O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Nosso Lar — André Luiz


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Ouvindo a senhora Laura

(Sumário)

1. O caso Tobias impressionara-me profundamente.

Aquela casa, alicerçada em princípios novos de união fraterna, preocupava-me como assunto obsidente. Afinal de contas, também ainda me sentia senhor do lar terrestre e avaliava quão difícil para mim próprio seria semelhante situação. 2 Teria coragem de proceder como Tobias, imitando-lhe a conduta? Admitia que não. A meu ver, não seria capaz de aborrecer tanto a minha querida Zélia e jamais aceitaria tal imposição por parte de minha esposa.

3 Aquelas observações da casa de Tobias torturavam-me o cérebro. Não conseguia encontrar esclarecimentos justos que pudessem satisfazer-me.

4 Tão preocupado me senti que, no dia imediato, deliberei visitar Lísias, num momento de folga, ansioso de explicações da senhora Laura, a quem votava confiança filial.

5 Recebido com enormes demonstrações de alegria, esperei o momento propício, em que pudesse ouvir a mãezinha de Lísias com calma e serenidade.

6 Depois de se ausentarem os jovens, a caminho de entretenimentos habituais, expus à generosa amiga o problema que me apoquentava, não sem natural acanhamento.

7 Ela sorriu, com a grande experiência da vida, e começou a dizer:

— Você fez bem em trazer a questão ao nosso estudo recíproco. Todo problema que torture a alma pede cooperação amiga para ser resolvido.

8 E depois de ligeira pausa, prosseguiu, atenciosa:

— O caso Tobias é apenas um dos inumeráveis que conhecemos aqui e noutros núcleos espirituais, que se caracterizam pelo pensamento elevado.

9 — Mas, choca-nos o sentimento, não é verdade? — Atalhei com interesse.

— Quando nos atemos aos pontos de vista propriamente humanos, essas cousas dão até para escandalizar; entretanto, meu amigo, é necessário, sobrepormos a tudo, agora, os princípios de natureza espiritual. 10 Nesse sentido, André, precisamos compreender o espírito de sequência que rege os quadros evolutivos da vida. Se atravessamos longa escala de animalidade, é justo que essa animalidade não desapareça de um dia para outro. Empregamos muitos séculos para emergir das camadas inferiores. O sexo integra o patrimônio de faculdades divinas, que demoramos a compreender. 11 Não será fácil para você, presentemente, a penetração, no sentido elevado, da organização doméstica que visitou ontem; entretanto, a felicidade, ali, é muito grande, pela atmosfera de compreensão que se criou entre as personagens do drama terrestre. Nem todos conseguem substituir cadeias de sombra por laços de luz em tão pouco tempo.


2. — Mas temos nisso uma regra geral? — Indaguei. Todo homem e toda mulher, que se tenham casado mais de uma vez, restabelecem aqui o núcleo doméstico, fazendo-se acompanhar de todas as afeições que hajam conhecido?

2 Esboçando um gesto de grande paciência, a interlocutora explicou:

— Não seja tão radicalista. É indispensável seguir devagar. Muita gente pode ter afeição e não ter compreensão. Não esqueça que nossas construções vibratórias são muito mais importantes que as da Terra. 3 O caso Tobias é o caso de vitória da fraternidade real, por parte das três almas interessadas na aquisição de justo entendimento. Quem não se adaptar à lei de fraternidade e compreensão, logicamente não atravessará essas fronteiras. 4 As regiões obscuras do Umbral estão cheias de entidades que não resistiram a semelhantes provas. Enquanto odiarem, serão ímans desequilibrados; enquanto não entenderem a verdade, sofrerão o império da mentira e, consequentemente, não poderão penetrar as zonas de atividade superior. 5 São inumeráveis as criaturas que padecem longos anos, sem qualquer alívio espiritual, simplesmente porque se esquivam à fraternidade legítima.

