O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano V — Setembro de 1862.

(Idioma francês)

Carta do Sr. Dombre a um pregador.

(Sumário)

1. — Tendo pregado em Marmande  †  durante o mês de maio último, o dominicano Padre F…, em seu último sermão, resolveu atirar algumas pedras contra o Espiritismo. O Sr. Dombre desejaria uma discussão mais aprofundada sobre o assunto, e que o Padre F…, em vez de limitar-se a ataques banais, abordasse resolutamente certas questões de detalhes; mas, temendo que seu nome não tivesse bastante mérito para o decidir, escreveu-lhe a carta a seguir, sob o pseudônimo de Um católico:


2. — “Sr. Pregador,

“Acompanho com assiduidade vossas instruções dogmáticas de todas as noites. Por uma fatalidade deplorável, cheguei sexta-feira um pouco mais tarde que de costume e soube, ao sair da igreja, que havíeis iniciado, sob a forma de escaramuça, um ataque contra o Espiritismo. Alegro-me por isso, em nome dos católicos fervorosos.

“Se bem me informaram, eis as questões abordadas: 1º – O Espiritismo é uma religião nova, do século dezenove; 2º – Há, incontestavelmente, comunicação com os Espíritos; 3º – Nas comunicações com os Espíritos, bem constatadas, bem reconhecidas, vós vos encarregais de provar, depois de longos e sérios estudos que fizestes do Espiritismo, que os Espíritos que se comunicam não passam do demônio; 4º – Finalmente, seria perigoso, do ponto de vista da salvação da alma, cuidar do Espiritismo antes que a Igreja se tenha pronunciado a respeito. Apreciei bastante este quarto artigo, mas, se se reconhece previamente que é o demônio, a Igreja nada mais tem a fazer. n

Eis quatro questões importantes que estou ansioso por ver resolvidas, a fim de confundir, num mesmo golpe, os espíritas e os católicos de nome, que nem creem no demônio nem nas penas eternas, mas admitem um Deus e a imortalidade da alma, e os materialistas, que em nada acreditam.

À primeira questão — o Espiritismo é uma religião — respondem os espíritas: Não; o Espiritismo não é uma religião, nem pretende ser uma religião. O Espiritismo se baseia na existência de um mundo invisível, formado por seres incorpóreos que povoam o espaço e que são apenas as almas dos que viveram na Terra ou em outros globos. Esses seres, que nos rodeiam incessantemente, exercem sobre os homens, mau grado seu, uma grande influência; representam um papel muito ativo no mundo moral e, até certo ponto, no mundo físico. O Espiritismo está na Natureza e pode dizer-se que, numa certa ordem de coisas, é uma força, como, sob outro ponto de vista, o é a eletricidade e a gravitação. O Espiritismo desvenda-nos o mundo invisível; não é novidade, já que é mencionado pela história de todos os povos. Repousa sobre princípios gerais, independentes de toda questão dogmática. Tem consequências morais, é verdade, no sentido do Cristianismo, embora não tenha culto, nem templos, nem ministros; cada um pode fazer de suas opiniões uma religião, mas daí para a constituição de uma nova Igreja a distância é grande. Portanto, o Espiritismo não é uma nova religião. Eis, senhor pregador, o que dizem os espíritas quanto à primeira questão.

“A esta mesma questão riem os falsos católicos e os materialistas. Os primeiros, os felizes deste mundo, riem contrafeitos, pois a doutrina que comporta a pluralidade das existências ou reencarnações lhes fere os prazeres e o orgulho. Voltar numa condição talvez inferior — coisa horrível! — nem pensar. Os espíritas lhes dizem: “Eis a justiça, a verdadeira igualdade.” Mas essa igualdade não lhes convém. Os materialistas, espíritas fortes e compostos de pretensos sábios, riem à vontade porque não acreditam no futuro: a sua sorte e a do cãozinho que os acompanha são absolutamente as mesmas, e eles preferem que seja assim.

