O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Porto de alegria — Familiares diversos


1


José Luiz — Modigliani de volta

Assistindo a uma demonstração de pintura mediúnica, na Associação Cristã de Cultura Espírita “Os Caminheiros”, em São Paulo, com a presença de uma TV do Canadá, em 2 de dezembro de 1978, Dª Nelly Capraro Marques Ferreira ficou profundamente emocionada e surpresa ao ver Luiz Antônio Gasparetto pintar um Cristo em azul, assinado por Modi (assim Modigliani assina, de forma simplificada, muitos dos seus trabalhos, pela psicopictografia de Gasparetto), muito semelhante a uma pintura de seu filho José Luiz, realizada em dezembro de 1971, poucos meses antes de sua desencarnação.

A constatação, daquela semelhança, iniciou-se desde os primeiros traços do lápis-cera azul do médium…, chamando, com veemência, a atenção do esposo, que a acompanhava naquela reunião. E o traço vertical, na base da figura, também presente na tela de José Luiz, foi o coroamento, foi a certeza no coração de Dª Nelly.

A pintura de Modigliani teve a duração de um minuto e 30 segundos, apresentando um Cristo, em linhas gerais, muito semelhante ao de José Luiz, porém, mais etéreo, emitindo raios de luz de sua mente e de seus olhos.

Ao término do estafante trabalho mediúnico, com a pintura de dezenas de telas, com as mãos e com os pés, Dª Nelly dirigiu-se ao médium expondo-lhe a questão da semelhança, e Gasparetto mostrou-se surpreso com a narrativa daquela mãe tão convicta, e igualmente surpreso por ter pintado Cristo.

Já no próprio recinto daquela memorável reunião, após a grande emoção, o casal começou a dialogar, buscando uma luz que esclarecesse a questão. Por que a semelhança das telas? Era a dúvida angustiosa. Lembraram-se de que ali chegaram impulsionados por uma força inexplicável, pois tinham em pauta, para aquele dia, dois convites: um deles, de um amigo, para assistirem àquela demonstração de Gasparetto, desejo acalentado por ambos desde que leram uma reportagem a respeito daquele trabalho mediúnico; o outro, para comparecerem a um casamento no interior do Estado, em Limeira. Valorizaram tanto esse último convite que chegaram a se deslocar de São Paulo, onde residem até hoje, e somente lá, em Limeira, poucas horas antes da festa, firmemente, decidiram regressar à Capital para assistirem à demonstração de Gasparetto! O amigo que os convidara não estava presente, mesmo assim conseguiram penetrar no recinto e lá permaneceram. Tudo indicava, então, que aquela reunião mediúnica, programada pelo Mais Alto, reservava algo importante para eles…

Diante daquele fato inesperado, o querido filho José Luiz teria sido, em vida anterior, o célebre pintor Modigliani?

Reforçando essa possibilidade, o casal recordou-se das palavras de Chico Xavier, em uma das últimas visitas ao querido médium, em Uberaba — que já havia psicografado uma carta de José Luiz, poucos meses após sua desencarnação, — quando ele afirmou acreditar que a próxima manifestação do jovem seria artística.


A dúvida continuava… e quem melhor para desfaze-la do que Chico Xavier?

Logo após a inesquecível reunião da capital paulista, Dª Nelly e esposo demonstraram interesse em possuírem a tela assinada por Modigliani, mas Gasparetto não pôde atender-lhes, pois, segundo o médium, ela seria objeto de estudos. Porém, pouco mais de um ano depois, a emprestou para que fosse mostrada ao médium Chico Xavier.

Numa primeira viagem a Uberaba, após esse empréstimo, o casal mostrou-lhe as telas Cristo em Azul, de Modigliani e de José Luiz, e narrou os fatos ao médium, que se limitou a dizer que aquela pintura pertencia, de fato, à Dª Nelly, afirmando:
— “Ele a pintou para a senhora.”

Mas, se ainda restava alguma dúvida ao casal, ela foi totalmente desfeita na visita posterior, quando Chico, no final da reunião pública de sexta-feira, 15 de outubro de 1982, disse-lhes:
— “Preciso muito falar com vocês, amanhã cedo.”

E, realmente, no dia seguinte, o médium recebeu-os em sua residência, às 11 horas, em companhia do casal Weaker e Zilda Batista, e contou-lhes:
— “Um Espírito levou-me à França e lá estive numa praça, com muitas pessoas, onde estavam expostas várias telas. Observei que as obras de arte tinham a assinatura “Modigliani”. Destacava-se, de um grupo, um moço alto e bonito. Dirigi-me, então, ao Espírito amigo que me conduzia e perguntei-lhe:
— Eu conheço esse moço — e ele respondeu-me:
— Conhece, sim.
— Mas, eu conheço este moço no Brasil.
— Exatamente, este moço, no Brasil, foi o José Luiz.” n

E Chico Xavier concluiu sua narrativa com estas palavras:
— “Dona Nelly, foi em Paris que eu vi isso. Foi em Paris.”




