O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano IX — Fevereiro de 1866.

(Idioma francês)

Os quiproquós. n

(Sumário)

1. — A avidez com que os detratores do Espiritismo aproveitam as menores notícias, que julgam ser-lhe desfavoráveis, os expõe a singulares enganos. Sua pressa em as publicar é tal que não têm tempo em lhes verificar a exatidão. Aliás, para que tanto esforço! a verdade do fato é uma questão secundária, contanto que dela ressalte o ridículo. Por vezes essa precipitação tem seus inconvenientes e, em todo o caso, atesta uma leviandade que está longe de aumentar o valor da crítica. [Vide artigo precedente: Novo e definitivo enterro do Espiritismo.]

Outrora os saltimbancos eram simplesmente chamados escamoteadores; caindo o vocábulo em descrédito, foi substituído por prestidigitadores,  †  mas que ainda lembrava muito o jogador de copos. O célebre Conte, parece-nos, foi o primeiro que se adornou com o título de físico e que obteve o privilégio, sob a Restauração, de pôr em seus anúncios e nos letreiros de seu teatro: Físico do rei. Desde então, até mesmo o mais medíocre escamoteador que percorria feiras se intitulava de físico, professor de física, etc., maneira, como qualquer outra, de atirar pó nos olhos de certo público que, não sabendo mais, os coloca de boa-fé no mesmo nível dos físicos da Faculdade de Ciências. Certamente a arte da prestidigitação tem feito imensos progressos, e não se pode contestar a alguns que a praticam com brilho, conhecimentos especiais, um talento real e um caráter honrado; mas não passa da arte de produzir ilusões, com maior ou menor habilidade, e não de uma ciência séria, com seu lugar no Instituto.

O Sr. Robin adquiriu neste gênero uma celebridade para a qual não contribuiu pouco o papel que ele desempenhou no caso dos irmãos Davenport. [Vide: Aparições simuladas no teatro.] Esses senhores, com ou sem razão, pretenderam que operavam com o auxílio dos Espíritos; de sua parte era um novo meio de excitar a curiosidade, saindo dos lugares-comuns? Não é aqui o lugar de examinar a questão. Seja como for, só pelo fato de se dizerem agentes dos Espíritos, os que não o admitem de forma alguma protestarão. O Sr. Robin, como homem hábil em tirar proveito da coisa, não perde a oportunidade; declara produzir os mesmos efeitos por simples passes de mágica. Julgando que os Espíritos estão mortos, a crítica canta vitória e o proclama vencedor.


Mas o entusiasmo é cego e por vezes comete estranhas gafes. Há muitos Robins no mundo, como há muitos Martins. Eis que um Sr. Robin, professor de física, acaba de ser eleito membro da Academia de Ciências.  †  Não há mais dúvida: só pode ser o Sr. Robin, o físico do boulevard du Temple,  †  o rival dos irmãos Davenport, que toda noite judia dos Espíritos em seu teatro; e sem mais ampla informação, um jornal sério, o Opinion nationale, em seu folhetim de sábado, 20 de janeiro, publica o seguinte artigo:

“Há algo de errado nos acontecimentos da semana? Entretanto, havia em seu número alguns bastante curiosos. Por exemplo, a eleição de Charles Robin  †  para a Academia de Ciências. Há muito tempo defendíamos aqui a sua candidatura; mas pregavam bem alto contra ela em mais de um lugar. O fato é que esse nome de Robin tem algo de diabólico. Lembrai-vos de Robin des Bois. n O herói das Memórias do Diabo n não se chamava Robin? Esse Sr. Robin, que amarrou o guizo no pescoço dos Davenport, é um físico tão sábio quanto amável. O guizo cresceu, cresceu; tornou-se maior e mais retumbante que o grande sino de Notre-Dame.  †  Os pobres farsistas, atordoados pelo ruído que faziam, viram-se obrigados a fugir para a América, mas a própria América não os quer mais. Grande vitória do bom-senso; derrota do sobrenatural! Ele contava tomar uma desforra da Academia de Ciências, e fez esforços heroicos para excluir esse inimigo, esse positivista, esse descrente ilustre que se chama Charles Robin. E eis que no próprio seio de uma Academia tão bem pensante, o sobrenatural ainda é debatido. Charles Robin vai sentar-se à esquerda do Sr. Pasteur. E já não estamos no tempo das doces fábulas, no tempo feliz e saudoso em que o cajado do pastor se impunha a Robin carneiro!”


Ed About.


Para quem a mistificação? Seríamos realmente tentado a crer que algum Espírito maligno conduziu a pena do autor do artigo.


2. — Eis um outro quiproquó que, por ser menos divertido, não prova menos a leviandade com que a crítica acolhe, sem exame, tudo que julga contrário ao Espiritismo, obstinando-se, a despeito de tudo quanto foi dito, a encarnar nos irmãos Davenport; de onde conclui que tudo quanto for um revés para esses senhores, também o é para a doutrina, que não é mais solidária com os que lhe tomam o nome, do que a verdadeira física com aqueles que usurpam o nome de físico.

