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EADE — Estudo Aprofundado da Doutrina Espírita — Religião à luz do Espiritismo

TOMO II — ENSINOS E PARÁBOLAS DE JESUS — PARTE I
Módulo II — Ensinos diretos de Jesus

Roteiro 3


Não vim trazer paz, mas espada


Objetivo: Interpretar, à luz do entendimento espírita a afirmação de Jesus: “não vim trazer paz, mas espada” (Mt 10.34).



IDEIAS PRINCIPAIS

  • É indispensável não confundir a paz do mundo com a paz do Cristo. A calma do plano inferior pode não passar de estacionamento. A serenidade das esferas mais altas significa trabalho divino, a caminho da Luz Imortal. […] Emmanuel: Vinha de luz, Capítulo 105.

  • A espada citada no texto evangélico está também representada na cruz, símbolo do Cristianismo. A cruz encravada no alto do Gólgota revela a vitória do bem sobre o mal, mostrando que por meio dos sacrifícios, das renúncias e dos exemplos no bem a criatura humana pode regenerar-se.

  • Quando Jesus declara: “Não creais que eu tenha vindo trazer a paz, mas, sim, a divisão”, seu pensamento era este: Não creais que a minha doutrina se estabeleça pacificamente […]. Allan Kardec: O Evangelho segundo o Espiritismo, Capítulo 23, item 16.



 

SUBSÍDIOS


1. Texto Evangélico

  • Não cuideis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer paz, mas espada; porque eu vim pôr em dissensão o homem contra seu pai, e a ficha contra sua mãe, e a nora contra sua sogra. E, assim, os inimigos do homem serão os seus familiares. Mateus,10.34-36.

Observamos, em O Evangelho segundo o Espiritismo, o cuidado de Kardec e dos Espíritos orientadores em analisar o sentido moral dos textos da Boa Nova, relacionando-os às reais necessidades do aprendiz, ainda carente de renovação espiritual. No capítulo 23, intitulado Estranha moral, itens 9 a 17, observamos o zelo do Codificador em tornar claro o entendimento do leitor em relação ao texto de Mateus, acima citado, de modo a que não venha, sob o jugo da letra, interpretar o Evangelho fora do seu amplo sentido educativo, como “cartilha de vida”. Mesmo assim, não são poucos os que se detendo na superfície dos ensinamentos, partem para discussões estéreis, desenvolvendo polêmicas inúteis.

A despeito de o apóstolo Paulo ter afirmado que “a letra mata e o espírito vivifica” (2 Cor 3.6), tem sido ela, a letra, o casulo que vem mantendo guardada a essência dos ensinos ao longo dos séculos. Faz-se necessário, no entanto, que se realize o trabalho de extrair o espírito da letra.

Entendemos que a Doutrina Espírita pode realizar essa tarefa, uma vez que, confiando nas promessas do Cristo, ensina que o Espiritismo é o Consolador Prometido, de acordo com esta afirmativa de Jesus: “Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar tudo quanto vos tenho dito.” (Jo 14.26)

Dessa forma, cabe aos espíritas agir como cristãos autênticos e realizar essa tarefa, a despeito do reconheci­mento das próprias carências espirituais, mas com a compreensão de que as verdades espirituais são, em geral, percebidas pelos “pequeninos” e ocultas aos “sábios e entendidos”.


2. Interpretação do texto evangélico

  • Não cuideis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer paz, mas espada (Mt 10.34).

Este texto chama a atenção pela aparente contradição que encerra: não é Jesus chamado de O príncipe da paz? (Is) Como é possível ele, o governador espiritual do Orbe, nos oferecer uma proposta de “paz” inerte, de ordem parasitária, ou beatífica, fundamentada na violência?


Inúmeros leitores do Evangelho perturbam-se ante essas afirmativas do Mestre Divino, porquanto o conceito de paz, entre os homens, desde muitos séculos foi visceralmente viciado. Na expressão comum, ter paz significa haver atingido garantias exteriores, dentro das quais possa o corpo vegetar sem cuidados, rodeando-­se o homem de servidores, apodrecendo na ociosidade e ausentando-se dos movimentos da vida. Jesus não poderia endossar tranquilidade desse jaez […].  (2)


É preciso muito cuidado na análise dessa citação evangélica, pois uma interpretação literal pode favorecer manifestações de lutas externas sob o jugo da “espada”, fato que não deixa de representar uma perigosa insensatez, considerando-se ser Jesus, Guia e Modelo da Humanidade.

O Espírito Emmanuel, lucidamente, esclarece este texto evangélico.


