O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Coração e vida — Maria Dolores


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Paterno amor

  1 Na entrada do asilo,

  Um homem robusto, jovem e tranquilo,

  Apresentava o pai, um velho que contava

  Oitenta e dois janeiros de existência,

  À funcionária atenta que o ouvia…

  Após sentá-lo num pequeno banco,

  Falou à moça em tom seguro e franco:


  2 — “O velho já não sabe o que pensa ou o que diz,

  A gritar e a gemer de exigência à exigência,

  Formou de minha casa

  Um recanto infeliz,

  Cujo clima de luta é fogo que me arrasa.

  Não quero ver meu filho

  Crescendo com o avô inconveniente,

  Quero-lhe a internação

  De modo permanente.

  Quanto custa a pensão?”

  A moça respondeu indiferente:

  — “A pensão é de quatro mil cruzeiros

  A serem pagos mensalmente”.


  3 O senhor fez o cheque

  Fazendo o pagamento da quantia

  E depois de informar que voltaria,

  Foi-se ao pai fatigado, explicando ao velhinho:

  — “Meu pai, aqui é a nossa casa de descanso

  Terás aqui mais sossego e carinho,

  Ao voltarmos da Europa

  Virei buscar-te, imediatamente”


  4 O pranto deslizou sobre a face enrugada

  E o velho respondeu em voz tremente:

  — “O que será, meu Deus? Que medonho empecilho!…

  Estar aqui a sós, sem te encontrar, meu filho!…

  E como aguentarei a falta de meu neto?

  Não queria afastar-me de meu teto!…

  Peço por Deus!… Não te demores

  E vem logo buscar-me…”

  O filho replicou, quase asperamente:

  — “Sem dúvida, meu pai, que podes esperar-me,

  Mas não faças alarme…

  Nada fará de mim um filho diferente,

  Creio que ao fim do mês que vem,

  Regressarei como convém…”


  5 Mas o moço partiu e nunca mais voltou,

  E ante a expressão do velho, triste e amarga,

  Notava-se que o filho ali se despedira

  Como quem se desliga de uma carga,

  Agindo alegremente.

  O velhinho viveu por lá, três anos,

  De saudade, de dor e desenganos

  A esperar pelo filho desertor;

  A fadiga alterara-lhe a memória

  Não sabia contar a própria história,

  Declarava-se um rico possuidor

  De terras e fazendas produtivas,

  Mas entregara tudo ao filho sem amor

  Numa procuração,

  Sem julgá-lo capaz de alguma ingratidão,

  E embora o filho lhe pagasse o asilo,

  Sem questionar o preço,

  Não lhe enviava notas de endereço…

  Após trinta e seis meses de clausura,

  O velhinho ralado de amargura,

  Morreu clamando a falta da família…

  O cadáver desceu à vala da indigência,

  Por fim se lhe acabara a penosa existência.


  6 Mas o tempo não para em parte alguma…

  Quarenta anos passados,

  De coração batido e passos retardados,

  O homem que internara o esquecido velhinho,

  Nota que a morte chega a cercar-lhe o caminho,

  Poderoso senhor, não consegue expressar-se

  Sob qualquer disfarce,

  Tomba, inerme, no leito,

  E ante o infortúnio da separação,

  Grita por Deus, quer vida e proteção,

  Mas a morte o reclama… O corpo se lhe esfria…

  Vê-se desencarnado, em noite atroz,

  Terrível e sombria… Chora quase sem voz,

  Quando sente que alguém lhe toma o cérebro cansado,

  E lhe diz brandamente:

  — “Filho do coração, não te aflijas, nem temas,

  Acabaram-se agora os teus problemas;

  Confia em Deus, não percas a esperança,

  Acalma-te e descansa…”

  E beijando-lhe os cabelos,

  Dedos mostrando carinhosos zelos,

  Exclamou com ternura:

  — “Agora, sim, achei minha ventura,

  Eu sou teu pai!… Meu filho, estou aqui…

  Amo-te agora, mais do que te amava,

  E só Deus sabe a dor com que eu chorava

  Com saudades de ti!…”


Maria Dolores


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