O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano XII — Janeiro de 1869.

(Idioma francês)

Estatística do Espiritismo.

(Sumário)

1. — Como já dissemos, a enumeração exata dos espíritas seria coisa impossível, e isto por uma razão muito simples: o Espiritismo não é uma associação, nem uma congregação; seus aderentes não estão inscritos em nenhum registro oficial. Sabe-se perfeitamente que não se poderia avaliar o montante pelo número e a importância das sociedades, frequentadas apenas por minoria ínfima. O Espiritismo é uma opinião que não exige nenhuma profissão de fé, e pode estender-se ao todo ou parte dos princípios da Doutrina. Basta simpatizar com a ideia para ser espírita. Ora, não sendo essa qualidade conferida por nenhum ato material, e não implicando senão obrigações morais, não existe qualquer base física para determinar o número dos adeptos com precisão. Não se o pode estimar senão de maneira aproximativa, pelas relações e pela maior ou menor facilidade com que a ideia se propaga. Esse número aumenta diariamente em proporção considerável: é um fato positivo, reconhecido pelos próprios adversários; a oposição diminui, prova evidente de que a ideia encontra, cada vez mais, numerosas simpatias.

Aliás, compreende-se que é pelo conjunto e não pela situação das localidades, consideradas isoladamente, que se pode basear uma apreciação; há em cada localidade elementos mais ou menos favoráveis, em razão do estado particular dos Espíritos e também das resistências mais ou menos influentes que aí se exercem; mas essa situação é variável, porque tal localidade, que se tenha mostrado refratária durante vários anos, de repente se torna um foco. Quando os elementos de apreciação tiverem adquirido mais precisão, será possível fazer um mapa colorido em relação à difusão das ideias espíritas, como foi feito para a instrução. Enquanto isso, pode-se afirmar, sem exagero, que, em suma, o número dos adeptos centuplicou em dez anos, a despeito das manobras empregadas para abafar a ideia e contrariamente às previsões de todos os que se vangloriavam de a ter enterrado. Isto é um fato comprovado, devendo os antagonistas tomar o seu partido.

Só falamos aqui dos que aceitam o Espiritismo com conhecimento de causa, depois de o haver estudado, e não dos que, embora mais numerosos, estas ideias ainda estão em estado de intuição, faltando-lhes apenas definir suas crenças com mais precisão e dar-lhes um nome, para serem espíritas confessos. É um fato bem comprovado, que se constata todos os dias, sobretudo de algum tempo para cá, que as ideias espíritas parecem inatas numa porção de indivíduos, que jamais ouviram falar do Espiritismo; não se pode dizer que tenham sofrido uma influência qualquer, nem que sofreram a influência de um círculo. Que os adversários expliquem, se puderem, esses pensamentos que nascem fora e à margem do Espiritismo! Por certo não seria um sistema preconcebido no cérebro de um homem que teria produzido tal resultado; não há prova mais evidente de que essas ideias estão na Natureza, nem melhor garantia de sua vulgarização no futuro e de sua perpetuidade. Deste ponto de vista pode-se dizer que pelo menos três quartos da população de todos os países possuem o germe das crenças espíritas, pois são encontrados entre aqueles mesmos que lhe fazem oposição. Na maioria, a oposição vem da falsa ideia que fazem do Espiritismo; não o conhecendo, em geral, senão pelos quadros ridículos que dele faz a critica malevolente ou interessada em desacreditá-lo, recusam com razão a qualidade de espíritas. Certamente, se o Espiritismo se assemelhasse aos retratos grotescos que dele fizeram, se se constituísse das crenças e práticas absurdas que houveram por bem lhe atribuir, seríamos o primeiro a repudiar o título de espírita. Quando, pois, essas mesmas pessoas souberem que a Doutrina não é senão a coordenação e o desenvolvimento de suas próprias aspirações e de seus pensamentos íntimos, aceitá-la-ão; esses são, incontestavelmente, futuros espíritas, mas, por enquanto, não os consideramos em nossas avaliações.

