O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Os mensageiros — André Luiz


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Mãe e filhos

(Sumário)

1. No comentário evangélico, eu recolhia observações interessantes. Tal como no caso de Ismália, quando lhe ouvíamos a sublime melodia, a interpretação de Fábio estava cheia de maravilhas espirituais que transcendiam à capacidade receptiva de Dona Isabel. A viúva de Isidoro parecia deter tão somente uma parte.

2 Desse modo, as crianças recebiam a lição de acordo com as possibilidades mediúnicas da palavra materna, enquanto que a nós outros se propiciava o ensinamento com maravilhoso conteúdo de beleza.

3 Sempre solícito, o instrutor esclareceu:

— Não se admirem do fenômeno! Cada qual receberá a luz espiritual conforme a própria capacidade. Há muitos companheiros nossos, aqui reunidos, que registam o comentário de Fábio com mais dificuldade que as próprias crianças. Experimentam, ainda, grandes limitações.

4 Havia grande respeito em todos os desencarnados presentes.

Fábio Aleto sentou-se em plano superior, ao passo que Isidoro se acomodava junto da esposa, no impulso afetivo do pai que se aproxima, solícito, para a conversação carinhosa com os filhos bem-amados.


2. Nesse instante, a pequenina Marieta, que parecia haver atingido os sete anos, aproveitando o momento de palavra livre, perguntou à mãezinha, em tom comovedor:

— Mamãe, se Jesus é tão bom, porque estamos comendo só uma vez por dia, aqui em casa? Na casa de Dona Fausta, eles fazem duas refeições, almoçam e jantam. Neli me contou que no tempo de papai também fazíamos assim, mas agora… Por que será?

2 A viúva esboçou um sorriso algo triste e falou:

— Ora, Marieta, você vive muito impressionada com essa questão. Não devemos, filhinha, subordinar todos os pensamentos às necessidades do estômago. Há quanto tempo estamos tomando nossa refeição diária e gozando boa saúde? Quanto benefício estaremos colhendo com esta frugalidade de alimentação?

3 Joaninha interveio, acrescentando:

— Mamãe tem toda a razão. Tenho visto muita gente adoecer por abuso da mesa.

4 — Além disso, — acentuou Dona Isabel, confortada, — vocês devem estar certos de que Jesus abençoa o pão e a água de todas as criaturas que sabem agradecer as dádivas divinas. 5 É verdade que Isidoro partiu antes de nós, mas nunca nos faltou o necessário. Temos nossa casinha, nossa união espiritual, nossos bons amigos. Convençam-se de que o papai está trabalhando ainda por nós.

6 Nessa altura da palestra, dada a nossa comoção, Isidoro enxugou os olhos úmidos.

Noemi, a caçula pequenina, falou em voz infantil:

— É mesmo, é verdade! Eu vi papai ajudando a segurar o bolo que Dona Cora nos trouxe domingo.

— Também vi, Noemi, — disse Dona Isabel, de olhos vivamente brilhantes, — papai continua auxiliando-nos.

7 E voltando-se para todos, acentuou:

— Quando sabemos amar e esperar, meus filhos, não nos separamos dos entes queridos que morrem para a vida física. Tenhamos certeza na proteção de Jesus!…

8 Marieta, parecendo agora absolutamente tranquila, obtemperou:

— Quando a senhora fala, mamãe, eu sinto que tudo é verdade! Como Jesus é bom! E se nós não tivéssemos a senhora? Tenho visto os pequenos mendigos abandonados. Talvez não comam coisa alguma, talvez não tenham amigos como os nossos! Ah! Como devemos ser agradecidos ao Céu!…

9 A viúva, que se confortava visivelmente, ouvindo aquelas palavras, exclamou com profunda emoção:

— Muito bem, minha filha! Nunca deveremos reclamar e sim louvar sempre. E possivelmente não saberia você compreender a situação, se estivéssemos em mesas lautas.

10 Observei, porém, que o menino não compartilhava aquele dilúvio de bênçãos. Entre Dona Isabel e as quatro filhinhas havia permuta constante de vibrações luminosas, como se estivessem identificadas no mesmo ideal e unidas numa só posição; mas o rapazote permanecia espiritualmente distante, fechado num círculo de sombras. 11 De quando em quando, sorria irônico, insensível à significação do momento. Valendo-se da pausa mais longa, ele perguntou à genitora, menos respeitosamente:

— Mamãe, que entende a senhora por pobreza?