— E que acontece, então? — Interroguei, valendo-me da pausa da interlocutora, — se não são admitidas aos núcleos espirituais de aprendizado nobre, onde se localizarão as pobres almas em experiências dessa ordem?

6 — Depois de padecimentos verdadeiramente infernais, pelas criações inferiores que inventam para si mesmas, — redarguiu a mãe de Lísias, — vão fazer na experiência carnal o que não conseguiram realizar em ambiente estranho ao corpo terrestre. 7 Concede-lhes a Bondade Divina o esquecimento do passado, na organização física do planeta, e vão receber, nos laços da consanguinidade, aqueles de quem se afastaram deliberadamente pelo veneno do ódio ou da incompreensão. 8 Daí se infere a oportunidade, cada vez mais viva da recomendação de Jesus, ( † ) quando nos aconselha imediata reconciliação com os adversários. O alvitre, antes de tudo, interessa a nós mesmos. Devemos observá-lo em proveito próprio. 9 Quem sabe valer-se do tempo, finda a experiência terrena, ainda que precise voltar aos Círculos da carne, pode efetuar sublimes construções espirituais, com relação à paz da consciência, regressando à matéria grosseira, suportando menor bagagem de preocupações. 10 Há muitos Espíritos que gastam séculos tentando desfazer animosidades e antipatias na existência terrestre e refazendo-as após a desencarnação. 11 O problema do perdão, com Jesus, meu caro André, é problema sério. Não se resolve em conversas. Perdoar verbalmente é questão de palavras; mas aquele que perdoa realmente, precisa mover e remover pesados fardos de outras eras, dentro de si mesmo.

12 A essa altura, a senhora Laura silenciou, como quem precisava meditar na amplitude dos conceitos expendidos. Aproveitando o ensejo, porém, aduzi:

— A experiência do casamento é muito sagrada aos meus olhos.

13 A interlocutora não se surpreendeu com a afirmativa e obtemperou:

— Aos Espíritos ainda em simples experiência animal, nossa conversação não interessa; mas, para nós, que compreendemos a necessidade da iluminação com o Cristo, é imprescindível destacar, não só a experiência do casamento, mas toda experiência de sexo, por afetar profundamente a vida da alma.

14 Ouvindo a observação, não deixei de corar, lembrando o meu passado de homem comum. Minha mulher fora para mim um objeto sagrado, que eu sobrepunha a todas as afeições; no entanto, ao ouvir a mãe de Lísias, ocorriam-me à mente as palavras antigas do Velho Testamento: ( † ) — “não cobiçarás a casa de teu próximo, não cobiçarás a mulher de teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu jumento, nem o seu boi, nem cousa alguma que lhe pertença”. 15 Num instante, senti-me incapaz de prosseguir, estranhando o caso Tobias. A interlocutora, porém, percebeu minha perturbação íntima e continuou:

16 — Onde o esforço de consertar é tarefa de quase todos, deve haver lugar para muita compreensão e muito respeito à misericórdia divina, que nos oferece tantos caminhos a retificações justas. 17 Toda experiência sexual da criatura que já recebeu alguma luz do espírito, é acontecimento de enorme importância para si mesma. 18 É por isso que o entendimento fraterno precede a qualquer trabalho verdadeiramente salvacionista. Ainda há pouco tempo ouvi um grande instrutor no Ministério da Elevação assegurar que, se pudesse, iria materializar-se nos Planos carnais, a fim de dizer aos religiosos, em geral, que toda caridade, para ser divina, precisa apoiar-se na fraternidade.

19 Nessa altura, a dona da casa convidou-me a visitar Eloísa, ainda recolhida ao interior doméstico, dando a entender que não desejava explanar outras minudências sobre o assunto; e, depois de verificar as melhoras crescentes da jovem recém-chegada do planeta, voltei às Câmaras de Retificação, mergulhado em profundas cogitações.

20 Agora não mais me preocupava a situação de Tobias, nem as atitudes de Hilda e Luciana. Impressionava-me, sim, a imponente questão da fraternidade humana.


André Luiz


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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