JOSÉ LUIZ MARQUES FERREIRA


José Luiz Marques Ferreira nasceu em Ribeirão Preto, SP, a 6 de março de 1950, filho do engenheiro-agrônomo Dr. José C. G. Marques Ferreira e de Da. Nelly C. Marques Ferreira, residentes em São Paulo, SP, na Alameda Ministro Rocha Azevedo, 644 — Apart. 134.

Deixou o Plano Físico com apenas 22 anos, a 5 de agosto de 1972, em Campinas, SP, 26 dias após grave acidente automobilístico em Iracemápolis, SP.

Sempre foi amoroso para com seus pais e familiares, tendo um carinho muito especial por sua irmã Nelise Maria, pelo seu cunhado Nelson e pelos sobrinhos Nelsito e Luciana, deixando, portanto, saudades profundas em seus entes queridos.

“Era um moço tranquilo, exercendo liderança entre seus amigos sem impor nada.” — afirma seu progenitor. Responsável e estudioso, cursou engenharia civil na Universidade de Brasília, por algum tempo, abandonando-a por considerar “a engenharia muito fria” optando por arquitetura, que, então cursava, quando desencarnou.

Revelava-se espiritualizado. Usava muito a expressão “religiosos de fim-de-semana”, entendendo que sua geração esperava algo mais do que esta vida. Nas vésperas de seu último Natal, ao ver sua mãe preparar a sala com vistas a uma recepção de amigos para um almoço, falou-lhe: “— Não ponha nada desses enfeites de Natal, que é tudo comércio. Vou pintar um quadro que você vai gostar muito.” E sua mãe relata: “— Ao faze-lo, surpreendeu-me com um Cristo tão grande, que me impressionou tanto, a ponto de julgá-lo triste e ter a impressão de que não conhecia meu filho, tal a profundidade daquele presente. E como esperava algo alegre, indaguei-lhe: — Você está com algum problema? E ele, calmamente, respondeu-me com uma pergunta: “— Qual é o verdadeiro espírito do Natal? Não é Jesus?” Então, ele mesmo colocou o Cristo na sala de jantar, no local desejado. Poucos dias antes, havia pintado na casa de sua irmã Nelise Maria um outro Cristo em crayon, maior do que o Cristo em Azul, deixando-o lá sem nada dizer.”

O seu sentimento fraternal, aliado a um senso aguçado de responsabilidade para com a saúde, se exteriorizaram, muitas vezes, na preocupação com colegas ou amigos que se iniciavam no uso de drogas, conforme esse esclarecimento de seu progenitor:  n “O José Luiz tinha verdadeiro horror a tóxicos, e sempre dizia à sua mãe: “— A senhora, que é amiga de Fulana avise-a que seu filho está começando na droga.” Ele tinha uma liderança muito grande para afastar os colegas, os amigos, das drogas.”

Outra faceta da vida de José Luiz, só conhecida após seu desenlace, era o trabalho silencioso que ele e um grupo de colegas realizava, nas noites de São Paulo, distribuindo cobertores aos albergados debaixo de pontes e viadutos.

Após o grave acidente de 9 de julho de 1972, ele permaneceu internado no Hospital Vera Cruz, de Campinas, SP, com várias fraturas, inclusive da coluna vertebral, durante quase um mês, até a desencarnação, que foi ocasionada por meningite e embolia gordurosa. Durante toda a internação, com exceção dos últimos dias, ele esteve lúcido, “levantando o moral dos médicos e dos que o visitavam.”




JOSÉ LUIZ E A POESIA


Muito jovem, José Luiz demonstrou pendor para a POESIA. Seus pais guardam, carinhosamente, algumas dezenas de suas composições poéticas, sendo as mais antigas datadas de 1966, quando ele estava com apenas 16 anos.

Uma delas, de 1967, intitulada Fome, “é uma síntese para os dias de hoje”, na interpretação do Dr. José Marques Ferreira. Quando se refere às mil guerras, seria ainda um reflexo dos dias dolorosos da I Guerra Mundial (1914-18), vivida intensamente por Modigliani em Paris?


Fome


   Fome de paz.
Fome de amor.
A fome que consome
A humanidade que some,
Nas mil guerras sem nome.
Greve de fome,
Em nome
Do brasileiro que não come. (1967)


A sua preocupação com as guerras aparece também na poesia Se eu pudesse, uma das suas primeiras composições, aos 16 anos de idade.