É indispensável não confundir a paz do mundo com a paz do Cristo. A calma do plano inferior pode não passar de estacionamento. A serenidade das esferas mais altas significa trabalho divino, a caminho da Luz Imortal. […] Nos círculos da carne, a paz das nações costuma representar o silêncio provisório das baionetas; a dos abastados inconscientes é a preguiça improdutiva e incapaz; a dos que se revoltam, no quadro de lutas necessárias, é a manifestação do desespero doentio; a dos ociosos sistemáticos, é a fuga ao trabalho; a dos arbitrários, é a satisfação dos próprios capri­chos; a dos vaidosos, é o aplauso da ignorância; a dos vingativos, é a destruição dos adversários; a dos maus, é a vitória da crueldade; a dos negociantes sagazes, é a exploração inferior; a dos que se agarram às sensações de baixo teor, é a viciação dos sentidos; a dos comilões, é o repasto opulento do estômago, embora haja fome espiritual no coração. (6)


O versículo de Mateus mostra que a paz deve ser compreendida como o estado da consciência tranquila, obtida pelo cumprimento do dever e decorrente da constante vigilância sobre as nossas imperfeições. É na terra do coração que se trava a verdadeira guerra de melhoria dos sentimentos. A “espada” é, neste sentido, um instrumento de progresso que “corta” as nossas más inclinações, num processo de intensa batalha íntima.

Até agora, há Espíritos imper­feitos que querem implementar a evolução sob o impacto das paixões, em atendimento às exigências dos sentidos, mas que produzem sofrimentos e dificultam a manifestação da felicidade, ansiosamente aguardada. Por esta razão, o Espiritismo nos mostra que é medida de bom senso aprender para viver com acerto e eficiência uma vida digna, feliz, amando e servindo ao próximo. Devemos, então, buscar a “[…] paz do Senhor, paz que excede o entendimento, por nascida e cultivada, portas a dentro do Espírito, no campo da consciência e no santuário do coração”. (7)

A espada aludida pelo Cristo é, pois, um simbolismo.


Em contraposição ao falso princípio estabelecido no mundo, trouxe consigo a luta regeneradora, a espada simbólica do conhecimento interior pela revelação divina, a fim de que o homem inicie a batalha do aperfeiçoamento em si mesmo. (3)


É a espada que elimina o que há de ruim nas nossas experiências e nos faz selecionar pensamentos, palavras e ações que garantem a vitória sobre nós mesmos na caminhada ascensional. Laborar no regime das causas geradoras de desarmonias, buscando desativá-las, é sempre mais gratificante, é medida de bom senso pela utilização dos recursos da fé raciocinada e do conhecimento.

A espada citada no texto evangélico está também repre­sentada na cruz, símbolo do Cristianismo. A cruz encravada no alto do Gólgota revela a vitória do bem sobre o mal, mostrando que, por meio dos sacrifícios, das renúncias e dos exemplos no bem, a criatura humana pode regenerar-se. Compreendemos, assim, que a felicidade é uma conquista individual, que passa, necessariamente pelo reconhecimento das próprias imperfeições e se prolonga nas batalhas travadas na intimidade do ser. Tal é o preço da paz, marcada pelas lutas íntimas, pelos processos da reeducação e por trabalho intenso, pois como nos lembra Emmanuel, buscar “[…] a mentirosa paz da ociosidade é desviar-se da luz, fugindo à vida e precipitando a morte”. (4)

  • Porque eu vim pôr em dissensão o homem contra seu pai, e a filha contra sua mãe, e a nora contra sua sogra (Mt 10.35).

Jesus veio à terra para abrir novas perspectivas ao ser humano, estabelecendo um novo sistema de vida e melhoria no relacionamento entre as pessoas. Enfatiza o perdão e o amor aos inimigos, o auxílio aos semelhantes, a perseverança, sem desfalecimento. Destaca o papel das reencarnações, que aproximam as pessoas, mostrando que no plano familiar se encontra, na maioria das vezes, não somente afetos, mas também desafetos. A “dissensão” passa a ser compreendida como divergência entre pessoas que pensam de forma diferente, ainda que unidas pelos laços do parentesco.


A família consanguínea, entre os homens, pode ser apreciada como o centro essencial de nossos reflexos. Reflexos agradáveis ou desagradáveis que o pretérito nos devolve. (5)


A dissensão que o texto assinala pode, também, ser vista como mudança de atitudes e de hábitos, demonstrados pelos comportamentos renovados para o bem. Tais mudanças produzem num primeiro momento conflitos, desavenças ou incompreensões nas relações interpessoais. É dessa forma que os descendentes se levantam contra os seus ascendentes: “o homem contra seu pai; entre a filha e sua mãe e entre a nora e sua sogra.”

Quando a orientação espiritual elevada penetra a intimidade do indivíduo instaura-se, de imediato, uma luta íntima. Os novos conceitos chocam-se com as concepções caducas, ali existentes, filhas de uma mentalidade que não produz paz nem ameniza a cota de sofrimento da criatura.

O homem terá, assim, que lutar contra o homem velho cujas ideias e ações traz albergadas no íntimo. Os conflitos gerados por esta batalha interior produzem transformações significativas no ser, tornando-o criatura melhor, pouco a pouco.

As transformações individuais, sob o impacto da dor ou do aprendizado, costumam seguir esta regra: ensinos apreendidos conduzem a novo aprendizado. Novo aprendizado produz conflitos íntimos. Conflitos íntimos geram dissensões. Dissensões fazem surgir o homem novo, transformado pela força do bem. Este processo é, em geral, paulatino, pois o homem que adquire entendimento superior terá de lutar, continuamente, contra o homem velho, portador de viciações e equívocos.

