O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Vozes da Outra Margem — Familiares diversos


CAPÍTULO 8


“As Leis de Deus se cumprem no regime de matemática que não conhecemos”

“A manhã de 3 de julho de 1982, sábado, despontou clara e fresca, auspiciosa para os que, de bem com a vida, se entregassem aos divertimentos sadios.

Paulo Fernando e Luís Roberto estavam entre eles e partiram cedo para as imediações do aeroporto de Franca onde, se reuniram aos companheiros para a pelada de futebol.

Praticaram o exercício até por volta das onze horas, quando se dispuseram a retornar. Paulo tomou a direção do carro que dias antes recebera de presente dos pais e, com Luís ao lado, partiu pela estradinha de terra entre o campo e a rodovia pavimentada, tranquilamente, seguido pelos colegas que vinham logo atrás.

Quase não havia trânsito na estrada. Ninguém seguia em alta velocidade e, no entanto, de repente, o veículo dos jovens ziguezagueou, saiu pelo acostamento, cruzou a pista e foi de encontro a um poste precisamente colocado para recebê-lo.

Com o choque, o carro capotou, tendo as ferragens prensado exatamente as cabeças dos dois jovens, de maneira fatal.

Perplexos, os colegas estacionaram ao lado, presenciando a mais estranha ocorrência de suas vidas: um acidente tão banal, de consequências tão funestas.

Paulo Fernando era um jovem com 19 anos de idade, feliz, tranquilo, auferindo todo o gosto que tinha pela vida. Colecionador de vitórias e medalhas em variados esportes. Respeitado e amado pelos colegas na Faculdade de Engenharia de São José do Rio Preto, SP, onde cursava o terceiro ano, sendo o mais jovem da turma e, no entanto, um dos mais aplicados e destacados nos estudos. Filho e irmão amoroso, era humilde e liberto de qualquer vício, mesmo dos mais corriqueiros.

Luís Roberto, com 15 anos, era na realidade um adulto em suas inquietações, no extremado amor pela família, no alcance excepcional de sua percepção dos fatos e das ocorrências ao redor e, particularmente, na angústia que revelava pelo conhecimento antecipado de algo traumatizante que um dia viria a ocorrer. Passando muitas vezes por crises emocionais que chegaram a perturbar por algum tempo sua escolaridade e seu relacionamento .com o mundo exterior, jamais confessou a natureza daquilo que o angustiava. Fiel companheiro da mãe, mostrava a todo instante sua afinidade por ela, o que veio a confessar depois, na mensagem psicografada por Chico Xavier: “a busca dos corações que se pertencem pelas afinidades que a Eternidade acalenta”.

Em nenhum momento os familiares duvidaram das razões relevantes que cercavam aquela ocorrência fatal. Cumpria procurar essas razões e compreendê-las, e elas foram e vão se revelando paulatinamente à luz do raciocínio, dos ensinamentos recebidos, do estudo do Evangelho e da evidente e constante assistência dos guias espirituais.

E a vida de todos se mostra cada vez mais bela e gratificante.

Havia a necessidade de um testemunho. Testemunho de fé, de resignação, de coragem, de compreensão da necessidade de viver e valorizar a vida. Testemunho que pudesse tocar a sensibilidade de corações ainda não despertos para as grandes verdades evangélicas. Testemunho da busca do Amor Maior, do amor de inteira doação e não de posse, que nos leva a aceitar os entes que amamos como criaturas de Deus e não objetos de nossa propriedade.

A família vem procurando dar esse testemunho.

A mensagem de Luís Roberto veio por bondade de Deus para amenizar as saudades imensas e confirmar o acerto das convicções: Paulo e Luís estão bem e trabalham ardorosamente em benefício da humanidade. No Plano em que se encontram esperam pela família e pelos companheiros que hão de fazer por merecerem o reencontro que por certo virá.”