Se eu pudesse


   Se eu pudesse acabar com as guerras
Eu o faria…
Construiria um planeta,
Onde tudo seria paz e alegria!
Onde todos pudessem viver e morrer
Com serenidade.
Seria um planeta onde tudo seria lindo
Como as flores,
E forte como o aço.
Seria um planeta
Onde só haveria homens bons e justos.
Um planeta de solos férteis,
Cujas colheitas seriam abundantes, fartas,
Para todos.
Se eu pudesse…
Eu construiria um planeta
Lindo como um jardim,
Resplandecente como o sorriso de mulher amada. (1966)


Aos 17 anos já se preocupava com as questões filosóficas do destino e da dor…


Meditação


   Meditação transcendental
Do certo contra o errado.
Minha meditação.
E não adianta me dizer
Que é duro viver,
Pois disso, há muito, já estou certo.
O que me interessa é saber
Se esse duro sofrer
Dalguma valia é.
Pois quê?! (1967)


Jovem filósofo, ele exclamou Eureka ao vislumbrar a morte como sinônimo de Vida Eterna…


Eureka


   Philips, GE ou… Philco?
Aqui, lá ou na China?
Com ou sem molho?
Isso não interessa.
Nada disso é importante,
Pois, de qualquer jeito,
E em qualquer lugar,
A morte sempre sucede a vida.


   Eis, pois, que o estado normal
É a morte,
Sendo a vida um rápido
E passageiro distúrbio
Na ordem natural das coisas. (1970)


Ouçamos os anseios de desprendimento de um poeta analista da Vida e saudoso da Verdadeira Vida Espiritual…


Aspiração


   Vai alma, voa
E deixa este corpo para trás.
Vai alma, leve, e cruza
Esta fossa matéria.
Lua amiga e parceira fiel,
Cavalgue, com minh’alma doida,
Por este universo vazio.
E seja para ela uma boa pousada,
Nesta utópica cruzada,
Que é a vida entender. (1972)


Ainda os mesmos anseios… acrescidos, agora, de uma premonição, dois anos antes do seu final de existência terrena?


Bicho loco


   Divirto-me ouvindo o rude som
De um capotamento.
As luzes girando,
Os choques, as pancadas.
O silêncio posterior.


   Vão chegando e perguntando:
— Morreu?
— Infelizmente, não.
— Precisa de ajuda?
— Obrigado, já chamei a radiopatrulha.


   Olho para o carro,
Todo amassado.
Gozado, ele ficou mais real.
Parece vivo.
Parece a própria vida.


   Antes a curva,
A derrapagem.
O canto lúgubre dos pneus.
Um curto voo.
As luzes girando.


   Ah! gravidade!
Por que me prendes?
Preciso tanto voar! (1970)


Vimos em Se eu pudesse, escrita aos 16 anos, a referência ao “sorriso de mulher amada.” Estaria recordando um grande amor de vida anterior? No ano seguinte, ele escreveria a curtíssima, mas expressiva:


Na ausência dos carinhos dela


   Ausência.
Ausência de paz.
Ausência de amor.
Tua ausência. (1967)


Encerrando esta rápida amostragem do trabalho poético de José Luiz, apresentaremos a interessante Aminofilina (nome comercial de um produto farmacêutico, contendo teofilina, que ele muito usou no combate à sua bronquite asmática), que revela o seu espírito crítico, análise fiel dos efeitos colaterais dos medicamentos efedrina e teofilina, na proporção usualmente utilizada.


Aminofilina


   Meu coração palpita.
Palpita inutilmente.
Não vibra por ninguém, não.
Ele vibra pela efedrina,
25 mg, e pela teofilina, 130 mg.
Ah! Que feliz combinação,
Uma química de coalizão,
Que tira do peito a prisão.


   É, mas meu pé está frio.
Minhas mãos estão gelando.
O corpo todo se modifica…
Mas o peito…ilusão.
Ele também freme e luta
E não vence o vírus, a bactéria
E a poluição.
E o cérebro, então?!
Este que ordena esta frase
Está mal, muito mal.


   A excitação aumenta e o frio também.
Acho que estou num ciclo doido,
De mal-estar geral
A mal-estar total. (1970)




JOSÉ LUIZ E A PINTURA


Sua vocação para a PINTURA foi precoce, demonstrando facilidade em desenhar desde os primeiros anos escolares.

Deixou, aproximadamente, 40 telas, incluindo trabalhos com aquarela, guache, crayon e colagem, embora tenha frequentado apenas algumas aulas, aos 15 anos, na Panamericana de Artes, de São Paulo. Sofreu de bronquite alérgica, apresentando também hipersensibilidade às tintas, forçando-o a abandoná-las nas primeiras tentativas. A maioria de seus trabalhos foi encontrada depois de seu desenlace, e muitos não foram intitulados nem interpretados por ele aos seus familiares.