Se é impossível uma estatística, outra há, talvez mais instrutiva e para a qual existem elementos que nos fornecem as nossas relações e a nossa correspondência: é a proporção relativa dos espíritas segundo as profissões, as posições sociais, as nacionalidades, as crenças religiosas, etc., levando em conta que certas profissões, como os oficiais ministeriais, por exemplo, são em número limitado, ao passo que outras, como os industriais e os capitalistas são em número indefinido. Guardadas todas as proporções, pode-se ver quais são as categorias nas quais o Espiritismo encontrou, até hoje, mais aderentes. Em alguns, a proporção pôde ser estabelecida em percentagem, com precisão, sem contudo pretender que tenham um rigor matemático; as outras categorias simplesmente foram classificadas em razão do número de adeptos que apresentaram, começando pelas de maior número, de que a correspondência e a lista de assinantes da Revista podem fornecer elementos. O quadro a seguir é resultado do levantamento de mais de dez mil observações.

Constatamos o fato, sem procurar discutir a causa dessa diferença, o que, não obstante, poderia ser assunto para um estudo interessante.


2. PROPORÇÃO RELATIVA DOS ESPÍRITAS.


I. Em relação às nacionalidades. – A bem dizer, não existe nenhum país civilizado da Europa e da América onde não haja espíritas. Eles são mais numerosos nos Estados Unidos da América do Norte. Seu número aí é avaliado, por uns, em quatro milhões, o que já é muito, e por outros em dez milhões. Esta última cifra evidentemente é exagerada, porque compreenderia mais de um terço da população, o que não é provável. Na Europa, a cifra pode ser avaliada em um milhão, na qual a França figura com seiscentos mil. Pode-se estimar o número de espíritas no mundo inteiro em seis ou sete milhões. Ainda que não passasse da metade, a História não oferece nenhum exemplo de uma doutrina que, em menos de quinze anos, tivesse reunido semelhante número de adeptos disseminados por toda a superfície do globo. Se aí incluíssemos os espíritas inconscientes, isto é, os que só o são por intuição, e mais tarde se tornarão espíritas de fato, só na França poder-se-iam contar vários milhões.

Do ponto de vista da difusão das ideias espíritas, e da facilidade com que são aceitas, os principais Estados da Europa podem ser classificados como se segue: 1º França. – 2 º Itália. – 3º Espanha. – 4º Rússia. – 5º Alemanha. – 6º Bélgica. – 7º Inglaterra. – 8º Suécia e Dinamarca. – 9º Grécia. – 10º Suíça.


II. Em relação ao sexo. – 70% de homens e 30% de mulheres.


III. Em relação à idade. – Máximo: de 30 a 70 anos; média: de 20 a 30 anos; mínimo: de 70 a 80 anos.


IV Em relação à instrução. – O grau de instrução é muito fácil de apreciar pela correspondência. Instrução cuidada: 30%; – simples letrados: 30%; – instrução superior: 20%; – semiletrados: 10%; – analfabetos: 6%; – sábios oficiais: 4%.


V Em relação às ideias religiosas. – Católicos romanos, livres-pensadores, não ligados ao dogma: 50%; – católicos gregos: 15%; – judeus: 10%; – protestantes liberais: 10%; – católicos ligados aos dogmas: 10%; – protestantes ortodoxos: 3%; – muçulmanos: 2%.


VI. Em relação à fortuna. – Mediocridade: 60%; – fortunas médias: 20%; – indigência: 15%; – grandes fortunas: 5%.


VII. Em relação ao estado moral, abstração feita da fortuna. – Aflitos: 60%; – sem inquietude: 30%; – felizes do mundo: 10%; – sensualistas: 0%.


VIII. Em relação à classe social. – Sem poder estabelecer nenhuma proporção nesta categoria, é notório que o Espiritismo conta entre seus aderentes: vários soberanos e príncipes reinantes; membros de famílias soberanas e um grande número de personagens tituladas.

Em geral, é nas classes médias que o Espiritismo conta mais adeptos; na Rússia é mais ou menos exclusivamente na nobreza e na alta aristocracia; é na França que mais se propagou na pequena burguesia e na classe operária.


IX. Estado militar, segundo o grau. – 1º Tenentes e subtenentes; 2º Suboficiais; 3º Capitães; 4º Coronéis; 5º Médicos e cirurgiões; 6º Generais; 7º Guardas municipais; 8º Soldados da guarda; 9º Soldados de linha.


Observação. – Os tenentes e subtenentes espíritas estão quase todos na ativa; entre os capitães, cerca de metade estão na ativa e a outra metade na reserva; os coronéis, médicos, cirurgiões e generais, em maioria estão na reserva.


