O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

Índice | Página inicial | Continuar

Luz acima — Irmão X


19


O oráculo diferente

1 — Meu feiticeiro do Velabro — informava Túlia Prisca à mulher de Cusa, em Cafarnaum — é prodigioso. Imagina que venho à Judeia a conselho dele, interessado em minha felicidade. É oráculo dos melhores! Trouxemo-lo da Acaia, na derradeira viagem que meu tio, o procurador Amiano, por lá realizou em missão administrativa. 2 Lê os presságios e sabe, antecipadamente, quem vencerá em qualquer dos jogos no circo. Descobre criminosos e indica, com absoluta precisão, o local a que se acolhem objetos perdidos.

Joana, que a ouvia, atenciosa, mostrava singular estranheza na expressão fisionômica.


3 Após ligeira pausa, continuou a patrícia, piscando os olhos:

— Druso, meu marido, apaixonou-se por Mécia, a esposa de Flácus. O ciúme estrangulava-me o coração. Tentei abrir as veias e morrer, mas Tissafernes, o meu mago, resolveu o problema. Aconselhou-me a viagem de recreio e assegurou-me que outros homens simpatizariam comigo, como vem acontecendo. Deixei os filhinhos com as velhas escravas e a galera solucionou o resto. Tenho gozado bastante e, quando voltar, se Mécia insistir na intromissão, o encantador fabricar-me-á decisivo unguento. Ficará mais feia que as bruxas do Esquilino.


4 Longo intervalo caiu sobre a conversação. Contudo, a ilustre forasteira prosseguiu:

— Joana, talvez não me conheças suficientemente. Devo confessar-te, porém, que gosto de consultar os feiticeiros de qualquer condição. Ouvi falar de um deles, que se torna famoso nesta província. Sei que lhe frequentas a roda. Não poderás conduzir-me ao mago nazareno?


5 A interpelada fez o possível por esquivar-se. Não lhe cabia perturbar o Mestre com visitas levianas e inúteis. No entanto, a insistência venceu a relutância. E, em breves minutos, Jesus recebia-as na modesta residência de Pedro.

6 No olhar d’Ele pairava a melancolia sublime de quase sempre. A jovem matrona intimidou-se. Aquele homem não se nivelava aos vulgares ledores de sorte. De sua fronte partiam forças incompreensíveis que lhe impunham respeito. E não soube tratá-lo senão por “Senhor”, copiando a reverente atitude da amiga. 7 Não conseguia dissimular o próprio assombro. O Nazareno parecia ignorar-lhe a elevada posição hierárquica. Não se biografava. Não comentava os êxitos que lhe assinalavam a passagem junto do povo. Encarava-a, de frente, sem falsa superioridade e sem servilismo. E como o trabalhador seguro de si, atento ao quadro das próprias obrigações, esperou que a visitante declinasse os motivos que a traziam.


8 Constrangida pelo inesperado, indagou com desapontamento:

— Senhor, conheceis o mago Tissafernes, que nos serve a casa?

Jesus entreabriu os lábios, num sorriso amoroso, e respondeu:

— Existem adivinhos em toda parte…


9 Confundida pela observação inteligente, Túlia receou novo mergulho no silêncio e acrescentou:

— Venho até aqui, buscando-vos o concurso…


10 — Que deseja de mim? — perguntou o Mestre, sem afetação.

— Meu marido desviou-se do meu devotamento. Tenho sofrido amarguras que os servos mais desprezíveis não conhecem. Que dizeis a isto, Senhor?

— Que a dor bem compreendida é uma luz para o coração…


11 — Oh! mesmo quando somos ofendidos?

— Sim.


12 — Não deveremos revidar?

— Nunca.


13 — E a justiça?

— A justiça é uma árvore estéril se não pode produzir frutos de amor para a vida eterna.


14 — Desejais dizer que, se meu esposo desvaira, cumpre-me pagar por ele?

— Não tanto. A felicidade é impraticável onde não haja esquecimento das culpas.


15 — Insinuais que devo perdoar a meu esposo?

— Tantas vezes, quantas forem necessárias.


16 Túlia, irritada, descontrolou-se e observou:

— Druso é um devasso. Tem sido implacável algoz. Compete-me respeitá-lo e amá-lo, mesmo assim?

— Por que não? — tornou o Mestre — quem não sabe renunciar aos próprios desejos, dificilmente receberá o dom divino da alegria imperecível.


17 — Cabe-me, então, voltar, reassumir a governança doméstica e retomar a responsabilidade da educação de meus filhos, como o animal que se deixa atrelar ao carro insuportável?

— No sacrifício reside a verdadeira glória — disse Jesus, imperturbável.


18 — Oh! — reclamou a patrícia desencantada — Tissafernes, o mago de minha confiança, aconselhou-me o recreio, a alegria… Não posso duvidar dele. É um oráculo completo. Tem respostas infalíveis; vê os nossos deuses e ouve-os sempre…


19 Fixando o Senhor, espantadiça, objetou:

— Admitis, porventura, esteja ele errado?


20 O Mestre sorriu e respondeu:

— A voz de nossa consciência não pode concordar invariavelmente com a opinião dos melhores amigos. O dever é mais imperioso que os presságios de qualquer adivinho.


21 — E não tendes novidades para mim? venho de tão longe e não me agradais? que mensagem recolherei na visita?

— Rogo ao Pai — disse Jesus, muito sereno — que a ilumine e abençoe.


22 Nesse instante, Joana apresentou as despedidas.

E lá fora, conturbada talvez pela imensa claridade do céu casada aos reflexos diamantinos do lago, a nobre romana falou, desapontada:

— É… Decididamente, este oráculo não é o mesmo…


Irmão X

(Humberto de Campos)

Abrir