Para seus pais, Cristo em Azul, pintado por José Luiz, 7 meses antes de sua desencarnação, é o seu trabalho mais expressivo: “Sempre foi o veículo de comunicação e de conforto para todos os seus íntimos. Pensamos que ele queria deixar uma lembrança especial, um elo permanente com a sua família.” Seu progenitor providenciou 200 cópias desse quadro, no tamanho natural, e as distribuiu entre os familiares e amigos.

Reproduziremos, ao lado, e nas páginas seguintes [Vide livro impresso às págs. 27-30], alguns trabalhos artísticos de José Luiz.

Harmonia, com suas paralelas que levam ao Infinito, formando cruzes, inspirou o seu jazigo em Limeira, SP.

Curiosamente, na pintura a figura humana estilizada, que representa o Bem, em contato direto com a boca de um canhão (o Mal), tem as suas pernas em forma das letras F e E. Evidentemente, as linhas pontilhadas indicam a movimentação e o esforço do Bem contra o Mal, tendo como sustentação a Fé.

Duas Faces, em estilo cubista, apresenta as duas faces do homem, a boa e a má, interiorizadas na figura humana, colocadas face a face. Seu pai recorda-se de um episódio, quando José Luiz, tranquilamente, sentenciou: “Calma, todo o mundo tem alguma coisa de bom…” Mais tarde, após o desenlace, encontraram, entre os seus guardados, a tela que denominaram Duas Faces.

Presépio é um interessante trabalho de colagem, mostrando um dos Reis Magos, de joelhos, diante da manjedoura, cercados por José e Maria. Entre Maria e a manjedoura, um burrinho aquece o Recém-Nascido.

Vida (1971) no original é a cores, com a esfera central e o espaço que circunda as esferas em amarelo, e as demais esferas em marrom, com tonalidades que se acentuam no sentido centro-periferia, lembrando-nos um foco de luz iluminando a matéria que o cerca… Parece-nos que essa tela está em perfeita sintonia com esse pensamento de José Luiz, expresso em sua carta mediúnica que veremos adiante: “No íntimo, eu sabia que outra vida palpita e brilha, por dentro e por fora da vida terrestre. Não era o conhecimento religioso que me fazia assim, nessa forma de saber sem haver aprendido. Era a intuição, a certeza de que Deus é a Luz do Universo.”

Na pintura Sem título, feita em guache, nos tons azul e branco, José Luiz teria representado O Cristo, de costas, em algum de seus momentos de solidão, em profunda meditação?

No seu aniversário de 6 de março de 1972, último comemorado com a família terrena, ele recebeu de sua mãe o presente que havia pedido: um estojo completo de instrumentos para a prática da ESCULTURA.

Desencarnado poucos meses depois, apenas iniciara alguns trabalhos e chegara, mesmo, a solicitar alguns tocos de madeira do Horto Florestal.




A CARTA-MENSAGEM


Na tarde de 13 de outubro de 1972, apenas setenta dias após seu desenlace, José Luiz enviou pela psicografia de Francisco Cândido Xavier, na própria residência do médium, elucidativa e confortadora CARTA MEDIÚNICA, abaixo transcrita.

Essa mensagem trouxe muita paz aos seus pais, mais energia à Dª Nelly, que, segundo suas palavras, “estava péssima”, em tratamento com tranquilizantes e medicamentos para o coração.

A respeito, o Dr. José Marques Ferreira, seu progenitor, no já referido Programa de Televisão: Especial com Chico Xavier, de 25 de dezembro de 1987, assim se pronunciou: “O Chico foi um divisor de águas na nossa vida, ele foi a bengala que nos permitiu continuar a caminhar: Que este Natal traga ao Chico muita alegria, e Deus permita que ele continue com sua “moratória” como ele mesmo afirma, por muitos e muitos anos, porque precisamos muito dele. Chico é um irmão querido.”


1 Mamãe, meu pai, abençoem-me. Ana Maria n auxilie-me.

2 Estou aqui, ainda convalescente, ainda sem a forma necessária para fazer-me sentir como desejo. Não podia ser de outro modo.

3 O tempo! Quem diria que em três meses tudo estaria modificado! Mas é assim mesmo. A Terra é um campo de mudanças. Mundo de linhas alteráveis. Tudo em constante transformação, inclusive nós mesmos.