X. Marinha. – 1º Marinha de Guerra; 2º Marinha Mercante.


XI. Profissões liberais e funções diversas. – Nós os agrupamos em dez categorias, classificadas segundo a proporção dos aderentes que forneceram ao Espiritismo:

1º Médicos homeopatas. – Magnetistas. n

2º Engenheiros. – Instrutores; diretores e diretoras de internatos. – Professores livres.

3º Cônsules. – Sacerdotes católicos.

4º Pequenos empregados. – Músicos. – Artistas líricos. – Artistas dramáticos.

5º Meirinhos. – Comissários de polícia.

6º Médicos alopatas. – Homens de letras. – Estudantes.

7º Magistrados. – Altos funcionários. – Professores oficiais e de liceus. – Pastores protestantes.

8º Jornalistas. – Pintores. – Arquitetos. – Cirurgiões.

9º Notários. – Advogados. – Agentes de negócios.

10º Agentes de câmbio. – Banqueiros.


XII. Profissões industriais, manuais e comerciais, igualmente grupadas em dez categorias:

1º Alfaiates. – Costureiras.

2º Mecânicos. – Empregados de estradas de ferro.

3º Tecelões. – Pequenos negociantes. – Porteiros.

4º Farmacêuticos. – Fotógrafos. – Relojoeiros. – Caixeiros-viajantes.

5º Lavradores. – Sapateiros.

6º Padeiros. – Açougueiros. – Salsicheiros.

7º Marceneiros. – Tipógrafos.

8º Grandes industriais e chefes de estabelecimentos.

9º Livreiros. – Impressores.

10º Pintores de casas. – Pedreiros. – Serralheiros. – Merceeiros. – Domésticos.


3. Desta lista, resultam as seguintes consequências:


1º Que há espíritas em todos os graus da escala social;

2º Que há mais homens do que mulheres espíritas. É certo que nas famílias divididas por suas crenças, no tocante ao Espiritismo, há mais maridos contrariados pela oposição de suas esposas do que mulheres pela dos maridos. Não é menos constante que, em todas as reuniões espíritas, os homens estejam em maioria.

É, pois, injustamente que a crítica pretendeu que a Doutrina é recrutada principalmente entre as mulheres, em virtude de sua inclinação para o maravilhoso. É precisamente o contrário: essa inclinação para o maravilhoso e para o misticismo em geral as torna mais refratárias que os homens; essa predisposição faz que aceitem mais facilmente a fé cega, que dispensa qualquer exame, ao passo que o Espiritismo, não admitindo senão a fé raciocinada, exige reflexão e dedução filosófica para ser bem compreendido, para o que a educação estreita dada às mulheres torna-as menos aptas que os homens. As que sacodem o jugo imposto à sua razão e ao seu desenvolvimento intelectual, muitas vezes caem no excesso contrário; tornam-se o que chamam de mulheres fortes e sua incredulidade mais tenaz;

3º Que a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas, e não entre os ignorantes. Por toda parte o Espiritismo se propagou de alto a baixo da escala social, e em parte alguma se desenvolveu primeiro nas camadas inferiores;

4º Que a aflição e a infelicidade predispõem às crenças espíritas, em consequência das consolações que proporcionam. É a razão pela qual, na maioria das categorias, a proporção dos espíritas está na razão da inferioridade hierárquica, porque é aí que há mais privações e sofrimentos, ao passo que os titulares das posições superiores em geral pertencem à classe dos satisfeitos, à exceção do estado militar, onde os simples soldados figuram em último lugar;

5º Que o Espiritismo encontra mais fácil acesso entre os incrédulos em matéria religiosa do que entre os que têm uma fé irrevogável;

6º Enfim, que depois dos fanáticos, os mais refratários às ideias espíritas são os sensualistas e as pessoas cujos únicos pensamentos estão concentrados nas posses e nos prazeres materiais, seja qual for a classe a que pertençam, o que independe do grau de instrução.


