O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Sementeira de luz — Mensagens familiares do Prof. Arthur Joviano (Neio Lúcio) e outros


Arthur Joviano

(2º artigo)

Artigo de Mário Casasanta


Trazem-nos os jornais a notícia da morte de Arthur Joviano.

Muita gente não ponderará bem a significação dessa notícia vulgar, mas os que, como eu, ouviram esses dois nomes, em plena infância, numa boa escola primária e na época em que a memória possui a sensibilidade da cera para fixar o que lhe toca, reconhecerão que a perda é grande e que a data de anteontem foi crua e amarga para a grei mineira.

Na verdade, esse eminente professor, que acaba de rodar para a eterna noite, tem muito mais influência em nossos destinos do que a grossa maioria dos nossos homens públicos do passado e do presente.

Ele tinha vindo das campanhas republicanas com aquele punhado de ideias que nutriu a alma dos nossos melhores homens, nessa idade de ouro que para o Brasil representam os últimos do Império e os primeiros da República.

Batendo-se pelo advento de novo regime, fazia-se por força de uma vocação veemente, que se lhe transluzia de todos os passos da vida.

Como todos os republicanos, queria a participação de todos os brasileiros na obra de seu próprio destino, mas ao contrário dos falsos republicanos, que dizem isso e não fazem isso, pois cantam os valores da educação e fecham as escolas e perseguem os mestres, Arthur Joviano predicou a vida inteira a boa doutrina, forcejou, quanto em si coube, para a transformar em realidade, importou novos processos e adaptou-os com habilidade, escreveu livros didáticos de primeira água, deu as melhores aulas que era possível dar-se em nossas primeiras escolas públicas, rasgou novos caminhos para o ensino da língua na Escola Normal de Belo Horizonte e na direção dessa escola educou uma geração que constitui, nesse momento, a falange central da educação pública em Minas.

Eu, que estraguei em vão livros de Felisberto de Carvalho para aprender a ler, tenho certeza de que foi o livro de Arthur Joviano, a que chamávamos “Faca-Rato”, que me deu de fato o segredo da leitura, a tapou as lacunas e coordenou as noções confusas que os outros compêndios me tinham inculcado.

Na minha pequena escola, que o gênio do meu mestre Francisco do Nascimento doirava e aquecia, com a sua inteligência e o seu caráter, entrava pelas janelas abertas, como os raios do sol, todos os raios fulgurantes que a reforma de João Pinheiro espalhava pelo Estado, com o vigor de uma campanha sem exemplo, porque, sem embargo da carência de comunicações, a sua influência chegava até a Camanducaia, perto de cem léguas daqui, como as espumas de um mar infinito…

Nesse amplo movimento republicano, que João Pinheiro suscitou, cercado de um grupo de figuras apostolares com aquela ingenuidade, com aquele entusiasmo e com aquela confiança dos grandes construtores, coube a Arthur Joviano o papel, hoje difícil, e então dificílimo, de orientador técnico da reforma.

Faltavam recursos, mas sobejava a fé. E a fé transporta os montes, como ensina Cristo. E o milagre é o filho querido da fé, ensina Goethe no Fausto para os que acham que Goethe valia um pedaço da unha de Cristo… Na verdade, esses homens de fé praticaram milagres, e o nosso pobre Arthur Joviano não foi dos menores taumaturgo. Desdobrou-se em vários homens. Meteu-se de corpo inteiro na refrega, devorou tratados, estudou metodologia, elaborou instruções, compôs livros didáticos, escreveu, publicou, lecionou.

E em tudo o que se fez, então nas instruções e nos programas, na organização do aparelho educacional, e na própria política educacional, vê-se-lhe, a olho nu, o dedo do gigante…

Depois, com o declínio do movimento, e com a sucessão dos governos, cada qual mais preocupado com o prato de lentilhas do presente e cada vez mais esquecido dos problemas essenciais para uma democracia notadamente de educação pública, Arthur Joviano retirou-se para o Rio, como a maioria de seus companheiros, para um canto menos ingrato de atividade.

Mas retirando-se para o Rio permaneceu fiel à sua boa estrela, porque continuou a trabalhar como inspetor de ensino, a escrever livros didáticos e a lecionar, com suas filhas, numa escola particular que os técnicos reputam muito acima do seu meio, se não pela novidade dos processos, sem dúvida pela fartura e beleza dos frutos.

Ao lamentarmos a sua morte, agradecendo os serviços que prestou à nossa civilização, tenhamos bem presente ao nosso espírito que nós o deixamos ir-se embora, depois de haver curtido tantas fadigas e quando estava ainda com todas as possibilidades de tentar uma grande obra.

Será possível que se possa dizer de nossa terra o que já se dizia de alguns reis e vem a ser que eles não gostam daqueles que os beneficiam, mas preferem aqueles que eles beneficiam à força de lisonja e de agrado?


Mário Casasanta



Nota da organizadora: artigo publicado no “Jornal do Brasil”, em 22 de dezembro de 1934.


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