O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Crônicas de Além-Túmulo — Humberto de Campos


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A paz e a verdade

1 Os grandes Espíritos, que sob a tutela amorosa de Jesus dirigem os destinos da Humanidade, reuniram-se há pouco tempo, nos Planos da Erraticidade, para discutirem o método de se estabelecer o Gênio da Paz na face da Terra.

A essa assembleia de sábios das coisas espirituais e divinas, compareceram anciãos da sociedade de Marte, estudiosos de Saturno, cientistas e apóstolos de Júpiter e outros representantes da vida do nosso sistema solar.

2 Estudaram, reunidos, todos os séculos passados, esmerilhando a Antiguidade egípcia, as eras clássicas, o império romano, o advento do Cristianismo, os tempos apostólicos, a Idade Média, a Revolução Francesa, o progresso científico e filosófico do século XIX e a última experiência dolorosa das criaturas humanas, em 1914, concluindo que, depois de tantas lições sábias e justas, a humanidade terrestre estaria preparada para receber em seu seio o Gênio da Paz, edificando-lhe um templo no coração atormentado e sofredor. 3 E os mentores dos destinos humanos deliberaram aceitar unanimemente essa hipótese, marcando, porém, um dia para nova reunião coletiva, a fim de ouvirem o Mensageiro da Paz, que partiria com a tarefa de investigar todos os elementos ao seu alcance, para a consecução desse grandioso projeto.

4 E o mensageiro partiu.

Deixava os seus penates celestes cheios de harmonias e de carícias maravilhosas. O sistema solar era todo uma lira de luz, desferindo um cântico de glorificação a Deus no infinito dos espaços: Saturno com as suas luas e com os seus anéis rutilantes, Marte com os seus satélites graciosos, Vênus com a sua vida primária, enchendo o céu de perfume, e as estradas aéreas formadas no éter delicioso, alcatifadas de estrelas e flores evanescentes.

5 Após atravessar essa região de belezas indefiníveis e depois de penetrar as camadas de ozone que revestem as massas atmosféricas do orbe terrestre, colocando as criaturas vivas a salvo dos raios desconhecidos e mortíferos do espectro solar, o Mensageiro sentiu-se oprimido sob uma atmosfera de fumo sufocante, e, em breve, estudava a situação de todos os países para colher notícias necessárias aos seus superiores, dos Planos Espirituais.

No dia aprazado, comparecia, torturado e abatido, à presença dos seus maiores.

6 Os anciãos veneráveis, que haviam deliberado sua vinda ao planeta terreno, esperavam-no com expectativas promissoras. Mas, o nobre expedicionário começou a expor as suas opiniões sem otimismo e sem esperança:

— “Senhores, disse inicialmente, nossas previsões não se realizaram. A Terra toda, na atualidade, é um perigoso rastilho de pólvora. Todas as nações estão prontas para a guerra. A luta, ali, é um produto inevitável dos labores ideológicos das criaturas humanas. Procurei um lugar onde fosse possível estabelecer as minhas atividades, sem encontrar elementos para esse fim, em parte alguma. Debalde tentei sobrepor as minhas influências nos gabinetes públicos, nas doutrinas da coletividade, ou no santuário dos corações. 7 Os homens ainda não conseguem entender nossos alvitres e conselhos. Nenhum deles cuida da necessidade de paz, com sinceridade e desinteresse. Alguns falam em meu nome, para levantarem recompensas e honrarias nos torneios políticos, ou literários. Desgraçadamente, porém, não podem prescindir das necessidades negras da guerra!”

Verificou-se, na assembleia augusta e respeitável, um movimento penoso de assombro.

Ali se encontravam Espíritos diretores de povos, de raças, e de todos os ideais que nobilitam a Humanidade.

8 E os antigos gênios, inspiradores das raças eslavas e germânicas, solicitaram notícias dos seus subordinados, mas a entidade amiga respondeu com franqueza:

— “Os povos que se acham sob a vossa carinhosa tutela vivem a fase terrível do mais desenfreado armamentismo. A Alemanha já reocupou a Renânia,  †  readquirindo, igualmente, o território do Sarre  †  e preparando-se para reconquistar o seu império colonial. Antevendo as grandes guerras que se aproximam, os alemães estão aproveitando todas as suas capacidades inventivas na criação de novos elementos de destruição, nas indústrias bélicas.

9 Seus zepelins atravessam todos os continentes do mundo, a pretexto de turismo, estudando a situação topográfica dos outros países, arquitetando um novo sonho de imperialismo internacional. Com a teoria do racismo, ela procura levantar o plano nefasto da sua hegemonia no Globo, criando toda a espécie de aparelhos para o domínio do mundo. A Rússia prepara-se, inventando novos engenhos para a indústria da guerra, arrancando o suor dos seus filhos para fomentar a sua ideologia política na face da Terra, incentivando revoltas e sacrificando corações. A Polônia gasta, na atualidade, um terço dos orçamentos com as forças armadas e todas as outras pequenas nacionalidades, que floresceram nas margens do Danúbio, não escondem a sua posição na corrida armamentista destes últimos tempos, fortificando-se para as lutas do porvir…”

