O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Brasil, coração do mundo, pátria do Evangelho — Humberto de Campos


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As Bandeiras

1 No desdobramento da ação espiritual que deveria restaurar a pátria portuguesa, Ismael  †  reuniu os Espíritos que chegavam aos Espaços depois do primeiro contato com a vida de Piratininga, a fim de estabelecer novos projetos de trabalho naquele setor da pátria do Evangelho.

Almas decididas e heroicas, localizadas ali para a construção da grande obra, apesar dos seus característicos de bondade e de energia, necessitavam regressar à luta terrestre, em seu próprio benefício.

2 O mensageiro divino reuniu-as em grandes círculos, onde lhe ouviram a palavra amiga e esclarecedora.

— “Meus irmãos, — elucidou ele, — regressareis dentro de breves dias aos núcleos de trabalho estabelecidos no planalto piratiningano. Prosseguireis atuando no mesmo roteiro de atividade e liberdade com que caracterizastes as primeiras iniciativas aí desenvolvidas. Agora, levareis mais longe a vossa coragem e o vosso heroísmo. Penetrareis o coração da terra do Cruzeiro rasgando as sombras de suas florestas imensuráveis. Com a vossa dedicação, novas atividades serão descobertas e novas possibilidades hão de felicitar a existência dos colonizadores do país, onde nos desvelaremos pela conservação da bandeira de Jesus, aí desfraldada sobre todas as frontes e sobre todos os corações… 3 Até hoje, têm-se multiplicado as tristes caçadas humanas, em que os índios misérrimos são colhidos de surpresa, na sua simplicidade, para os penosos trabalhos do cativeiro; descobrireis, agora, as fontes de riqueza dos vastos latifúndios do Brasil, interessando a colonização e fazendo desabrochar com mais intensidade os núcleos prestigiosos desse movimento de intensificação dos órgãos de progresso da pátria e do seu povo. Muitos de vós conhecereis a penúria e o sofrimento; sacrificareis a fortuna e os afetos mais santos da família, para construirdes a base do porvir com as lágrimas abençoadas dos vossos martírios e das vossas renúncias santificantes. Vossa tarefa será rasgar as selvas remotas, descobrindo o ouro depositado no seio da terra generosa…”

4 Houve um interregno na sua alocução.

Ali se encontravam as personalidades que seriam, mais tarde, entre muitos outros, Antônio Rodrigues Arzão,  †  Marcos de Azeredo,  †  Bartolomeu Bueno  †  e Fernão Dias Paes.  †  Este último, quebrando o silêncio da grande assembleia, exclamou, provocando geral interesse:

— “Anjo bom, que faremos com o ouro da terra, se no mundo ele é a causa sinistra de todas as lutas e o demônio de todas as ambições? Aqui, na vida espiritual, compreendemos semelhantes realidades; mas no orbe das sombras a nossa consciência mergulha nas mais dolorosas perturbações e bem sabeis que a água mais pura, misturando-se com a terra, se reduz quase sempre a um punhado de lama…”

5 Ismael, todavia, não demorou os esclarecimentos:

— “A Terra é a escola abençoada, onde aplicamos todos os elevados conhecimentos adquiridos do Infinito. É nesse vasto campo experimental que devemos aprender a ciência do bem, aliando-a com a sua divina prática. Nos nevoeiros da carne, todas as trevas serão desfeitas com os nossos próprios esforços individuais; aí dentro, o nosso Espírito andará esquecido de seus pretéritos obscuros, para que todas as nossas iniciativas sejam valorizadas. Precisamos entender essas suaves disposições das leis divinas, para que o determinismo do amor e da fraternidade constitua a lei da existência de todas as cousas, e de todos os seres. 6 Quanto ao ouro escondido no seio da terra exuberante, sua existência não significa senão um estímulo à ilusão dos homens, os quais ainda se encontram muito distantes da concepção da verdadeira fraternidade, a fim de que as criaturas possam buscar os tesouros espirituais pelo trabalho edificador da evolução do mundo. Procurando a grandeza ilusória do ouro, edificareis as cidades novas, fomentareis a pecuária e a agricultura, desbravando os caminhos inóspitos em favor de outras almas… Um mundo novo se erguerá sobre os vossos ombros dilacerados nas disciplinas austeras, ao sol causticante das caminhadas penosas, mas o futuro se voltará para os vossos esforços, com as suas bênçãos agradecidas…”