Vários jornais apressaram-se em reproduzir o artigo seguinte, conforme o Messager franco-américain. Entretanto eles deveriam, melhor que ninguém, saber que nem tudo que é impresso é palavra do Evangelho:

“Os pobres irmãos Davenport não podiam escapar ao ridículo que espera os charlatães de toda espécie. Acreditados e louvados nos Estados Unidos, onde durante muito tempo exploraram, depois descobertos e ridicularizados na capital da França, menos fácil para sofrer o embuste, era preciso que recebessem, na mesma sala de suas grandes façanhas em Nova Iorque, o último desmentido que mereciam.

“Esse desmentido acaba de lhes ser dado publicamente por seu antigo comparsa, o Sr. Fay, na sala do Cooper Institute, sábado à noite, em presença de numerosa assembleia.

“Ali o Sr. Fay desvendou tudo, os segredos do, famoso armário, o segredo das cordas e dos nós e de todos os malabarismos, por tanto tempo empregados com sucesso. Comédia humana! E dizer que há gente séria e instruída, que admirou e defendeu os irmãos Davenport e que chamou de Espiritismo farsas que talvez fossem toleradas no carnaval!”

Não nos cabe tomar a defesa dos Srs. Davenport, cujas exibições sempre condenamos, como contrárias aos princípios da sã Doutrina Espírita. Mas, seja qual for a opinião que se faça a seu respeito, devemos dizer, a bem da verdade, que foi um erro inferir desse artigo que estivessem em Nova Iorque e ali tivessem sido ridicularizados. Sabemos de fonte segura que, deixando Paris, voltaram à Inglaterra, onde ainda se acham no momento. O Sr. Fay, que teria revelado seus segredos, não é o seu cunhado William Fay, que os acompanha, mas um tal H. Melleville Fay, que produzia efeitos semelhantes na América, e do qual se fala em sua biografia, com a recomendação de não os confundir. Nada há de admirável que esse senhor, que lhes fazia concorrência, tenha julgado conveniente aproveitar sua ausência para lhes pregar uma peça e os desacreditar em proveito próprio. Nessa luta ao fenômeno não se poderia ver Espiritismo. É o que dá a entender o fim do artigo, por esta frase: “E dizer que há gente séria (…), que chamou de Espiritismo farsas que talvez fossem toleradas no carnaval!” Essa exclamação tem o ar de uma censura dirigida aos que confundem coisas tão disparatadas.

Os irmãos Davenport forneceram aos detratores do Espiritismo ocasião ou pretexto para um formidável levante, em presença do qual ele ficou de pé, calmo e impassível, continuando sua rota sem se inquietar com o barulho que faziam à sua volta. Um fato digno de nota é que seus adeptos, longe de se amedrontarem, foram unânimes em considerar essa efervescência como eminentemente útil à sua causa, certos de que o Espiritismo só tem a ganhar por ser conhecido. A crítica caiu sem dó nem piedade sobre os irmãos Davenport, neles julgando matar o Espiritismo. Se este não gritou, é porque não se sentiu ferido. O que ela matou foi precisamente o que ele condena e desaprova: a exploração, as exibições públicas, o charlatanismo, as manobras fraudulentas, as imitações grosseiras de fenômenos naturais, que se produzem em condições completamente diversas, o abuso de um nome que representa uma doutrina toda moral, de amor e de caridade. Depois desta rude lição, acreditamos que seria temerário tentar a sorte por semelhantes meios.

É verdade que disso resultou uma certa confusão momentânea no espírito de algumas pessoas, uma espécie de hesitação muito natural nas que só ouviram a censura lançada com parcialidade, sem separar o verdadeiro do falso; mas deste mal saiu um grande bem: o desejo de conhecer, que não pode redundar senão em proveito da doutrina.

Obrigado, pois, à crítica por ter feito, com a ajuda dos poderosos meios de que dispõe, o que os espíritas não o teriam podido por si mesmos; ela adiantou a questão de alguns anos, e mais uma vez convenceu seus adversários de sua impotência. Aliás, o caso Davenport foi um assunto tão repisado, que ao público parece tão enfadonho quanto o grito de Lambert. É tempo que a crônica encontre um novo tema para explorar.



[1] [Quiproquó.  †  (S. m. 1. Confusão duma coisa com outra. 2. Situação cômica ou faceta resultante de equívoco (s). — Dicionário Aurélio Buarque de Holanda Ferreira.]


[2] [Robin des Bois, é o nosso conhecido Robin Hood, herói arquetípico inglês. Segundo a lenda, como é comum hoje em dia, Robin Hood era um ladrão generoso que vivia escondido na floresta de Sherwood e Barnsdale.]


[3] [Les mémoires du diable - Google Books de Frédéric Soulié . De suas obras As memórias do Diabo é a mais conhecida . Vide na Revista: Uma noite esquecida ou a feiticeira Manouza do mesmo autor.]


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