4. — Em resumo, o Espiritismo é acolhido como um benefício pelos que ele ajuda a suportar o fardo da vida, e é repelido ou desdenhado por aqueles a quem prejudicaria no gozo da vida. Partindo deste princípio, facilmente se explicam o lugar que ocupam, nesse quadro, certas categorias de indivíduos, a despeito das luzes que são uma condição de sua posição social. Pelo caráter, gostos, hábitos e gênero de vida das pessoas, pode-se julgar do avanço de sua aptidão para assimilar as ideias espíritas. Em alguns, a resistência é uma questão de amor próprio, que segue quase sempre o grau do saber; quando esse saber os faz conquistar uma certa posição social, que os põe em evidência, não querem admitir que se podiam ter enganado e que outros podem ter visto melhor. Oferecer provas a certas pessoas é oferecer-lhes o que mais temem; e, com medo de achá-las, tapam os olhos e os ouvidos, preferindo negar a priori e se abrigarem atrás de sua infalibilidade, de que estão muito convencidas, digam o que disserem.

Explica-se menos facilmente a causa da posição que ocupam, nesta classificação, certas profissões industriais. Pergunta-se, por exemplo, por que os alfaiates aí ocupam a primeira posição, enquanto a livraria e a imprensa, profissões bem mais intelectuais, estão quase na última. É um fato constatado há muito tempo e do qual ainda não nos demos conta.

Se, no levantamento acima, em vez de não abranger senão os espíritas de fato, tivessem considerado os espíritas inconscientes, aqueles nos quais essas ideias estão em estado de intuição e que fazem Espiritismo sem o saber, certamente várias categorias teriam sido classificadas de modo diverso; por exemplo, os literatos, os poetas, os artistas, numa palavra, todos os homens de imaginação e de inspiração, os crentes de todos os cultos estariam, sem sombra de dúvida, no primeiro lugar. Certos povos, nos quais as crenças espíritas de certo modo são inatas, também ocupariam outra posição. Eis por que essa classificação não poderia ser absoluta, e se modificará com o tempo.

Os médicos homeopatas estão à frente das profissões liberais porque, com efeito é a que, guardadas as devidas proporções, conta em suas fileiras maior número de adeptos do Espiritismo; em cem médicos espíritas, há pelo menos oitenta homeopatas. Isto se deve a que o princípio mesmo de sua medicação os conduz ao espiritualismo; por isso os materialistas são muito raros entre eles, se é que os há, ao passo que são numerosos entre os alopatas. Melhor que estes últimos, compreenderam o Espiritismo, porque encontraram nas propriedades fisiológicas do perispírito, unido ao princípio material e ao princípio espiritual, a razão de ser de seu sistema. Pelo mesmo motivo, os espíritas puderam, melhor que os outros, compreender os efeitos desse modo de tratamento. Sem ser exclusivos a respeito da homeopatia, e sem rejeitar a alopatia, compreenderam a sua racionalidade e a sustentaram contra ataques injustos. Os homeopatas, achando novos defensores nos espíritas, não foram inábeis a ponto de lhes atirar a pedra.

Se os magnetistas figuram na primeira linha, logo após os homeopatas, malgrado a oposição persistente e muitas vezes acerba de alguns, é que os oponentes não formam senão pequeníssima minoria ao lado da massa dos que são, pode-se dizer, espíritas por intuição. O magnetismo e o Espiritismo são, com efeito, duas ciências gêmeas, que se completam e explicam uma pela outra, e das duas, a que não quer imobilizar-se não pode chegar ao seu complemento sem se apoiar na sua congênere; isoladas uma da outra, detêm-se num impasse; são reciprocamente como a Física e a Química, a Anatomia e a Fisiologia. A maioria dos magnetistas compreende de tal modo por intuição a relação íntima que deve existir entre as duas coisas, que geralmente se prevalecem de seus conhecimentos em magnetismo, como meio de introdução junto aos espíritas.

Em todos os tempos os magnetistas foram divididos em dois campos: os espiritualistas e os fluidistas. Estes últimos, muito menos numerosos, pelo menos fazendo abstração do princípio espiritual, quando não o negam absolutamente, referindo tudo à ação do fluido material, estão, por conseguinte, em oposição de princípios com os espíritas. Ora, é de notar que, se nem todos os magnetistas são espíritas, todos os espíritas, sem exceção, admitem o magnetismo. Em todas as circunstâncias, fizerem-se seus defensores e sustentáculos. Deviam ter-se admirado de encontrar adversários mais ou menos malévolos nos mesmos cujas fileiras acabavam de reforçar; que, depois de terem sido, durante mais de meio século, vítimas de ataques, de zombarias e de perseguições de toda sorte, por sua vez atirem a pedra, os sarcasmos e muitas vezes a injúria aos auxiliares que lhes chegam e começam a pesar na balança pelo seu número.