7 Voltando-se mais fixamente para Fernão Dias, Ismael sentenciou:

— “Serás o chefe da expedição mais difícil de todas, porém, da tua coragem há de surgir um caminho novo para todos os Espíritos. Muitas vezes, serás compelido a exercer a justiça mais rigorosa, despendendo todas as tuas reservas de energia; mas é preciso não esqueçer a misericórdia divina, sem exorbitar das funções que te forem confiadas, entregando a Jesus os teus trabalhos de cada dia.”

8 O grande bandeirante recebeu, submisso, a determinação do divino emissário. E daí a alguns anos, nos dois últimos quartéis do século XVII, as bandeiras paulistas se espalharam por todas as regiões da terra virgem. Através das selvas bravias, marcham como se o fizessem ao longo de largos e desconhecidos oceanos. As noites estreladas são a sua orientação e a sua bússola. A cruz do Cristo vai, como um símbolo, à frente de todos os expedicionários das novas tentativas de conquista. De Sorocaba, sobem por Goiás até ao Amazonas longínquo; e de Taubaté demandam a Paraíba do Norte. 9 Em 1672, Fernão Dias Paes organiza, com todos os elementos de sua fortuna, a mais célebre de todas as expedições saídas de São Paulo. Caçando as esmeraldas que constituíam objeto das lendas de muitos aventureiros, visita todas as regiões auríferas de Minas Gerais. Rebeliões e discórdias são dominadas pela sua energia constante e severa. Para fortalecer a disciplina, o bandeirante audacioso manda enforcar o próprio filho, que participara da rebeldia geral, como escarmento aos companheiros, próximo à povoação do Sumidouro. As joias da mulher e das filhas são empregadas no seu arrojado empreendimento, arruinando-se toda a sua família. 10 Fernão Dias, porém, segue um roteiro luminoso. Por onde passa com as suas caravanas, florescem povoações asseadas e alegres. Os seus pontos de contato com a terra paulista são os arraiais prósperos e fartos, que vai edificando nos caminhos desertos. As esmeraldas do seu sonho nunca foram encontradas e as pedras verdes que entregou ao genro, no instante da agonia, como a única expressão da sua fortuna, representavam, de certo, o símbolo suave das esperanças do seu labor e das suas lágrimas na terra do Evangelho. 11 Próximo do local onde mandara enforcar o filho, nas margens do Rio das Velhas, o seu Espírito de lutador se desprendeu igualmente do corpo exausto e quando, no íntimo do seu coração implorava a misericórdia do Altíssimo para o delito, com o qual exorbitara de suas funções na Terra, a voz de Ismael falou-lhe do Infinito:

— “Irmão, as quedas, com as suas experiências sombrias, constituirão os degraus do teu caminho para as mais gloriosas ascensões espirituais. Atrás dos teus passos florescem cidades valorosas no coração das matas virgens, e os que recebem os teus benefícios abençoam teus esforços e tua energia perseverante. A essas mesmas paragens, onde turvaste a consciência por um instante, levado pelos rigores da disciplina, voltarás com teu filho sob as asas cariciosas da fraternidade e do amor, reparando o passado cheio de tribulações e lutas incontáveis, porque, no coração misericordioso de Deus repousam, eternamente, as luminosas esmeraldas da esperança e do amor que procuraste a vida inteira…”

12 Fernão Dias Paes abre os olhos materiais, pela última vez. Uma lágrima pesada e branca corre-lhe pelas faces emagrecidas, mas sobre o seu coração paira a bênção cariciosa da terra dourada das minas, e, sentindo-se na posse das verdadeiras esmeraldas do seu grande sonho, o grande batalhador regressa de novo à vida do Infinito.


Humberto de Campos

(Irmão X)

Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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