10 E vieram os gênios inspiradores das raças latinas, obtendo a mesma resposta:

— “A França e a Itália, prosseguiu o embaixador solícito, que foram sempre as nações diretoras do pensamento da latinidade, estão entregues a todos os desregramentos das indústrias da guerra. A primeira, dominada pelas obrigações de ordem política, coloca-se numa posição perigosa em face dos países que eram seus antigos aliados; a segunda, acaba de realizar a campanha condenável de conquista do território abissínio, com os mais abjetos espetáculos da força. As aviações francesa e italiana, seus vasos de guerra, seus milhares de homens da infantaria motorizada, causam dolorosa surpresa aos raros espíritos pacifistas do mundo. A Espanha afoga-se numa onda incendiária de sangue, e todas as outras nações europeias, inclusive a Inglaterra, que despedaça no momento todas as lanças ao seu dispor, para a conservação do seu império colonial, se preparam para a carnificina do futuro. Não se pode esperar nenhum esforço em favor da paz, por parte das raças latinas.”

11 E vieram, em seguida, os seres tutelares dos povos da Mongólia, recebendo idêntica resposta:

— “A China está cheia de fogo e de sangue… O Japão, repleto de associações secretas, de espionagem, para a realização dos projetos nipônicos na guerra futura. As ilhas orientais estão dominadas pelo imperialismo do século, fomentando-se dentro delas todas as lutas sociais, políticas e religiosas…”

12 E chegaram, depois, nesse inquérito, os gênios que presidem ao destino das livres Américas, obtendo sempre a mesma resposta:

— “Os vossos subordinados, exclamou o lúcido e bem informado Mensageiro, inconscientes dos tesouros econômicos que possuem, perdem-se num labirinto de lutas políticas de todos os matizes. As nações do Norte vivem idealizando todos os poderes destrutivos para serem utilizados na sua defensiva, esperando-se, ali, mais tarde, o perigo das forças amarelas. Atormentados pelos preconceitos, entregam-se, por vezes, a linchamentos e distúrbios sociais, incompatíveis com o seu alevantado progresso. Os americanos do Sul esquecem as suas possibilidades na solução do problema da concórdia humana, entregando-se, de vez em quando, aos excessos das paixões políticas, que os arrastam à sangria fratricida das guerras civis, cujo único objetivo é multiplicar o número dos infelizes e dos desafortunados do mundo…”

13 Depois de penosas discussões, vieram os grandes gênios inspiradores das ciências físicas e morais da humanidade terrestre; todavia, o Gênio da Paz continuou com a sua palavra inflexível e dolorosa:

— “Não se pode esperar um esforço sério das correntes religiosas da Terra, a favor da tranquilidade dos homens: com raras exceções, quase todas estão divididas em núcleos de combate recíproco, dentro de atividades e interesses anti-cristãos. Quanto às ciências físicas, todas as suas atenções estão voltadas para o extermínio e para a morte. Criaram-se na Terra os mais terríveis aparelhos de defesa antiaérea, que fazem explodir aviões e outras poderosas máquinas de guerra, gases mortíferos, torpedos do ar e do mar, salientando-se o torpedeiro moderno, que poderá carregar 2.800 toneladas e que destrói fatalmente o alvo objetivado e atingido; metralhadoras elétricas, cômodas e velozes, de tiros rápidos, graças ao sistema rotativo; canhões antiaéreos oferecendo capacidade para o tiro vertical de 15.000 metros… A Terra é um vasto pandemônio de armas, de maquinarias e munições… Percorri todas as cidades, todas as organizações e todos os lares, improficuamente!…”

14 A essa altura, quando a confusão de vozes se estabelecia no recinto iluminado, onde se reuniam as falanges espirituais do Infinito, o Gênio da Verdade, que era o supremo diretor desse conclave angélico dos Espaços, exclamou gravemente:

— “Calai-vos, meus irmãos!… Ninguém, na Terra, poderá colocar outro fundamento a não ser o de Jesus-Cristo. A evolução moral dos homens será paga com os mais penosos tributos de sangue das suas experiências. As criaturas humanas conhecerão a fome, a miséria, a nudez, a carnificina e o cansaço, para aprenderem no amor d’Aquele que é o Jardineiro Divino dos seus corações. Transformarão as suas cidades prestigiosas em ossuários apodrecidos, para saberem erguer os monumentos projetados no Evangelho do Divino Mestre. Chega de mensagens, de arautos e mensageiros… No fumo negro da guerra o homem terá a visão deslumbradora da luz maravilhosa dos Planos divinos!…”

15 E depois de uma pausa, cheia de comoção e de lágrimas no espírito de todos os presentes, a lúcida entidade sintetizou:

— “Nunca haverá paz no mundo, sem a Verdade!…”

E enquanto as aves celestes voejavam nas atmosferas radiosas e eterizadas do infinito e a luz embriagava todas as criaturas e todas as coisas, num turbilhão de claridade e de perfumes, ouviu-se uma voz indefinível, bradando na imensidade:

— “Ninguém, na Terra, pode lançar outro fundamento além daquele que foi posto por Jesus-Cristo!” ( † )

E, confundida numa luz imensa e maravilhosa, a grande assembleia da Paz foi dissolvida.


Humberto de Campos

(Irmão X)


2 de janeiro de 1937.


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