Aliás, como dissemos, esta oposição está longe de ser geral; muito ao contrário. Pode-se afirmar, sem se afastar da verdade, que não chega a 2 ou 3% da totalidade dos magnetistas; ela é muito menor ainda entre os da província e do estrangeiro do que entre os de Paris.  † 


[Revista de fevereiro.]

5. ESTATÍSTICA DO ESPIRITISMO.


Apreciação pelo Jornal La Solidarité.  n

O jornal Solidarité, de 15 de janeiro de 1869, analisa a estatística do Espiritismo, que publicamos em nosso número anterior. Se critica algumas de suas cifras, sentimo-nos felizes por sua adesão ao conjunto do trabalho, que aprecia nestes termos:

“Lamentamos não poder reproduzir, por falta de espaço, as reflexões muito sábias com que o Sr. Allan Kardec faz acompanhar esta estatística. Limitar-nos-emos a constatar com ele que há espíritas em todos os graus da escala social; que a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas e não entre os ignorantes; que o Espiritismo se propagou em toda parte, de alto a baixo da escala social; que a aflição e a infelicidade são os grandes recrutadores do Espiritismo, por força das consolações e das esperanças que prodigaliza aos que choram e lamentam; que o Espiritismo encontra mais fácil acesso entre os incrédulos em matérias religiosas do que entre as pessoas que têm uma fé definida; enfim, que depois dos fanáticos os mais refratários às ideias espíritas são as criaturas cujos pensamentos estão todos concentrados na posse e nos prazeres materiais, seja qual for, aliás, a sua condição.”

É um fato de capital importância constatar em toda parte que “a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas e não entre os ignorantes.” Em presença deste fato material, em que se torna a acusação de estupidez, ignorância, loucura, inépcia, lançada tão estouvadamente contra os espíritas pela malevolência?

Propagando-se de alto a baixo da escala, o Espiritismo prova, além disso, que as classes favorecidas compreendem a sua influência moralizadora sobre as massas, pois que se esforçam por nele penetrar. É que, com efeito, os exemplos que se têm sob os olhos, embora parciais e ainda isolados, demonstram de maneira peremptória que o espírito do proletariado seria muito outro se estivesse imbuído dos princípios da Doutrina Espírita.

A principal objeção do Solidarité é muito séria. Refere-se ao número de espíritas do mundo inteiro. Eis o que diz a respeito:

“A Revista Espírita engana-se muito quando estima em apenas seis ou sete milhões o número de espíritas para todo o mundo. Evidentemente se esquece de contar a Ásia.

“Se pelo termo espírita entendem-se as pessoas que creem na vida de além-túmulo e nas relações dos vivos com a alma das pessoas mortas, é por centenas de milhões que se os deve contar. A crença nos Espíritos existe em todos os sectários do budismo, e pode-se dizer que ela constitui o fundo de todas as religiões do extremo Oriente. É geral sobretudo na China. As três antigas seitas que desde tanto tempo dividem as populações no Império Central, creem nos manes, nos Espíritos e professam o seu culto. – Pode-se mesmo dizer que este é para elas um terreno comum. Os adoradores do Tao e de Fo aí se encontram com os sectários do filósofo Confúcio.

“Os sacerdotes da seita de Lao-Tseu, e particularmente os Tao-Tseu, ou doutores da Razão, devem às práticas espíritas uma grande parte de sua influência sobre as populações. – Esses religiosos interrogam os Espíritos e obtêm respostas escritas, que não têm mais nem menos valor que as dos nossos médiuns. São conselhos e avisos considerados como dados aos vivos pelo Espírito de um morto. Aí se encontram revelações de segredos conhecidos unicamente pela pessoa que interroga, algumas vezes predições que se realizam ou não, mas que são capazes de impressionar os assistentes e estimular os seus desejos, para que se encarreguem de realizar, eles próprios, o oráculo.

“Obtêm-se essas correspondências por processos que não diferem muito dos nossos espíritas, mas que, no entanto, devem ser mais aperfeiçoados, se se considerar a longa experiência dos operadores que os praticam tradicionalmente.