Esta a narrativa-depoimento do pai dos jovens, engenheiro Dr. Maurício Costa França, casado com Dª Janete Haddad França, residentes em Franca, SP, enviada a nós com vistas a este livro, em julho de 1986, e que, certamente, nos auxiliará em nossas meditações em torno do sofrimento e da evolução espiritual da humanidade.

A carta de Luís Roberto, recebida em reunião pública, na noite de 28 de abril de 1984, e que muito esclareceu e atenuou as saudades de seus familiares foi assim redigida:


CARTA DE LUÍS ROBERTO


1 Querida mãezinha Janete, associo o seu coração querido ao papai Maurício para rogar-lhes a bênção.

2 Venho, com o vovô Nagib, n pedir lhe para que não chore tanto.

3 Mãe, é preciso erguer o pensamento a Deus e confiar em dias melhores. Senti muito não haver podido permanecer mais tempo ao seu lado, na Terra, mas, a verdade é que, o Paulo e eu, viemos ao mundo por pouco tempo.

4 Aquela capotagem, quando o nosso Paulo procurava localizar um carretel de música no aparelho, foi a desculpa. A desencarnação nos atingiria de qualquer modo. As Leis de Deus se cumprem no regime de matemática que não conhecemos e, por isso, peço-lhes conformação e calma.

5 Quando o carro tombou totalmente, vendo a expressão daqueles que me rodeavam, esforcei-me, ainda, por retomar o corpo que o acidente inutilizara, principalmente para agir, de algum modo, em auxílio ao Paulo, mas tudo baldado. 6 O corpo não me atendeu e não pude senão recordar as nossas preces e repeti-las no íntimo, preparando-me para o que nos pudesse acontecer.

7 A verdade é que não mais vi os meus como desejava e curvei-me com reverência ao Eterno Pai, cujos desígnios são sempre justos para com todos nós.

8 Creia que me senti no vazio ao perceber que não mais conseguiria rever a família, mas não tive tempo para longas reflexões porque um sono estranho se me apossou de todas as energias e desmaiei, ao reconhecer-me incapaz de falar ou de agir no sentido de reconfortá-los.

9 Desde a pressão das ferragens sobre nós, registrei a presença de duas mãos que me afagavam e só ao despertar notei que me achava diante de uma benfeitora que se me deu a conhecer por vovó Maria Cândida, n de quem recebi cuidados maternais.

10 Sem dúvida, não me sentia eu próprio. Delirava. Chamava por todos da família, na ilusão de que fora conduzido a certo posto de socorro, porém, a única resposta era o sorriso silencioso da senhora que me auxiliava sem reclamações.

11 Depois de dois dias, após o nosso despertar, referindo-me ao Paulo e a mim, fomos transportados para uma clínica de socorro, não longe da nossa cidade, onde Paulo e eu fomos cirurgiados na cabeça e nas regiões lesadas pelo choque havido. n Soube, então, que estávamos amparados pelos médicos Dr. Antônio Ricardo Pinho e Dr. Júlio Costa, n benfeitores da comunidade francana.

12 Em pouco tempo nos reconhecíamos perfeitamente bem, mas começaram as saudades a se me acumularem no peito.

13 Segundo pode verificar, querida mamãe, o nosso suplício moral foi intenso, mesmo porque, nem o Paulo nem eu, estávamos preparados para aquele embate de forças que nos renovou de momento para outro.

14 Eu, pessoalmente, não temia a morte, porque algo me dizia ao coração que o meu tempo na Terra seria curto. n Chorei com saudades de seu carinho, da bondade do papai Maurício e da ternura das irmãs; no entanto, recorri às orações e aos poucos me fortaleci novamente. n

15 Hoje venho com o vovô Nagib pedir-lhe — repito — resignação e coragem.

16 Temos a Maura e a Flávia n para zelarmos pelas duas, não obstante a Maurinha já haver tomado novo estado no casamento. Apesar disso, ela é muito sensível e precisamos auxiliá-la no trânsito da vida. Quanto à Flávia, era meu desejo revê-la nos estudos em São José do Rio Preto; no entanto, não devemos violentar lhe o livre arbítrio. Esperemos que ela própria se manifeste em momento oportuno.