12 Dona Isabel respondeu, muito serena:

— Creio, meu filho, que a pobreza é uma das melhores oportunidades de elevação, ao nosso alcance. Estou convencida de que os homens afortunados têm uma grande tarefa a cumprir, na Terra, mas admito que os pobres, além da missão que lhes cabe no mundo, são mais livres e mais felizes. 13 Na pobreza, é mais fácil encontrar a amizade sincera, a visão da assistência de Deus, os tesouros da natureza, a riqueza das alegrias simples e puras. 14 É claro que não me refiro aos ociosos e ingratos dos caminhos terrenos. Refiro-me aos pobres que trabalham e guardam a fé. 15 O homem de grandes possibilidades financeiras muito dificilmente saberá discernir entre a afeição e o interesse mesquinho; crente de que tudo pode, nem sempre consegue entender a divina proteção; pelo conforto viciado a que se entrega, as mais das vezes se afasta das bênçãos da Natureza; e em vista de muito satisfazer aos próprios caprichos, restringe a capacidade de alegrar-se e confiar no mundo.

16 Apesar da beleza profunda daquela opinião, o rapazola permaneceu impassível, respondendo algo contrariado:

— Infelizmente, não posso concordar com a senhora. Até os garotos do jardim de infância pensam de modo contrário.

17 Dona Isabel mudou a expressão fisionômica, assumiu a atitude de quem instrui com a noção de responsabilidade, e acentuou:

— Não estamos aqui num jardim de infância, meu filho. Estamos no jardim do lar, competindo-nos saber que as flores são sempre belas, mas que a vida não pode prosseguir sem a bênção dos frutos. 18 Por onde andarmos no mundo, receberemos muitos alvitres da mentira venenosa. É preciso vigiar o coração, Joãozinho, valorizando as bênçãos que Jesus nos envia.

19 O rapazinho, entretanto, demonstrando enorme rebeldia íntima, tornou:

— A senhora não considera razoável alugar este salão a fim de termos algum dinheiro a mais? Estive conversando, ontem, com o “seu” Maciel, quando vim da escola. Ele nos pagaria bem, para ter aqui um depósito de móveis.

20 Dona Isabel, de ânimo decidido, respondeu com energia, sem irritação:

— Você deve saber, meu filho, que enquanto respeitarmos a memória de seu pai, este salão será consagrado às nossas atividades evangélicas. Já lhes contei a história do nosso culto doméstico e não desejo que vocês sejam cegos às bênçãos do Cristo. 21 Mais tarde, Joãozinho, quando você entrar diretamente na luta material, se for agradável ao seu temperamento, construa casas para alugar; mas agora, meu filho, é indispensável que você considere este recanto como algo de sagrado para sua mamãe.

22 — E se eu insistir? — Perguntou, mal humorado, o pequeno orgulhoso.

A viúva, muito calma, esclareceu firme:

— Se você insistir, será punido, porque eu não sou mãe para criar ilusões perigosas ao coração dos filhinhos que Deus me confiou. Se muito amo a vocês, precisarei incliná-los ao caminho reto.

23 O pequeno quis retrucar, mas a luz emitida pelo tórax de Dona Isabel, ao que me pareceu, confundiu-lhe o espírito rebelde e vi-o calar-se, a contragosto, amuado e enraivecido. Admirei, então, profundamente, aquela bondosa mulher, que se dirigia à filha mais velha como amiga, às filhinhas mais novas como mãe, e ao filho orgulhoso como instrutora sensata e ponderada.

24 Aniceto, que também se mostrava satisfeito, disse-nos em tom significativo:

— O Evangelho dá equilíbrio ao coração.

25 A pequena Neli, amedrontada, pediu, humilde:

— Mamãe, não deixe Joãozinho alugar a sala!

A viúva sorriu, acariciou o rostinho da filha e asseverou:

— Joãozinho não fará isso, saberá compreender a mamãe. Não falemos mais neste assunto, Neli.

26 E fixando o relógio, dirigiu-se à primogênita:

— Joaninha, minha filha, ore agradecendo, em nosso nome. Nosso horário está findo.

A jovem, com expressão nobre e carinhosa, agradeceu ao Senhor, tocando-nos os corações.


André Luiz


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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