“Eis como nos são descritos por uma testemunha ocular, o Sr. D…, que mora na China há muito tempo e que é familiar com a língua do país:

“Uma vara de pescar, de 50 a 60 centímetros, é sustentada nas extremidades por duas pessoas, das quais uma é o médium e a outra o interrogador. No meio dessa vara, tiveram o cuidado de lacrar ou amarrar uma pequena varinha da mesma madeira, bastante semelhante a um lápis, pelo tamanho e grossura. Abaixo desse pequeno aparelho é espalhada uma camada de areia, ou uma caixa contendo farinha de milho. Deslizando maquinalmente sobre a areia ou a farinha de milho, a varinha traça caracteres. À medida que estes se formam, são lidos e reproduzidos imediatamente no papel por um letrado presente à sessão. Daí resultam frases e escritos mais ou menos longos, mais ou menos interessantes, mas tendo sempre um valor lógico.

“A dar-se crédito aos Tao-Tseu, esses processos lhes vêm do próprio Lao-Tseu. Ora, se conforme a História, Lao-Tseu viveu no sexto século antes de Jesus-Cristo, é bom lembrar que, conforme a lenda, ele é como o Verbo dos cristãos, anterior ao começo e contemporâneo da grande não-entidade, como exprimem os doutores da Razão.

“Vê-se que o Espiritismo remonta a uma belíssima antiguidade.

“Isto não prova que ele é verdadeiro? – Não, por certo, mas se basta que uma crença seja antiga para ser venerável, e forte pelo número de seus partidários para ser respeitada, não conheço outra que tenha mais títulos ao respeito e à veneração de meus contemporâneos.”


6. — Nem é preciso dizer que aderimos completamente a essa retificação, e nos sentimos felizes que ela emane de uma fonte estranha, porque prova que não procuramos exagerar o quadro. Nossos leitores apreciarão, como nós, a maneira pela qual esse jornal, que se recomenda por seu caráter sério, encara o Espiritismo; vê-se que, de sua parte, é uma apreciação com justas razões.

Sabíamos perfeitamente que as ideias espíritas estão muito espalhadas nos povos do extremo Oriente, e se não as tínhamos levado em consideração é que, em nossa avaliação, não nos propusemos apresentar, conforme dissemos, senão o movimento do Espiritismo moderno, reservando-nos para fazer mais tarde um estudo especial sobre a anterioridade dessas ideias. Agradecemos muito sinceramente ao autor do artigo por nos haver precedido.

Noutro lugar ele diz: “Cremos que esta incerteza (sobre o número real dos espíritas, sobretudo na França), a princípio se deve à ausência de declarações positivas da parte dos adeptos; depois, ao estado flutuante das crenças. Existe – e poderíamos citar em Paris numerosos exemplos – uma multidão de pessoas que creem no Espiritismo e que não se gabam disto.”

Isto é perfeitamente justo; por isso só falamos dos espíritas de fato; do contrário, como dissemos, se incluíssemos os espíritas por intuição, somente na França eles se contariam por milhões; mas preferimos ficar aquém e não além da verdade, para não sermos tachados de exagero. Contudo, é preciso que o acréscimo seja muito sensível, para que certos adversários o tenham levado a cifras hiperbólicas, como o autor da brochura O orçamento do Espiritismo, que, vendo talvez os espíritas com lente de aumento, os avaliava, em 1863, em vinte milhões na França. (Revista Espírita de junho de 1863.)

A respeito da proporção dos sábios oficiais, na categoria do grau de instrução, diz o autor: “Gostaríamos muito de ver a olho nu esses 4% de sábios oficiais: 40.000 para a Europa; 24.000 só para a França; são muitos sábios, e ainda oficiais; 6% de iletrados é quase nada.”

A crítica seria fundada se, como supõe o autor, se tratasse de 4% sobre o número aproximado de seiscentos mil espíritas na França, o que, efetivamente, daria vinte e quatro mil. Realmente seria muito, pois se teria dificuldade em encontrar essa cifra de sábios oficiais em toda a população da França. Em tal base, o cálculo seria evidentemente ridículo e se poderia dizer outro tanto dos iletrados. Essa avaliação, portanto, não tem por objetivo estabelecer o número efetivo dos sábios oficiais espíritas, mas a proporção relativa em que se encontram a respeito dos diversos graus de instrução, entre os quais estão em minoria. Nas outras categorias, limitamo-nos a uma simples classificação, sem avaliação numérica em termos percentuais. Quando utilizamos este último processo, foi para tornar mais sensível a proporção.

