O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano VII — Agosto de 1864.

(Idioma francês)

QUESTÕES E PROBLEMAS.


Destruição dos aborígines do México.

(Sumário)

1. — Escrevem-nos de Bordeaux:  † 

“Lendo no Civilisateur, de Lamartine, as cartas de Cristóvão Colombo sobre o estado do México  †  no momento da descoberta, chamou-nos particularmente a atenção a seguinte passagem:

“A Natureza, diz Colombo, ali é tão pródiga que a propriedade não criou o sentimento de avareza ou de cupidez. Esses homens parecem viver numa idade de ouro, felizes e tranquilos em meio de jardins abertos e sem limites, que não são nem cercados por fossos, nem divididos por paliçadas, nem defendidos por muros. Agem lealmente um para com o outro, sem lei, sem livros, sem juízes. Olham como um homem mau aquele que se compraz em prejudicar o outro. Este horror dos bons contra os maus parece ser toda a sua legislação.

“Sua religião é apenas o sentimento de inferioridade, de reconhecimento e de amor ao Ser Invisível que lhes havia prodigalizado a vida e a felicidade.

“Não há no Universo melhor nação nem melhor país; amam seus vizinhos como a si mesmos; têm sempre uma linguagem suave e graciosa e o sorriso da ternura nos lábios. Andam nus, é verdade, mas vestidos de candura e de inocência.”

“Conforme este quadro, esses povos eram infinitamente superiores, não só aos seus invasores, mas o seriam ainda hoje, em comparação aos povos dos países mais civilizados. Os espanhóis nada tomaram de suas virtudes e os contaminaram com os seus vícios; em troca de sua boa acolhida, não lhes trouxeram senão a escravidão e a morte. Esses infelizes foram, em grande parte, exterminados, e o pouco que deles resta perverteu-se ao contato dos conquistadores.

“Diante desses resultados, pergunta-se:

“Onde está o progresso, e que benefício moral colheu a Humanidade de tanto sangue derramado? Não teria sido melhor que a velha Europa ignorasse o Novo Mundo, tão feliz antes dessa descoberta?

“A essa pergunta, assim respondeu meu guia espiritual:

“Nós te responderíamos com prazer, se teu Espírito se achasse em condições de tratar, neste momento, de assunto tão sério, que exige alguns desenvolvimentos espirítico-filosóficos. Dirige-te a Kardec. Esta ordem de ideias já foi debatida, mas a ela voltarão de maneira mais lúcida do que poderias fazê-lo, porque sempre tens o espírito tenso e o ouvido à espreita. É uma consequência de tua posição atual e a ela te deves submeter.”


2. — Disto resulta uma primeira instrução, a de que não basta ser médium, mesmo formado e desenvolvido, para obter à vontade comunicações sobre o primeiro assunto que surgir. Aquele fez suas provas, mas, no momento, seu próprio Espírito, fortemente e penosamente preocupado com outras coisas, não dispunha da calma necessária. É assim que mil circunstâncias podem opor-se ao exercício da faculdade mediúnica; nem por isso a faculdade deixa de subsistir, mas nada é, sem o concurso dos Espíritos, que lhe dão ou lhe recusam, conforme julgam conveniente, e isto, muitas vezes, no interesse do próprio médium.

Quanto à questão principal, eis a resposta obtida na Sociedade de Paris:  † 


(8 de julho de 1864. – Médium: Sr. d’Ambel.)

“Sob as aparências de uma certa bondade natural, e com costumes mais suaves que virtuosos, os incas viviam indolentemente, sem progredir nem se elevar. Faltava a luta a essas raças primitivas; e se batalhas sangrentas não os dizimavam; se uma ambição individual aí não exercia uma pressão soberana para lançar aquelas populações a guerras de conquistas, nem por isso eram menos atingidas pelo perigoso vírus que levava sua raça à extinção. Era preciso retemperar as fontes vitais desses incas degenerados, dos quais os astecas representavam a decadência fatal, que deveria ferir todos aqueles povos. A essas causas inteiramente fisiológicas, se juntarmos as causas morais, notaremos que o nível das ciências e das artes ali tinha igualmente ficado em prolongada infância. Havia, pois, utilidade de pôr essas regiões pacíficas no mesmo nível das raças ocidentais. Hoje se julga a raça desaparecida, porque se fundiu com a família dos conquistadores espanhóis. Dessa raça cruzada surgiu uma nação nova e vivaz que, por um vigoroso impulso, não tardará a alcançar os povos do velho continente. Que resta de tanto sangue derramado? perguntam de Bordeaux. Primeiro, o sangue derramado não foi tão considerável quanto se poderia crer. Perante as armas de fogo e alguns soldados de Pizarro, toda a nação invadida se submeteu como se estivesse diante de semideuses, saídos das águas. É quase um episódio da mitologia antiga, e essa raça indígena é, sob vários aspectos, semelhante às que defendiam o Tosão de Ouro.”  †  [Erasto.]