4 Vocês já sabem. Estou ainda em tratamento, hospitalizado. Mãezinha visitou-me e verificou isto. n Antes de vir para cá, eu já sabia que muitos sonhos são viagens. Viagens — estudos, viagens — reencontros.

5 Ainda não consigo concatenar meus pensamentos com segurança. Penso que todos aqueles que deixam o corpo físico na juventude, quando isso se efetua de improviso, são obrigados a refazer a memória. Não me sinto, porém, tão estranho, a ponto de não ouvir as súplicas de mamãe, noite a noite, dia a dia.

6 Ah! Mãezinha, descanse. Meu pai, não se aflija assim tanto! 7 Não é a morte do corpo essa tragédia com que tanta gente no mundo busca ideá-la. Não. Não sejamos ingratos, perante Deus. 8 A saudade existe, a dor é uma realidade, a aflição tem vida própria, a lágrima é a nossa companheira de caminhada, mas se a fé brilha no coração tudo isso é experiência.

9 Mãezinha, não me busque chorando no espólio de minhas lembranças. Quando conversar comigo, através dos retratos, fale ao seu filho de esperança e coragem; e quando pense no lugar que me guarda os restos, medite nas sementes germinadas que falam da vida imperecível.

10 Estou ainda ligado à casa. Sei tudo o que falam a meu respeito. Como isso é, não sei. Tenho a ideia de que são fios ligados entre nós, fios de que a gente na Terra não tem a mais leve informação.

11 Ajudem-me. Recordem nossa alegria, nossa confiança em Deus e no futuro. 12 Afinal não estou morto. Antecipei-me a vocês. É tudo o que posso deduzir das verdades novas que a vida nos confiou.

13 Quando vocês estão mais corajosos, sinto-me mais forte. Quando choram (e tanto choram um à distância do outro, sem que se vejam, conquanto eu veja os dois) o pranto me nasce também do espírito. 14 Busquemos a renovação que as circunstâncias nos impuseram. Aceitação, querida mamãe. Conformidade, papai querido. 15 E convertamos o tempo em serviço no bem ao próximo, arrancando essa bênção de nossos conhecimentos, como se extrai a música da pauta.

16 Tudo passou. O dia é novo. As horas são outras.
Graças a Jesus e aos nossos Amigos Espirituais, ganhei, mais ou menos, vinte dias para trocarmos ideias antes do “até logo” de 3 de agosto. n Sei que era 3 de agosto por informes daqui.
17 Naqueles momentos últimos, a mente parecia dormir numa atitude crepuscular. 18 Achava-me como que num portão entre dois mundos. Ouvia sem falar. Compreendia sem a menor possibilidade de esclarecer. 19 Isso aconteceu, até que um sono bom me acolheu de todo.

20 Creio que não me contaram aí toda a extensão do acidente, pois apenas aqui, vou sabendo minúcias, pouco a pouco. 21 Despertando, julguei me tivessem arrancado à Casa de Saúde para o lar de Nelise. n Chamei por mamãe, primeiro; gritei por meu pai; no entanto, uma senhora simpática se adiantou para tranquilizar-me com um beijo. — “Você não pode lembrar-me, meu filho” — disse com imensa ternura, — “mas carreguei seu pai nos braços e sou sua avó Amélia.” n

22 As lágrimas me vieram do coração ao rosto. Entendi tudo, num relance. No íntimo, eu sabia que outra vida palpita e brilha, por dentro e por fora da vida terrestre. 23 Não era o conhecimento religioso que me fazia assim, nessa forma de saber sem haver aprendido. Era a intuição, a certeza de que Deus é a Luz do Universo.

24 Minha avó acomodou-me no colo, abraçou-me como se eu fora criancinha outra vez e, então, a nossa Madre Coração de Jesus conversou comigo. n Oh! Mãezinha. Eu revi vovó Eugênia… n

25 Oh, meu pai! Que palavras na Terra poderão contar isso? Que frases conseguiriam dizer este amor que nos reúne uns aos outros em “outra vida”, longe da vida que conhecemos no mundo.

26 Claro que vocês, os amados que ficaram, me possuíam os pensamentos. Não sei, até agora, onde a emoção é mais forte — se junto dos que deixamos ou se ao pé daqueles que a morte nos restituiu.

27 Amigos outros vieram e até mesmo o nosso generoso Dom Mousinho n apareceu para abraçar-me. Perguntei por Dimas; n no entanto, até hoje nada sei.

28 Que desejo de voltar àquele dia para dizer a todos que estou vivo! Iracemápolis, a reunião, o carro, a garagem, as jovens na estrada e um caminhão que nos defrontava!… n Depois, o esforço tremendo para defender a cabeça de um golpe mortal e; em seguida, a coluna que entendi alterada desde o choque…

29 Queridos, amigos nossos não permitem que me recorde agora. Seria muito esforço! 30 Mãezinha, creia em Deus e na vida. Façamos uma estrada nova em nosso favor.