“À segunda questão — há comunicação com os Espíritos — os espíritas e nós, católicos fervorosos, estamos de acordo; os falsos católicos e os materialistas estampam o riso da incredulidade.

“À terceira questão — só o demônio se comunica — os espíritas riem por sua vez; os materialistas também riem, zombando dos que acreditam nas comunicações e dos que, nelas crendo, as atribuem aos demônios. Os falsos católicos silenciam, como se dissessem: Isto é lá convosco. ( † )

“À quarta questão – é preciso esperar o pronunciamento da Igreja — dizem os espíritas: “Dia virá em que a crença no Espiritismo se tornará tão comum, tão espalhada que a Igreja, a menos que queira ficar só, será forçada a seguir a corrente. Então o Espiritismo se fundirá no Catolicismo e o Catolicismo no Espiritismo.” A esta questão o materialista ri ainda e diz: “Que me importa!”, e o falso católico sente uma espécie de despeito. Como disse acima, não poderá acomodar-se a esta doutrina; seu egoísmo e seu orgulho ficam chocados; repele a eventualidade dessa fusão. “É impossível, diz ele, o Espiritismo não passa de uma utopia, que não dará quatro passos no mundo”. n

“Aceitai, etc.


Um católico fervoroso.”


3. — Sobre o assunto, assim se expressa o Sr. Dombre, numa carta dirigida a Bordeaux:  † 

“O Abade F… procurou saber quem era o espírita e não o católico fervoroso que lhe havia escrito aquela carta. Seus emissários vieram a mim e me disseram: O Abade F… precisaria de sete ou oito sermões para lhe responder, mas não dispõe de tempo; mesmo assim queria saber o nome de quem se trata. Respondi: Garanto-lhes que o autor da carta dar-se-á a conhecer, caso o abade lhe responda do púlpito. Parece que aqui sabem, por experiência, que quanto mais se fala contra o Espiritismo, mais prosélitos se fazem; assim, acharam melhor guardar silêncio, pois o Abade F… partiu sem voltar ao assunto.

“Dir-me-eis que talvez haja um pouco de temeridade em querer entrar na liça; conheço as necessidades de nossa localidade; é preciso barulho. Os inimigos sistemáticos ou interessados do Espiritismo apenas querem o mutismo e eu os quero ensurdecer com discussões. Em torno dos incrédulos que discutem sempre há indiferentes ou predispostos a crer, que tiram proveito da luta, relativamente à instrução espírita. — Mas, pensareis e talvez digais, saireis honrosamente dessas polêmicas? — Ah! meu Deus! Quando se é assinante da Revista Espírita e se leu todos os livros da doutrina; quando se está mergulhado de corpo inteiro nos argumentos em que ela se apoia e nos que são dados pelos Espíritos que se comunicam, a gente sai como Minerva, armado dos pés à cabeça, sem nada temer.”


Observação. — Dizem: “Credes na reencarnação, mas a pluralidade das existências é contrária aos dogmas, que admitem apenas uma. Por isto mesmo estais fora da Igreja.”

A isto repetiremos o que temos dito inúmeras vezes: “Outrora expulsastes da Igreja, anatematizastes, excomungastes e condenastes como heréticos os que acreditavam no movimento da Terra.” Respondereis: “Isto foi num tempo de ignorância.” — Seja. Mas se a Igreja é infalível, deveria sê-lo outrora como hoje, não podendo a sua infalibilidade ser submetida às flutuações da ciência mundana. Mas ultimamente, e apenas há um quarto de século, neste século de luz, não tem ela igualmente condenado as descobertas científicas que dizem respeito à formação do globo? O que aconteceu agora? E o que teria acontecido se ela persistisse em repelir de seu seio todos os que acreditam nessas coisas? Não mais haveria católicos, nem mesmo o papa. Por que, então, teve a Igreja de ceder? É porque o movimento dos astros e sua formação repousam nas leis da Natureza e porque, contra essas leis, não há opinião que possa prevalecer.