17 Mãezinha Janete, estou agradecido pela sua resolução de me procurar nas tarefas da beneficência. Muitas vezes escuto-lhe a voz a chamar por nós quando estende um prato de sopa aos necessitados e me regozijo por sabê-la fortalecida no espírito da caridade. Muito obrigado, mãezinha.

18 Se muitos filhos estão voltando para a Pátria Espiritual; necessitamos multiplicar o número de mães que se disponham a servir no trabalho do amor ao próximo, que é o nosso mais seguro ponto de reencontro. n

19 O Paulo também lhe agradece e queremos dizer que todo o seu esforço em auxiliar os infelizes mais nos aproxima do seu coração querido, que hoje desfruta de uma compreensão mais clara da vida.

20 O acidente está esquecido. Não mais lágrimas e sim esperanças novas de servir com muito amor aos nossos companheiros de Humanidade.

21 Mãezinha, escrevi tanto, mas pode crer que isso tudo faz parte da busca dos corações que se pertencem pelas afinidades que a Eternidade acalenta.

22 Envio muitas lembranças às irmãzinhas e ao papai Maurício, de quem não nos esquecemos, e peço-lhe ficar tranquila a nosso respeito.

23 A vovó Maria Cândida tem sido aqui a nossa enfermeira e benfeitora providencial.

24 Não posso ser mais extenso, por isso aqui encerro esta carta que escrevo sob a estranheza da renovação a que fomos trazidos, mas, esteja certa querida mãezinha, de que foi, é e será sempre seu o coração de seu filho, sempre seu


Luís Roberto Haddad França


NOTAS E IDENTIFICAÇÕES


1 — vovô Nagib — Nagib Haddad, tio-avô, desencarnado em São Paulo, SP.

2 — vovó Maria Cândida — “Julgamos tratar-se da bisavó materna Vovó Candinha que, todavia, assinava Cândida Augusta de Lima.”

3 — fomos cirurgiados na cabeça e nas regiões lesadas pelo choque havido. — Observa-se que, mesmo após a desencarnação, o corpo espiritual (ou perispírito) pode apresentar lesões nos órgãos ou regiões correspondentes aos mesmos locais traumatizados do corpo físico, exigindo tratamento médico, inclusive cirúrgico. [Ver casos semelhantes na obra Caravana de Amor (Espíritos Diversos, F.C. Xavier, H.M.C. Arantes, IDE): cartas de José Rogério Silva Freire, cap. 4, nota 6; (Caa) e de Cândido Luiz Cintra, cap. 2, (Caa) que diz à página 31: “(…) não sou melhor do que meus companheiros, pois compartilho dos esforços de minha turma constituída de rapazes acidentados. Alguns sofrem ainda os traumas da desencarnação violenta por choque de máquinas, (…).”]

4 — Dr. Antônio Ricardo Pinho e Dr. Júlio Costa — Médicos desencarnados, pertencentes a famílias tradicionais de Franca.

5 — algo me dizia ao coração que o meu tempo na Terra seria curto. — A bênção da premonição, sob a supervisão de Benfeitores Espirituais, preparava seu íntimo para a prova da desencarnação precoce.

6 — recorri às orações e aos poucos me fortaleci novamente. — Aqui, Luís Roberto confirma, com sua experiência pessoal, a importância da prece, pois “orar é identificar-se com a maior fonte de poder de todo o Universo, absorvendo-lhe as reservas e retratando as leis da renovação permanente que governam os fundamentos da vida.” (Emmanuel, F.C. Xavier, Pensamento e Vida, FEB, cap. 26.)

7 — Maura e Flávia — Irmãs.

8 — trabalho do amor ao próximo que é o nosso mais seguro ponto de reencontro. — Evidentemente, Luís Roberto consegue autorização de seus Mentores para participar de trabalhos assistenciais nos quais sua mãe também colabora, quando então permanecem mais tempo juntos.


Hércio Arantes


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