Para melhor definir o nosso pensamento, diremos que, por sábios oficiais, não entendemos todos aqueles cujo saber é constatado por um diploma, mas unicamente os que ocupam posições oficiais, como membros de Academias, professores de Faculdades, etc., que assim se acham em maior evidência e cujos nomes, por tais motivos, fazem autoridade na Ciência. Desse ponto de vista, um doutor em Medicina pode ser sábio sem ser um sábio oficial.

A posição oficial influi bastante sobre a maneira de encarar certas coisas. Como prova disto, citaremos o exemplo de um médico distinto, morto há vários anos, e que conhecemos pessoalmente. Era então grande partidário do magnetismo, sobre o qual havia escrito, e foi o que nos pôs em contato com ele. Aumentando a sua reputação, conquistou sucessivamente várias posições oficiais. À medida que subia, baixava seu fervor pelo magnetismo, caindo abaixo de zero quando chegou ao topo da escala, porque renegava abertamente suas antigas convicções. Considerações da mesma natureza podem explicar a posição de certas classes no que concerne ao Espiritismo.


7. — A categoria dos aflitos, dos despreocupados, dos felizes do mundo, dos sensualistas, fornece ao autor do artigo a seguinte reflexão:

“É pena que isto seja pura fantasia. Nada de sensualistas, compreende-se; Espiritismo e materialismo se excluem; sessenta aflitos em cem espíritas ainda se compreende. É para os que choram que as relações com um mundo melhor são preciosas. Mas trinta pessoas despreocupadas em cem, é demais! Se o Espiritismo operasse tais milagres, faria muitas outras conquistas. Fá-las-ia sobretudo entre os felizes do mundo, que também são, quase sempre, os mais inquietos e os mais atormentados.”

Há aqui um erro manifesto, pois pareceria que esse resultado é devido ao Espiritismo, ao passo que é ele que colhe, nessas categorias, mais ou menos adeptos conforme as predisposições que aí encontra. Essas cifras significam simplesmente que encontra mais adeptos entre os aflitos, um pouco menos entre as pessoas despreocupadas, menos ainda entre os felizes do mundo, e de modo algum entre os sensualistas.

Antes de mais, é preciso entender-se quanto às palavras. Materialismo e sensualismo não são sinônimos e nem sempre marcham lado a lado, já que se veem pessoas, espiritualistas por profissão e por dever, que são muito sensuais, ao passo que há muitos materialistas bastante moderados em sua maneira de viver; para eles o materialismo não passa de uma opinião, que abraçaram em falta de outra mais racional. Eis por que, quando reconhecem que o Espiritismo enche o vazio feito em sua consciência pela incredulidade, aceitam-no com felicidade; os sensualistas, ao contrário, são os mais refratários.

Uma coisa muito bizarra é que o Espiritismo encontra mais resistência entre os panteístas em geral, do que entre os que são francamente materialistas. Provavelmente isto se deve a que o panteísta quase sempre cria um sistema; possui algo, ao passo que o materialista nada tem, e esse vazio o inquieta.

Pelos felizes do mundo entendemos os que passam como tais aos olhos da multidão, porque se podem permitir largamente todos os prazeres da vida. É verdade que muitas vezes são os mais inquietos e os mais atormentados. Mas, por quê? pelas preocupações que lhes causam a fortuna e a ambição. Ao lado dessas preocupações incessantes, das ansiedades da perda ou do ganho, da azáfama dos negócios para uns, dos prazeres para outros, resta-lhes muito pouco tempo para se ocuparem do futuro.

Não podendo ter a paz da alma senão com a condição de renunciar ao que constitui o objeto de sua cobiça, o Espiritismo pouco os afeta, filosoficamente falando. Com exceção das penas do coração, que não poupam a ninguém, a não ser os egoístas, quase sempre os tormentos da vida estão para eles nas decepções da vaidade, no desejo de possuir, de brilhar, de mandar. Pode-se, pois, dizer que atormentam a si mesmos.