31 Ana Maria, agradeço a você por ter vindo. Continue ajudando aos meus pais.

32 A vida espiritual é uma construção para o trabalho gradativo do dia a dia! 33 Hoje, sei que o caminho para os mundos novos é pavimentado em obras de amor. Arquitetemos o bem, edificando o bem! 34 Tudo é belo, quando criamos a beleza em nós para doar beleza e felicidade aos que nos cercam! n

35 Lembranças a todos os nossos, com um beijo aos sobrinhos. Hoje, aniversário de Luciana n — dizem-me aqui. Sim, aniversários são festas, marcos de luz, tanto os do berço, quanto aqueles outros que a morte nos grava nos corações.

36 Não consigo ser mais extenso. Prometo melhorar-me. Afirmo-lhes que estou bem. Se não posso dar presença mais ampla no que escrevo e no modo em que me expresso, é que estou ainda sob o auxílio preciso para fazer-me sentir.

37 Mãezinha, papai, auxiliem-me com a esperança e a resignação. Estamos presentemente mais juntos. E juntos construiremos o novo lar do amanhã com os materiais do bem ao próximo.

38 Aqui, tudo é amor, tudo paz e alegria, segurança e fé! 39 Só a saudade de casa — de “casa” que quer dizer “a falta de vocês” ainda me dói e dói muito, mas a fortaleza de vocês, amados de meu coração, me fará mais forte, pois só o pensar que lhes dou notícias já me faz consolado e quase feliz.

40 Abençoem-me. E guardem o coração do filho reconhecido que tudo lhes deve e que lhes será companheiro, com a Bênção de Deus, agora e para sempre,

José Luiz


NOTAS E IDENTIFICAÇÕES


1 — Ana Maria — Sra. Ana Maria Bechelli Hetem, residente em Ribeirão Preto, SP, grande amiga da família, foi quem conduziu o casal a Uberaba.


2 — Estou ainda em tratamento, hospitalizado. Mãezinha visitou-me e verificou isso. — Dª Nelly confirma que, em sonho, viu-se deslocando num veículo diferente dos conhecidos na Terra, até que chegou a um local, do qual quase nada se lembra, onde José Luiz estava deitado num leito. Não se recorda do diálogo com o filho.


3 — Ganhei, mais ou menos, vinte dias para trocarmos ideias antes do “até logo” de 3 de agosto. — Ele esteve hospitalizado, após o acidente, 27 dias. Dia 1.º de agosto ele entrou em coma. A partir do dia 3, às 15 horas, sua vida física passou a depender totalmente de aparelhos. E, no dia 5, houve o desenlace total.


4 — Nelise — Nelise Maria, irmã. Mãe de Nelsito e Luciana.


5 — Avó Amélia — Amélia Guimarães Marques, avó paterna, desencarnada em Bragança Paulista, a 8/11/1970.


6 — Nossa Madre Coração de Jesus conversou comigo. — Madre Sagrado Coração era ligada ao Colégio Santa Úrsula, de Ribeirão Preto, onde foi professora. José Luiz a conheceu, na sua infância e juventude, chamando-a de Tia Freira.


7 — Vovó Eugênia — Eugênia Marins Capraro, avó materna, desencarnada em Palmeira, PR, a 8/12/1969, aos 67 anos. Ela dedicava um carinho especial a José Luiz, dando a clara impressão de ser muito ligada espiritualmente a ele. Tanto é que Dª Nelly, ao receber a carta mediúnica surpreendeu-se de não ter sido ela quem primeiro amparou o jovem. Em diálogo conosco, lembramo-lhes que a emoção do reencontro, daqueles que muito amam, pode prejudicar a tarefa de auxílio, que requer muito equilíbrio. O próprio José Luiz comentou em sua carta: “Não sei, até agora, onde a emoção é mais forte — se junto dos que deixamos ou se ao pé daqueles que a morte nos restituiu”.


8 — Dom Mousinho — Dom Luiz do Amaral Mousinho. (Timbaúba, PE, 1912 — Ribeirão Preto, SP, 1962) foi o 3.º Bispo e o 1.º Arcebispo de Ribeirão Preto.


9 — Dimas — Dimas guiava o carro, na hora do acidente, falecendo no local.


10 — Iracemápolis, a reunião, o carro, a garagem, as jovens na estrada e um caminhão que nos defrontava!… — O acidente ocorreu em Iracemápolis, SP, após um almoço, oferecido por Nelise, que reuniu muitos amigos. Dimas convidou José Luiz para se dirigirem à sua residência, onde lhe mostraria o seu novo carro. Na volta, a traseira de um caminhão, que cruzava a estrada, foi colhida pelo carro de Dimas. Bem próximo ao local do acidente transitava, de bicicleta, um grupo de moças.


