O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Lázaro redivivo — Irmão X


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Conquista e liberdade

1 Quase todas as criaturas guardam ciosamente as disposições da avareza. Seja entre as possibilidades do dinheiro ou da inteligência, do favor público ou da autoridade; a tendência de amontoar caracteriza a maioria dos homens. O tirano congrega fâmulos e turiferários, como os magnatas monopolizam os grandes negócios materiais. Os pregadores, quase sempre, estimam os ouvintes, não pela qualidade, mas pelo número. Os escritores, em geral, sentem-se desvanecidos com as gentilezas da multidão. Não importa se o simpatizante de suas obras é algum êmulo de José do Telhado. ( † ) Sabem apenas que a lista de seus leitores relaciona mais um. Madame de Staël ( † ) reunia admiradores para a sua inteligência. Ninon de Lenclos ( † ) arrebanhava adoradores para a sua beleza.

2 Minúsculos sóis revestidos de lama, quase todos os Espíritos encarnados exigem satélites para a sua órbita. Quanto maior a corte de pessoas, situações, problemas e coisas, maior importância atribuem a si mesmos. No entanto, em vista da exatidão da Contabilidade Divina, os conquistadores humanos convertem-se, aos poucos, em escravos das próprias conquistas. 3 Exigem as grandes naus para singrarem o mar da vida, mas Deus, à medida que lhes satisfaz os caprichos, decuplica-lhes as obrigações e tormentos. 4 Alexandre Magno, ( † ) rei da Macedônia, submeteu a Grécia, venceu a Pérsia, conquistou o Egito, tomou Babilônia e morreu, atacado de febre maligna, aos trinta e três anos, dividindo-se-lhe o vasto império entre os generais de suas aventuras sangrentas. 5 Napoleão Bonaparte, ( † ) após distribuir coroas na Europa, improvisando príncipes e administradores, sob as volutas de incenso do poder, morre, melancolicamente, em Santa Helena, como fera acuada num cárcere defendido pela extensão do mar.

6 Nem todos passam no mundo, agraciados pelo favor das armas, como Alexandre e Napoleão; todavia, copiando-lhes o impulso, quase todos os homens e mulheres da Terra são teimosos conquistadores a se mergulharem, cada dia, nas pesadas e angustiosas preocupações por novos troféus. Reclamam incessantemente mais tesouros, garantias, facilidades, distrações e prazeres. As aquisições a que se agarram, porém, efetuam-se no campo da morte. Intensificam a satisfação egoística do corpo jovem, obtendo a velhice prematura. Amontoam dinheiro para serem escravos de sua defesa.

7 Raríssimos Espíritos encarnados se recordam da conquista de si mesmos, na posse gradual da virtude santificante e da sabedoria libertadora. E é por isso que, terminada a lição carnal, penetram no pórtico do túmulo, como grandes desesperados, lastimando a perda do instrumento físico.

8 É necessário libertarmo-nos, para que compreendamos a liberdade. E, sem luz no coração, é impossível fugir ao jogo de sombra das conquistas exteriores. Não preconizamos a impassibilidade que alguns budistas aconselham, a distância dos ensinamentos reais do Gautama. ( † ) Proclamamos a necessidade do trabalho das mãos com a iluminação do entendimento.

9 A morte esperará todas as criaturas em seu campo de verdade. E ao influxo de sua luz, devemos restituir ao mundo todos os patrimônios exteriores que ajuntamos, em nossa mania de conquistar ao inverso, revelando o que amontoamos, dentro de nós, para a verdadeira vida.

10 Terá bastante força a palavra dos mortos para despertar a consciência dos vivos? Não acredito. Mas se Jesus, que é o Divino Senhor da Humanidade, continua semeando a verdade e o bem, por que deixaríamos, nós outros, de semear?

11 O mundo de carne é vasta esfera, cheia de berços luminosos, onde a vida é provável, e repleta de sepulturas sombrias, onde a morte é fatal.

12 Bias, ( † ) o sublime cidadão de Priena, viveu para a bondade e para a sabedoria, no serviço aos semelhantes. Filósofo eminente e sábio generoso, era o amigo de todas as classes, e nunca se escravizara às posses efêmeras, nem conspurcara a consciência ouvindo as sugestões do mal.

13 Quando os soldados de Ciro ( † ) ameaçavam a cidade com invasão e ruínas, seus compatriotas amealhavam, apressadamente, seus pequenos tesouros domésticos para a retirada. Homens e mulheres, velhos e crianças, atropelavam-se uns aos outros, tentando salvar, com êxito, as joias e haveres, os perfumes e tapetes custosos. Observando, porém, que o sábio se mantinha calmo e indiferente às inquietações da hora, interpelaram-no quanto à carga que deveria conduzir, mas, com espanto, ouviram-no informar: “Eu trago tudo comigo!”

14 Guardava o nobre cidadão seus patrimônios inalienáveis de bondade, retidão e inteligência.

15 No supremo instante da morte, quando nos sitiam as armas invisíveis da realidade, ai daqueles que não puderem repetir a inesquecível informação do filósofo aos companheiros em desesperação!

16 A ignorância estabelece o cativeiro, mas a sabedoria oferece a liberdade.

17 Se as conquistas do homem restringem-se ao plano das aquisições externas, com o desconhecimento do caráter transitório da existência humana, chegado o momento decisivo em vão tentará carregar alfaias e adornos, vestuários e depósitos terrestres, porque, em verdade, não ficará pedra sobre pedra.


Irmão X

(Humberto de Campos)

Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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