O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Somente amor — Maria Dolores / Meimei


2


Solidão e amor

1 Certo amigo do Cristo n
Buscou a solidão, no pressuposto
De consagrar-se ao Mestre inteiramente…


2 A concentrar-se nisto
Dizia achar, na Terra, um campo irreverente,
Que o situava sempre em extremo desgosto;
Considerava a multidão
Por massa preguiçosa em movimento vão,
Queria meditar sozinho e atento
Sem barulhos quaisquer, sem qualquer elemento
Que lhe pusesse em risco a paz que planejara.


3 Ei-lo, assim, na paisagem doce e rara
Que ele mesmo formara, dia a dia:
A choça acolhedora, em perene harmonia,
A plantação florindo
O chão tratado e lindo
E as águas marulhosas
Da fonte que nutria os gerânios e as rosas…
Tudo ali era a paz da vida pura e mansa…


4 E ele, o aspirante à luz
Do contato supremo com Jesus,
Parecia, na essência, uma criança,
Que pensava no Céu, de momento a momento,
Sem qualquer sofrimento
Que lhe pudesse vir
Das forças antagônicas do mundo;
E, solitário, em êxtase profundo,
Aguardava o porvir.


5 De quando a quando,
Fosse regando as plantas prediletas
Ou simplesmente contemplando,
Na mística alegria dos ascetas,
A luz do entardecer,
Dizia em prece calma:
— “Agradeço, Senhor, a santa solidão,
Na qual te posso dar toda a minhalma,
Todo o meu coração!…

6 Graças a Ti, Jesus, já não mais compartilho
Das discussões hostis com que o mundo te nega,
Sei que te espero em paz sem qualquer empecilho
Da Humanidade, às vezes, triste e cega…
7 Louvado sejas, meu Senhor,
Por me haveres doado,
Este sítio feliz, onde vivo isolado,
Para aguardar-te a vinda, em meu imenso amor!…”

8 Meses correram, velozmente,
E o discípulo a sós, piedoso e crente,
Louvava a solidão e os Céus, todos os dias,
Esperando o Messias.


9 Numa noite, porém, friorenta e escura,
Quando fitava os astros
A penderem da Altura,
Viu que uma luz de longe,
A esgueirar-se de rastros,
Vinha ao encontro dele e, de repente,
Eis que a luz a crescer, inopinadamente,
Toma a forma de um homem que ele fita
Com ternura infinita…
10 Ajoelha-se e chora de emoção,
Reconhecendo o Mestre Nazareno,
A pousar nele o olhar belo e sereno,
Renovando-lhe a paz do coração…


11 Mostrando-se em viagem,
O Cristo lhe sorri como que de passagem,
Mas sem se interromper, prossegue, além…


12 Levanta-se o aprendiz e corre-lhe no encalço,
Depois, grita, feliz:
— “Encontrar-te, Senhor, é tudo quanto eu quis…
Fica, porém, comigo alguns instantes,
São tuas estas flores repousantes,
Abençoa estes sítios em que penso
No teu amor imenso,
Este lugar é teu!…”


13 Jesus, deteve-se um momento
E, após abençoá-lo, esclareceu:
— “Agradeço-te, irmão,
Tudo quanto me dás ao coração,
As preces de louvor
Que me endereças, cada dia,
E o perfume de paz e de alegria
Que me ofertas
Em teu jardim de amor
Nestas plagas desertas…
14 Desejo-te ao remanso,
Refazimento à fé, reconforto ao descanso;
No entanto, para mim,
Enquanto houver na Terra algum sinal de pranto,
Não posso demorar-me em teu jardim.
O trabalho do amor é meu clima e meu lar,
Ignoro se escutas
A alma da Humanidade em pavorosas lutas.
15 Ouço os gritos de dor dos corações caídos,
As petições amargas, os gemidos
De mães desesperadas,
Os apelos dos grandes infelizes,
Peregrinos de todas as estradas
Entre aflições e crises;
O choro das crianças sem ninguém,
Os doentes largados ao vazio
De espírito cansado e coração sombrio,
Ante as visões do Além
A tristeza e a revolta dos ateus,
Irmãos infortunados
Que se afastam de Deus…
16 Tenho comigo a paz do Reino Excelso,
Mas de todos os lados
Ouço o imenso clamor
Dos que rogam aos Céus
Consolação e fé, auxílio, luz e amor…
Amo a todos, porém
Devo permanecer com quem se aflige e chora
À distância do bem!…”


17 Dito isso, o Senhor pôs-se em caminho
Mas o devoto, em novo pensamento,
Deixou a solidão em que vivia
Tão deslumbrado quanto desatento.
E, de novo, entre as grandes multidões
Erguia e consolava corações,
Às vezes, insultado, injuriado e aflito
Mas procurando em todos
A presença do amor soberano e infinito;
Varando lodo e sombra, muito embora,
Seguia com Jesus, hora por hora,
Construindo o porvir…
18 E, elegendo no amor, a vida, o sonho e o lar,
Começou a esquecer-se e passou a servir,
Sem nada perguntar,
Sem nada mais pedir.

Maria Dolores



[1] No original: “de Cristo” — Vide explicação de Allan Kardec sobre a anteposição do artigo à palavra Cristo.


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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