  • Assim, os inimigos do homem serão os da sua própria casa (Mt 10.36).

O registro deve ser examinado sob dois aspectos: o da família consan­guínea e o da própria pessoa. A Doutrina Espírita nos ensina que as pessoas que se desentenderam em outras reencarnações estão hoje, em geral, congregadas dentro de uma mesma família, buscando o resgate e a harmonização indispensáveis. No âmbito familiar, os inimigos ou adversários agem e reagem uns sobre os outros, criando obstáculos à união e ao respeito mútuos, ainda que disto não se deem conta. Por acréscimo da misericórdia divina, os envolvidos nos processos de reajuste espiritual dificilmente recordam os aconte­cimentos do passado, ocorridos em outras existências. Entretanto, as antipatias, os ódios, os ciúmes, as desconfianças, etc., são impulsivamente manifestadas, a ponto de ocorrerem separações, perseguições e outros problemas. É comum constatar que, ao contrário, muitos parentes desenvolvem convivência harmoniosa com estranhos ao ninho familiar: são os amigos e benfeitores de outras existências.

A pessoa esclarecida sobre as causas dessas inimizades aprende a administrar as desarmonias com humildade e, aos poucos, percebe que as dificuldades podem ser reduzidas ou eliminadas. Tal entendimento conduz à ação cristã que, tendo como base o perdão, a renúncia e a bondade, auxilia na superação de obstáculos e o poli­mento de arestas, úteis à manutenção do equilíbrio nas relações familiares.

Por outro lado, há de se considerar a presença dos “inimigos” que cada um traz dentro de si, representados pelas próprias imperfeições, más tendências e outras deficiências que conspiram contra a saúde, obliterando a manifestação da felicidade integral: física, emocional e espiritual. Os pontos negativos que imperam em nosso psiquismo são elementos complexos que precisam ser desativados, pois conspiram, continuamente, contra a nossa paz de espírito, nos atormentando a existência.

Certos tormentos íntimos nos fazem sofrer mais que outros, conforme o nosso estágio evolutivo. A respeito desses tipos de tormentos, o Espírito Fénelon comenta:


Haverá maiores do que os que derivam da inveja e do ciúme? Para o invejoso e o ciumento, não há repouso; estão perpetua­mente febricitantes. O que não têm e os outros possuem lhes causa insônias. Dão-lhes vertigem os êxitos de seus rivais […]. Que de tormentos, ao contrário, se poupa aquele que sabe contentar-se com o que tem, que nota sem inveja o que não possui, que não procura parecer mais do que é. Esse é sempre rico, porquanto, se olha para baixo de si e não para cima, vê sempre criaturas que têm menos do que ele. É calmo, porque não cria para si necessidades quiméricas. E não será uma felicidade a calma, em meio das tempestades da vida? (1)


A renovação espiritual representa, nesse aspecto, uma espécie de caridade essencial que devemos ter para conosco. Neste particular, o conhecimento espírita amplia de modo considerável a nossa visão do mundo e da vida, indicando quais são as nossas reais necessidades, de forma que possamos redirecionar a exis­tência, com discernimento e convic­ção, eliminando dificuldades que minam o bom relacionamento pessoal e o nosso bem-estar.

Faz sentido, então, recordar a recomendação de Jesus: “Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei, antes, aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma como o corpo”. (Mt 10.28).

Podemos afirmar, como conclusão desse estudo:


O Cristo trouxe ao mundo a espada renovadora da guerra contra o mal, constituindo, em si mesmo, a divina fonte de repouso aos corações que se unem ao seu amor. Esses, nas mais perigosas situações da Terra, encontram, n’Ele, a serenidade inalterável. É que Jesus começou o combate de salvação para a Humanidade, representando, ao mesmo tempo, o sustentáculo da paz sublime para todos os homens bons e sinceros. (4)



 

ANEXO


Citação de João 13.34,35



ORIENTAÇÃO AO MONITOR: Realizar estudo em grupo para analisar as informações de Kardec constantes em O Evangelho segundo o Espiritismo, capítulo 23, itens 16 e 17, correlacionando esta análise com as ideias desenvolvidas no Roteiro.



Referências:

1. KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Tradução de Guillon Ribeiro. 124. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. Capítulo 5, item 23, p. 118.

2. XAVIER, Francisco Cândido. Caminho, verdade e vida. Pelo Espírito Emmanuel. 26. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006. Capítulo 104 (A espada simbólica), p. 223.

3. Idem, ibidem - p. 223-224.

4. Idem, ibidem - p. 224.

5. Idem - Pensamento e vida. Pelo Espírito Emmanuel. 15. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. Capítulo 12 (Família), p. 59.

6. Idem - Vinha de luz. Pelo Espírito Emmanuel. 24. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006. Capítulo 105 (Paz do mundo e paz do Cristo), p. 239-240.

7. Idem, ibidem - p. 240.


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