11 — Tudo é belo, quando criamos a beleza em nós para doar beleza e felicidade aos que nos cercam! — Grande artista que é, profundo conhecedor do belo, Modigliani/José Luiz, agora na vida real, mostra-nos uma visão perfeita da beleza completa e imperecível.


12 — Hoje, aniversário de Luciana — dizem-me aqui. — Luciana, sobrinha, filha de Nelise, aniversariava no dia do recebimento desta Carta.


13 — Premonições — Em recente entrevista conosco, em Araras, a 15/7/1989, Dª Nelly contou-nos suas três premonições, ocorridas no período de três meses que antecedeu o grave acidente, que levou o filho à desencarnação, não reveladas a ninguém, na época das mesmas.
a) “Em sonho nítido, minha avó Higina, que residia em Curitiba, PR, apareceu-me e disse: “— Eles vão levá-lo.” Sem entender a mensagem, perguntei-lhe: — Vão levar a senhora? “— Não. Eles vão levá-lo.” — A senhora está do lado de Lá? — a seguir, ela apenas limitou-se a dar-me notícias de minha mãe Eugênia, já falecida: “— Ela está muito bem.” No dia seguinte, telefonei a Curitiba pensando que, talvez, minha avó, já muito idosa, não estivesse bem de saúde, mas não havia novidade. Estava bem.”
b) “Tio Luiz, padrinho de casamento, então falecido, apareceu-me, nítido, iluminado, em minha cozinha, e conversou comigo. A visão foi curta e não entendi sua mensagem. Próximo de minha grande dor, ele queria lembrar-me de que a alma é imortal e pode manter contato com familiares que ficaram na Terra?”
c) “Em sonho, tive uma visão nítida: vi o carro, o asfalto, a árvore… José Luiz sentado, no banco da frente, ao lado de um senhor com mais idade do que ele (seria o Dimas, de 42 anos). Houve o acidente, e logo em seguida meu filho apareceu-me esticado no gramado, mas falava alguma coisa. Alguém dizia: “— O outro morreu, o outro morreu.” José Luiz estava vivo.” Essas abençoadas premonições, com certeza supervisionadas por Protetores Espirituais, sob a Justiça e Misericórdia Divinas, prepararam o íntimo de Dª Nelly, amortecendo o duro impacto da provação que a aguardava. Ela também não se esquece (e já passaram 17 anos!…) da última troca de olhar com seu filho, na véspera do acidente. Foi diferente, impressionante, inesquecível…”


14 — Agradecimento — “As águas correm para o mar, assim como muitas mães, que perderam entes queridos, deságuam seus desesperos em Chico Xavier — bálsamo tranquilizante e norte de fé. Dele jorram as novas vidas que palpitam e brilham na fé e na certeza da Eternidade. Sim, porque a distância que nos separa dos queridos filhos desaparece, surgindo a vida, novamente, através desse amado médium. Não temos como agradecer-lhe perfeitamente, mas do fundo, do imo do nosso ser, expressamos: Obrigada, Chico, irmão e amigo. “Tudo é belo, quando criamos a beleza em nós para doar beleza e felicidade aos que nos cercam!…” eis Chico Xavier.


Nelly C. Marques Ferreira.”




ANEXO AO CAPÍTULO I


AMEDEO MODIGLIANI


A recente exposição “Arte Italiana no Século 20” na Royal Academy of Arts, em Londres, reservou uma sala dedicada exclusivamente ao pintor e escultor Modigliani, com oito quadros e duas esculturas, porque, segundo os organizadores da mostra, “a arte de Modigliani sempre se sobressaiu em comparação com a de seus contemporâneos.”

Analisando a presença de Modigliani nessa exposição, A. C. Seidl, de Londres, assim se expressou: “Tal como outros artistas italianos que percorreram Paris para seu treinamento artístico, Modigliani geralmente aparece no contexto da vanguarda francesa. Na exposição da Royal Academy, ele aparece dentro da evolução do modernismo italiano.” (Folha de S. Paulo, S. Paulo, SP, 26/3/1989.)

Em 1988, esse mesmo periódico paulistano, deu destaque à venda do Retrato de Mário, pintado por Modigliani em 1919, num leilão de Londres, pela quantia fabulosa de 8,9 milhões de dólares. E a reportagem destacou que essa tela foi uma das últimas criações do artista, quando já se encontrava enfermo, passando dolorosas privações…


Modigliani nasceu em Livorno, Itália, a 12 de julho de 1884.

