O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Parnaso de Além-Túmulo — Autores diversos


24


Castro Alves

Poeta baiano, desencarnou a 6 de julho de 1871, com 24 anos de idade. Mocidade radiosa, o autor consagrado de Espumas Flutuantes exerceu nas rodas literárias do seu tempo a mais justa e calorosa das projeções. Nesta poesia sente-se o crepitar da lira que modulou — O Livro e a América.


Marchemos!

1 Há mistérios peregrinos
No mistério dos destinos
Que nos mandam renascer:
Da luz do Criador nascemos,
Múltiplas vidas vivemos,
Para à mesma luz volver.


2 Buscamos na Humanidade
As verdades da Verdade,
Sedentos de paz e amor;
E em meio dos mortos-vivos
Somos míseros cativos
Da iniquidade e da dor.


3 É a luta eterna e bendita,
Em que o Espírito se agita
Na trama da evolução;
Oficina onde a alma presa
Forja a luz, forja a grandeza
Da sublime perfeição.


4 É a gota d’água caindo
No arbusto que vai subindo.
Pleno de seiva e verdor;
O fragmento do estrume,
Que se transforma em perfume
Na corola de uma flor.


5 A flor que, terna, expirando,
Cai ao solo fecundando
O chão duro que produz,
Deixando um aroma leve
Na aragem que passa breve,
Nas madrugadas de luz.


6 É a rija bigorna, o malho,
Pelas fainas do trabalho,
A enxada fazendo o pão;
O escopro dos escultores
Transformando a pedra em flores,
Em Carraras de eleição.


7 É a dor que através dos anos,
Dos algozes, dos tiranos,
Anjos puríssimos faz,
Transmutando os Neros rudes
Em arautos de virtudes,
Em mensageiros de paz.


8 Tudo evolui, tudo sonha
Na imortal ânsia risonha
De mais subir, mais galgar;
A vida é luz, esplendor,
Deus somente é o seu amor,
O Universo é o seu altar.


9 Na Terra, às vezes se acendem
Radiosos faróis que esplendem
Dentro das trevas mortais;
Suas rútilas passagens
Deixam fulgores, imagens,
Em reflexos perenais.


10 É o sofrimento do Cristo,
Portentoso, jamais visto,
No sacrifício da cruz,
Sintetizando a piedade,
E cujo amor à Verdade
Nenhuma pena traduz.


11 É Sócrates e a cicuta,
É César trazendo a luta,
Tirânico e lutador;
É Cellini com sua arte,
Ou o sabre de Bonaparte,
O grande conquistador.


12 É Anchieta dominando,
A ensinar catequizando
O selvagem infeliz;
É a lição da humildade,
De extremosa caridade
Do pobrezinho de Assis.


13 Oh! bendito quem ensina,
Quem luta, quem ilumina,
Quem o bem e a luz semeia
Nas fainas do evolutir:
Terá a ventura que anseia
Nas sendas do progredir.


14 Uma excelsa voz ressoa,
No Universo inteiro ecoa:
«Para a frente caminhai!
«o amor é a luz que se alcança,
«Tende fé, tende esperança,
«Para o Infinito marchai!»





A morte

1 No extremo pólo da vida
Diz a Morte: — «Humanidade,
Sou a espada da Verdade
E a Têmis do mundo sou;
Sou balança do destino,
O fiel desconhecido,
Lanço Cômodo no olvido
E aureolo a fronte de Hugo!


2 O cronômetro dos séculos
Não me torna envelhecida;
Sou morte — origem da vida,
Prêmio ou gládio vingador.
Sou anjo dos desgraçados
Que seguem na Terra errantes,
Desnorteados viajantes
Dos Niágaras da dor!


3 Também sou braço potente
Dos déspotas e opressores,
Que trazem os sofredores
No jugo da escravidão;
Aos bons, sou compensação,
Consolo e alívio aos precitos,
E nos maus aumento os gritos
De dores e maldição.


4 Sepultura do presente,
Do porvir sou plenitude,
Da alegria sou saúde
E do remorso o amargor.
Sou águia libertadora
Que abre, sobre as descrenças,
O manto das trevas densas,
E sobre a crença o esplendor.


5 Desde as eras mais remotas
Coso láureas e mortalhas,
E sobre a dor das batalhas
Minha asa sempre pairou;
Meu verbo é a lei da Justiça,
Meu sonho é a evolução;
Meu braço — a revolução,
Austerlitz e Waterloo.


6 Homem ouve-me; se às vezes
Simbolizo a guilhotina,
Minha mão abre  a cortina
Que torna o mistério em luz;
E por trabalhar com Deus,
Na absoluta equidade,
Sou prisão ou liberdade.
Nova aurora ou nova cruz.


7 Se o cristal que imita o céu
Da consciência tranquila
É o luzeiro que cintila
Na noite do teu viver,
Oásis — dou-te o repouso,
Estrela — estendo-te lume.
Flor — oferto-te perfume,
Luz da vida — dou-te o ser!


8 Mas, também se a tirania
Arvora-se em lei na Terra,
Eu mando a noite da guerra
Fazer o sol do porvir;
Arremesso a minha espada,
Ateio fogo aos canhões,
Faço cair as nações
Como fiz Roma cair.


9 Foi assim que fiz um dia,
Ao ver o trono imperfeito
Estrangulando o Direito;
Busquei Danton, Mirabeau…
E junto ao vulto de Têmis
Tomei o carro de Jove,
E fiz o Oitenta e Nove
Quando a França me ajudou.


10 Então, implacavelmente
Fiz a Europa ensanguentada
Ajoelhar-se humilhada,
Diante de tanto horror.
Das cidades fiz ossuários,
Dos campos Saaras ardentes,
Trucidei réus inocentes,
Apaguei a luz do amor,


11 Até que um dia o Criador,
Sempre amoroso e clemente,
Que jamais teve presente,
Nem passado nem porvir,
Bradou do cume dos céus
Num grito piedoso e forte:
«Não prossigas! Basta, Morte,
Agora é reconstruir.»


12 Portanto, homem, se tens
Por bússola o Bem na vida,
Olha o Sol de fronte erguida,
Espera-me com fervor.
Abrir-te-ei meus tesouros,
Serei tua doce amante,
Cujo seio palpitante
Guardar-te-á — paz e amor.


13 Se às vezes se te afigura
Que sou a foice impiedosa,
Horrenda, fria, orgulhosa,
Que espedaça os teus heróis,
Verás que sou a mão terna
Que rasga abismos profundos,
E mostra biliões de mundos,
E mostra biliões de sóis.


14 Conduzo seres aos Céus,
À luz da realidade;
Sou ave da Liberdade
Que ao lodo da escravidão
Venho arrancar os Espíritos,
Elevando-os às alturas:
Dou corpos às sepulturas,
Dou almas para a amplidão!»


15 A Morte é transformação,
Tudo em seu seio revive:
Esparta, Tebas, Nínive,
Em queda descomunal,
Revivem na velha Europa;
E como faz às cidades,
Remodela humanidades
No progresso universal.


Castro Alves


Texto extraído da 6ª edição desse livro. — Revista e ampliada pelos autores espirituais.

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