Quanto à reencarnação, de duas, uma: ou existe, ou não existe; não há meio-termo. Se existe, é porque está nas leis da Natureza. Se um dogma diz o contrário, trata-se de saber quem tem razão, se o dogma ou a Natureza, que é obra de Deus. A reencarnação não é, pois, uma opinião, um sistema, como uma opinião política ou social, que pode ser adotada ou recusada: é um fato ou não é. Se é um fato, e por mais que não agrade a todo o mundo, nada do que disserem a impedirá de ser um fato.

Acreditamos firmemente — falamos por conta própria — que a reencarnação, longe de ser contrária aos dogmas, dá uma explicação lógica de vários deles, fazendo com que sejam aceitos pela maioria dos que os repeliam, porque não os compreendiam. A prova disto está no grande número de pessoas trazidas às crenças religiosas pelo Espiritismo.

Mas admitamos essa incompatibilidade, se quiserdes. Neste caso, apresentaremos a questão sem rodeios: “Quando a pluralidade das existências for reconhecida como uma lei natural — o que não tardará muito — e quando todos reconhecerem esta lei como a única compatível com a justiça de Deus, e como a única que pode explicar o que, sem ela, é inexplicável, que fareis?” — Fareis o que fizestes com o movimento da Terra e os seis dias da Criação; e não será difícil conciliar o dogma com esta lei.


A. K.



[1] Se a Igreja ainda não se pronunciou, a questão do demônio não passa de uma opinião individual, sem sanção legal. E isto é tão certo que nem todos os eclesiásticos a compartilham; dentre estes conhecemos muitos. Até mais ampla informação, é permitida a dúvida e, desde já, pode ver-se que a doutrina do demônio tem pouco domínio sobre as massas. Se a Igreja a proclamasse oficialmente, seria de temer que desse julgamento resultasse o que resultou da declaração de heresia e da condenação outrora pronunciada contra o movimento da Terra, como ocorreu em nossos dias com os anátemas lançados contra a Ciência a propósito dos seis períodos da criação. Cremos que o clero seria mais sábio e prudente se não se apressasse em decidir a questão, afirmando uma coisa que atualmente provoca mais incredulidade e mais riso do que medo e na qual podemos atestar que muitos padres não creem mais do que nós, porque é ilógica. Expor-se a receber um desmentido no futuro e depois se ver forçado a reconhecer o erro, é prejudicar a autoridade moral da Igreja, que proclama a infalibilidade de seus julgamentos. Seria melhor que se abstivesse.

Aliás, digam o que disserem e façam o que quiserem contra o Espiritismo, prova a experiência que sua marcha é irresistível; é uma ideia que se implanta por toda parte com prodigiosa rapidez, porque satisfaz, ao mesmo tempo, à razão e ao coração. Para o deter será preciso opor-lhe uma doutrina que satisfizesse mais, e certamente não será a do demônio e a das penas eternas. — A. K.


[2] Há falsos católicos, verdadeiros católicos e materialistas que utilizam essa linguagem. Que o tivessem dito há alguns anos, poder-se-ia conceber. Mas nos últimos quatro ou cinco anos ele deu tantos passos e os dá todos os dias que, em breve, terá atingido o seu objetivo. Procurai na História uma doutrina que tenha percorrido tanta distância em tão pouco tempo. Em presença desse resultado inaudito de uma propagação contra a qual vêm quebrar-se todos os raios e todas as zombarias; que cresce na razão da violência dos ataques, é, na verdade, muita ingenuidade dizer que o Espiritismo é simples fogo de palha. Se assim é, por que tanta cólera? Deixai, pois, que ele se apague sozinho. Nós, que assistimos de camarote à sua marcha, que lhe acompanhamos todas as peripécias, vemos a sua conclusão; agora é chegada a nossa vez de rir. — A. K.


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