrem.

6 Interessado, porém, nos apontamentos que surgiam, cada vez mais valiosos, Hilário indagou:

— Em que base se formará o processo de auxílio nas igrejas? Com o impedimento de nossa comunicação direta, como será possível cooperar em favor dos nossos irmãos católicos romanos?

7 — Muito simplesmente, — esclareceu Mariana, prestimosa, — o culto da oração é o meio mais seguro para a nossa influência. A mente que se coloca em prece estabelece um fio de intercâmbio natural conosco…

8 — Mas não de maneira ostensiva, — alegou o nosso companheiro, estudioso.

— Pelo pensamento, — explicou a interlocutora, respeitável. — A intuição beneficia em toda parte, e, quanto mais alto é o teor de qualidades nobres na criatura, mais ampla é a zona lúcida de que se serve para registar o socorro espiritual. 9 O culto público, indiscutivelmente, qual vem sendo levado a efeito, nos tempos modernos, não favorece o contato das forças superiores com a mente popular. Os interesses rasteiros, conduzidos à igreja, constituem sólido entrave contra o auxílio celeste. 10 E a preocupação de riqueza e pompa, quase sempre mantida pelo sacerdócio nos ofícios, inutiliza por vezes os nossos melhores esforços, porque, enquanto a atenção da alma se prende a exterioridades, as forças contrárias ao bem e à luz encontram facilidades positivas para a cultura do fanatismo e da discórdia. Ainda assim, superando tais obstáculos, é sempre possível algo fazer em benefício do próximo.


4. — Durante a missa, por exemplo, — prosseguiu Hilário, observador, — é viável o seu trabalho de cooperação?

2 Mariana fixou uma expressão facial de bom humor e aduziu:

— Somos grandes falanges de aprendizes da fraternidade, em ação. Por mais desagradáveis se nos mostrem os quadros de luta, a nossa obrigação é servir.

3 Finda ligeira pausa, continuou:

— Quando a missa obedece a pura convenção social, funcionando como exibição de vaidade ou poder, a nossa colaboração resulta invariavelmente nula.

4 E, sorrindo:

— Que teríamos a fazer num ato bajulatório, em que os devotos da fortuna material ou da perversidade incensam a desregrada conduta de pessoas inescrupulosas? Há missas solenes de consagração a políticos astuciosos e a magnatas do ouro que, em verdade, são reais sacrilégios, em nome do Cristo. 5 Por outro lado, há missas de almas que constituem escárnio à dor dos que foram recolhidos pela morte, quais as que são mandadas celebrar por parentes ambiciosos que, por vezes, até mesmo se alegram com a ausência do morto, ávidos que se mostram de lhes pilharem os despojos, na corrida a testamentos e cartórios. 6 Essas missas fortemente adubadas a dinheiro estão para eles tão frias, como os túmulos em que se lhes asilou a carne desfigurada. 7 Mas, se o ato religioso é simples, partilhado por mentes e corações sinceros, inclinados à caridade evangélica e centralizados na luz da oração, com os melhores sentimentos que possuem, o culto se reveste de grande valor, pelas vibrações de paz e carinho que arremessa na direção daquele a quem é endereçado. 8 Frequentemente, as missas humildes, realizadas aos primeiros cânticos da manhã, são as mais favoráveis ao nosso concurso. Podemos, com mais segurança, articular as possibilidades ao nosso alcance e ambientá-las a benefício daqueles que esperam de nós o amparo necessário.


5. Hilário pensou alguns instantes, valendo-se do intervalo que surgira na conversação e obtemperou:

2 — Possuímos nas igrejas a questão do patrocínio. Imaginemos que determinado templo foi erguido à memória de Gerardo Majela. Isso expressa uma obrigação para o grande místico europeu?

— Certamente não se trata de uma obrigação escravizante, mas de um serviço que lhe honra o nome e que merecerá dele certo reconhecimento mesclado de responsabilidade. 3 Devemos reconhecer, contudo, que o trabalho do bem, qualquer que ele seja, permanece ligado a Jesus. No entanto, se algum servo do Senhor está ligado a obra por fazer, tanto quanto lhe seja possível desdobrar-se-á para enriquecê-la de bênçãos.

4 — Mas… e na hipótese de algum santuário surgir, dedicado a suposto herói da virtude? Figuremos alguém da Terra sendo conduzido ao altar por imposição da autoridade humana, sem mérito bastante, à frente do Senhor… Os crentes encarnados atribuir-lhe-iam poder de que não conseguiria dispor… Em que situação estaria o templo que lhe fosse consagrado?

5 Mariana registou a pergunta, cortesmente, e explicou:

— Numa contingência dessas, mensageiros de Jesus responsabilizar-se-iam pela instituição, distribuindo aí os benefícios adequados aos merecimentos e necessidades de cada um.


6. — E o tipo de assistência? É de renovação espiritual ou de mero socorro aos crentes encarnados?

2 — Ah! — Comentou Mariana, sincera, — o trabalho é complexo e divide-se em múltiplos setores. Não está limitado à Esfera da experiência física. 3 Inumeráveis são as almas que, desligadas do corpo, recorrem aos altares, implorando esclarecimento… Outras, depois da morte, confiam-se a desequilibradas emoções, invocando a proteção dos Espíritos santificados… 4 É preciso corrigir aqui e ajudar além… Agora, devemos injetar um pensamento reconstrutivo nessa ou naquela mente extraviada, depois, é imprescindível harmonizar circunstâncias, em favor desse ou daquele necessitado… 5 A maioria das pessoas aceita a religião, mas não se preocupa em praticá-la. Daí nasce o terrível aumento das aflições e dos enigmas.

A lógica de Mariana encantava-nos.


7. Hilário, porém, prosseguiu indagando, perscrutador.

2 — Mas, apesar de consciente da verdade que a separação do veículo físico nos impõe, acredita a irmã que a organização católica é suficiente para conduzir o mundo moderno?

3 Ela sorriu com tristeza e redarguiu:

— Meu amigo, entre cooperar e aprovar, há sensível diferença. A sociedade ajuda a criança sem infantilizar-se. 4 As igrejas nascidas do Cristianismo caminham para grande renovação. O progresso assim exige. As ideias de Céu e inferno e os excessos de natureza política, na hierarquia eclesiástica, estabeleceram grandes perturbações para a alma popular. 5 Entretanto, cabe-nos considerar as religiões que envelhecem como frutos fortemente amadurecidos. A polpa alterada pelo tempo deve ser colocada à margem, contudo, as sementes são indispensáveis à produção do futuro. 6 Auxiliemos as igrejas antigas, em vez de acusá-las. Todos somos filhos do Pai Celestial e onde houver o mínimo gérmen de Cristianismo aí surgirão recursos de recuperação do homem e da coletividade para o Cristo, Nosso Senhor.

7 A conversação era fascinante e as perguntas pareciam brilhar ainda, nos olhos de Hilário, maravilhado tanto quanto nós, ante as elucidações que recebia, mas a hora esgotara-se.

Um sinal de Clarêncio fez-nos sentir que havíamos alcançado o momento da volta.


André Luiz


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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