Sempre foi uma criança frágil e doente. Sofreu bronquite asmática.

Sua mãe, muito culta, familiarizou-o com os poetas românticos e simbolistas. “Mais tarde, em Paris recitava para os amigos versos tão bonitos e pessoais quanto suas pinturas.”

Com forte inclinação para a pintura, muito jovem iniciou o seu aprendizado. Em 1902 e 1903, estuda nas Escolas de Belas-Artes de Florença e de Veneza, respectivamente. E, em 1906, é atraído pelas luzes culturais de Paris, para aí se dirigindo, época em que se sentia “dominado pelo brotar e desaparecer de energias fortíssimas”, segundo suas palavras escritas a um amigo.

Na Cidade-Luz, residiria até os seus últimos dias terrenos, com exceção de um pequeno período, no ano de 1909, em que esteve de regresso à terra natal.


Quando Modigliani esteve de volta a Livorno “enfrentava sérias dificuldades financeiras, sua saúde já se ressentia dos excessos de álcool e de drogas, e da falta de alimentação e repouso.” Foi aí que ele teve, motivado por Brancusi, a sua primeira experiência como escultor, inspirado na arte negra e na estatuária primitiva que os antropólogos descobriram. “Modigliani também é apreciador da arquitetura, mas, diversamente de Brancusi, se interessa quase exclusivamente pela figura humana.” Mas, a troca dos pincéis pelo cinzel não foi bem sucedida.

No ano seguinte, novamente em Paris, ele voltará a esculpir, mas só esporadicamente, em madeira e pedra. Porém, graças à essa experiência, Modigliani “pôde expandir, na pintura, seus verdadeiros meios de expressão, completar sua procura de um ideal plástico.” Da arte dos povos africanos, reteve o sistemático rosto oval, o pescoço comprido, o volume decidido e retilíneo do nariz — que tanto caracterizam seus retratos. “Mas incorporou também as lições estéticas dos antigos celtas, das civilizações pré-colombianas, das culturas do Oriente — os ancestrais da arte moderna. (…) Rompeu com o academicismo para estreitar os laços com a Academia Universal, com as revelações e conquistas de vários milênios de história da arte.”


A Primeira Guerra Mundial (1914-18) muito afetou a vida de Modigliani. Muitos de seus amigos saíram de Paris e o auxílio financeiro que recebia da Itália tornou-se cada vez mais irregular. “Foi então que conheceu seus piores anos de miséria.”

Em 1917, ele conheceu a jovem pintora Jeanne Hébuterne, a quem dedicou terna e profunda afeição. “Ele a amou e a pintou com toda a doçura de que era capaz.” Jeanne, sempre esposa devotada, deu-lhe uma filha em novembro de 1918.

Em fins de 1919, com a saúde já debilitada, contraiu pneumonia, quando a Europa enfrentava terrível inverno. E aos 25 de janeiro de 1920, veio a desencarnar de meningite tuberculosa, no Hospital de La Charité. Ao receber a notícia de sua morte, Jeanne, grávida do segundo filho, dirigiu-se ao apartamento de seus pais, no quinto andar de um prédio, e atirou-se pela janela.

“É possível dizer da vida breve de Amedeo Modigliani que tenha sido uma sucessão de caprichos, bebedeiras e derrotas. De miséria e de tristeza. Muitos de seus contemporâneos o consideravam um boêmio conservador, que buscava uma impossível reconciliação entre a tradição e a audácia. Enganaram-se. O verdadeiro Modigliani passou perto deles, quase invisível, como um personagem de conto de fadas, que dissimula sua identidade como um príncipe com roupa de vagabundo.”



Bibliografia

1. Gênios da Pintura-Modigliani, Abril Cultural, São Paulo, SP.

2. Os Grandes Artistas — Modigliani, Nova Cultural, São Paulo, SP.

3. Modigliani, Aldo Santini, 1ª ed., Rizzoli, Milano, Itália, 1987.



[1] [Vide a semelhança dos traços fisionômicos de José Luiz com uma pintura retratando Modigliani, mais ou menos com a mesma idade, às págs. 18 e 19 do livro impresso.]


[2] Proferido no Programa Terceira Visão, “Especial com Chico Xavier”, da Rede Bandeirantes, São Paulo, SP, levado ao vídeo na noite de 25/12/1987, e reapresentado a 04/01/1988, quando foram mostradas aos telespectadores as duas telas Cristo em Azul de José Luiz e Modigliani, bem como as duas imagens semelhantes de José Luiz (foto) e Modigliani (tela Hommage aux amis de Montparnasse). Ver Anuário Espírita 1989, pp. 51-59.


Hércio Arantes


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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