3. — A essa judiciosa explicação acrescentaremos algumas reflexões:

Do ponto de vista antropológico, a extinção das raças é um fato positivo. Do ponto de vista da filosofia, ainda é um problema. Do ponto de vista da religião, o fato é inconciliável com a justiça de Deus, se se admitir para o homem uma única existência corpórea a decidir o seu futuro para a eternidade. Com efeito, as raças que se extinguem são sempre raças inferiores às que as sucedem; podem ter na vida futura uma posição idêntica à das raças mais aperfeiçoadas? O simples bom-senso repele esta ideia, pois, do contrário, o trabalho que fazemos para nos melhorarmos seria inútil, e tanto faria ficarmos selvagens. A não-preexistência da alma implica forçosamente, para cada raça, a criação de novas almas, mais perfeitas, ao saírem das mãos do Criador, hipótese incompatível com o princípio de toda justiça. Ao contrário, tudo se explica se admitirmos um mesmo ponto de partida para todas e uma sucessão de existências progressivas.

Na extinção das raças, em geral só se leva em conta o ser material, o único que se destrói, enquanto se esquece o ser espiritual, que é indestrutível e apenas muda de vestimenta, porque o primeiro não estava mais em relação com o seu desenvolvimento moral e intelectual. Suponhamos toda a raça negra destruída: não será destruída senão a vestimenta negra; mas o Espírito, que vive sempre, revestirá, inicialmente, um corpo intermediário entre o negro e o branco e, mais tarde, um corpo branco. É assim que o ser, colocado no último degrau da Humanidade, atingirá, num dado tempo, a soma das perfeições compatíveis com o estado do nosso globo.

Não convém perder de vista que a extinção das raças só alcança o corpo, em nada afetando o Espírito; este, longe de sofrer com isto, ganha um instrumento mais aperfeiçoado, provido de recursos cerebrais que respondem a um maior número de faculdades. O Espírito de um selvagem, encarnado no corpo de um cientista europeu, não seria mais sábio nem saberia o que fazer de seu instrumento, cujas fibras inativas se atrofiariam; o Espírito de um cientista, encarnado no corpo de um selvagem, aí seria como um grande pianista, ante um piano ao qual faltasse a maioria das cordas. Esta tese foi desenvolvida num artigo da Revista do mês de abril de 1862, sobre a perfectibilidade da raça negra.

A raça branca caucásica é, sem contradita, a que ocupa o primeiro lugar na Terra. Mas terá atingido o apogeu da perfeição? Todas as faculdades da alma estarão nela representadas? Quem ousaria dizê-lo? Suponhamos, então, que, progredindo continuamente, os Espíritos dessa raça acabassem não mais achando espaço físico: tal raça desapareceria para dar lugar a outra, de uma organização mais bem dotada. Assim o quer a lei do progresso. Já não se veem, na raça branca, nuances bem marcantes, como desenvolvimento moral e intelectual? Podemos ficar certos de que os mais adiantados absorverão os outros.

O desaparecimento das raças opera-se de duas maneiras: numas, pela extinção natural, em consequência de condições climáticas e do abastardamento, quando ficam isoladas; noutras, pelas conquistas e pela dispersão que resultam dos cruzamentos. Sabe-se que da raça negra e da raça branca saiu uma raça intermediária, muito superior à primeira, e que é como que um degrau para os Espíritos desta. Depois, a fusão do sangue dá lugar à aliança dos Espíritos, dos quais os mais avançados auxiliam o progresso dos outros. A respeito, quem pode prever as consequências da última guerra da China? as modificações que se vão produzir nesse país, por tanto tempo estagnado, os novos elementos fisiológicos e psicológicos levados para lá? Em alguns séculos talvez não seja mais reconhecível do que o México de hoje, comparado com o do tempo de Colombo.

Quanto aos indígenas do México, diremos, como Erasto, que neles havia costumes mais suaves que virtudes, e acrescentamos que, por certo, poetizaram em demasia a sua pretensa idade de ouro. Ensina-nos a história da conquista que se guerreavam entre si, o que não indica um grande respeito pelos direitos dos vizinhos. Sua idade de ouro era a da infância; hoje estão no entusiasmo da juventude; mais tarde atingirão a idade viril. Se ainda não possuem a virtude dos sábios, adquiriram a inteligência que a ela os conduzirá, quando estiverem maduros pela experiência. Mas são necessários séculos para a educação dos povos; ela não se opera senão pela transformação de seus elementos constitutivos. A França seria o que é hoje sem a conquista dos romanos? E os bárbaros se teriam civilizado se não tivessem invadido a Gália?  †  A sabedoria gaulesa e a civilização romana, unidas ao vigor dos povos do Norte, fizeram o povo francês atual.

Sem dúvida é penoso pensar que o progresso, por vezes, precisa de destruição. Mas é preciso destruir os velhos casebres e substituí-los por casas novas, mais belas e mais cômodas. Aliás, é preciso levar em conta o estado atrasado do globo, onde a Humanidade está apenas no progresso material e intelectual. Quando entrar no do progresso moral e espiritual, as necessidades morais suplantarão as necessidades materiais. Os homens serão governados segundo a justiça e não mais terão de reivindicar seu lugar à força; então a guerra e a destruição não mais terão razão de ser. Até lá, a luta é consequência de sua inferioridade moral.

Vivendo mais material que espiritualmente, o homem só encara as coisas do ponto de vista atual e material; por conseguinte, de um ponto limitado. Até agora, ignorou que o papel capital pertence ao Espírito; viu os efeitos, mas não conheceu as causas, razão por que, durante tanto tempo, extraviou-se nas ciências, nas suas instituições e nas suas religiões. O Espiritismo, ao ensinar-lhe a participação do elemento espiritual em todas as coisas do mundo, amplia o seu horizonte e muda o curso de suas ideias; abre a era do progresso moral.


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