Ao contrário, a calma e a tranquilidade se encontram mais particularmente nas posições modestas, quando assegurado o bem-estar da vida. Aí quase não há ambição; contentam-se com o que têm, sem se atormentarem em o aumentar, correndo os riscos aleatórios da agiotagem ou da especulação. São os que chamamos despreocupados, falando relativamente; por pouco haja neles elevação de pensamento, ocupam-se de bom grado das coisas sérias; o Espiritismo lhes oferece um atraente assunto de meditação, e o aceitam mais facilmente do que aqueles a quem o turbilhão do mundo suscita uma febre contínua.

Tais são os motivos dessa classificação que, como se vê, não é tão fantasiosa quanto supõe o autor do artigo. Nós lhe agradecemos por nos ter ensejado ocasião de apontar erros que outros poderiam ter cometido, por não termos sido bastante explícitos.


8. — Em nossa estatística, omitimos duas funções importantes por sua natureza, e porque contam um número bastante grande de adeptos sinceros e devotados; são os prefeitos e os juízes de paz que estão na quinta classe, com os meirinhos e os comissários de polícia.

Uma outra omissão, contra a qual ele reclamou com justiça, e que insistem que reparemos, é a dos poloneses, na categoria dos povos. Ela é tanto mais fundada quanto o Espiritismo conta, nessa nação, numerosos e fervorosos adeptos, desde a origem. Como classe, a Polônia vem em quinto lugar, entre a Rússia e a Alemanha.

Para completar a nomenclatura, seria preciso incluir outros países, como a Holanda, por exemplo, que viria após a Inglaterra; Portugal depois da Grécia; as províncias do Danúbio, onde também há espíritas, mas sobre as quais não temos dados bastante positivos para lhes assinalar a classe. Quanto à Turquia, a quase totalidade dos adeptos se compõe de franceses, italianos e gregos.

Uma classificação mais racional e mais exata do que pelas nações territoriais, seria pelas raças ou nacionalidades, que não estão confinadas em limites circunscritos, apresentando, por toda parte onde se espalham, maior ou menor aptidão para assimilar as ideias espíritas. Deste ponto de vista, numa mesma região, muitas vezes se teria que fazer várias distinções.


9. — A comunicação seguinte foi dada num grupo de Paris, a propósito da classe que ocupam os alfaiates entre as profissões industriais.


(Paris, 6 de janeiro de 1869. – Grupo Desliens. – Médium: Sr. Leymarie.)

Criastes categorias, caro mestre, no início das quais colocastes certas profissões. Sabeis o que, em nossa opinião, arrasta certas pessoas a se tornarem espíritas? São as mil perseguições que sofrem em suas profissões. Os primeiros de que falais devem ter ordem, economia [organização], cuidado, gosto, ser um pouco artistas e, depois, ser ainda pacientes, saber esperar, escutar, sorrir e saudar com certa elegância; mas, após todas essas pequenas convenções, mais sérias do que se pensa, ainda é preciso calcular, ordenar sua caixa pelo ativo e pelo passivo e sofrer, sofrer continuamente.

Em contato com homens de todas as classes, comentando as queixas, as confidências, os enganos, os rostos falsos, aprendem muito! Levando essa vida múltipla, sua inteligência se abre por comparação; seu espírito se fortifica pela decepção e pelo sofrimento. E eis por que certas categorias compreendem e aclamam todos os progressos; amam o teatro francês, a bela arquitetura, o desenho, a filosofia; muitos amam a liberdade e todas as suas consequências. Sempre à frente e à espreita do que consola e faz esperar, elas se dão ao Espiritismo, que lhes é uma força, uma promessa ardente, uma verdade que engrandece o sacrifício e, mais do que acreditais, a parte classificada como a nº 1 vive de sacrifícios.


Sonnet.



[1] A palavra magnetizador desperta uma ideia de ação; a de magnetista uma ideia de adesão. O magnetizador é o que exerce por profissão ou outra coisa. Pode-se ser magnetista sem ser magnetizador. Dir-se-á: um magnetizador experimentado e um magnetista convicto.


[2] O jornal Solidarité aparece duas vezes por mês. Preço: 10 fr. por ano. Paris, Livraria das Ciências Sociais, rue des Saints-Pères,  †  nº 13.


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