O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano V — Fevereiro de 1862.

(Idioma francês)

Novos médiuns americanos em Paris.

No que respeita às manifestações físicas, por certo os médiuns americanos suplantam em número e em força os do velho continente. A propósito, a sua reputação está de tal forma estabelecida, principalmente depois do Sr. Home, que só o título parece prometer prodígios. Para muita gente, o Sr. Squire não era designado senão como o médium americano. Um charlatão, que alguns anos atrás percorria cidades e feiras para dar representações, fazia-se passar por médium americano, embora fosse perfeitamente francês. Eis que nos chegam dois novos, que de médium só têm o nome, e dos quais jamais teríamos falado, porquanto sua arte é estranha ao nosso assunto, se a sua chegada, anunciada com tanto estardalhaço, não tivesse causado uma certa sensação, pela natureza de suas pretensões. Para a edificação de nossos leitores, e para não sermos acusados de parcialidade, transcrevemos textualmente os seus prospectos, de que Paris  †  acaba de ser inundada.


“Divertimentos dos salões parisienses. – Novidade, nada senão novidade!!! – Saraus para as famílias e reuniões privadas, dadas pelos Médiuns Americanos, Sr. C. Eddwards Girroodd, de Kingston  †  (Lago Ontário), Alto Canadá, e Sra. Júlia Girroodd, apelidada pela imprensa inglesa e americana a Graciosa Sensitiva.

“Um álbum de mais de duzentas páginas, cada uma das quais é uma carta de felicitações, assinada pelos maiores nomes da França, tanto da nobreza, da magistratura, do exército, da literatura, quanto por dezesseis arcebispos e bispos da França e por um grande número de eclesiásticos de alta distinção, encontra-se à disposição das pessoas que, querendo dar um sarau, desejassem previamente assegurar-se do bom-gosto, da riqueza e da novidade de suas experiências.

 “O Sr. e a Sra. Girroodd, os únicos na França a fazer experiências, ainda não passaram três meses em Paris e já deram quarenta e duas sessões nos principais salões da capital, nas Tulherias  †  (12 de maio de 1861), e na residência de vários membros da família imperial.

“Colocaram imediatamente suas experiências muito acima de tudo que até hoje tinha sido visto como recreação de saraus.

“Ao contrário do costume dos senhores físicos, sua prestidigitação não exige o menor preparativo ou arranjo particular e os artistas operam facilmente em meio de um círculo de espectadores atentos, sem temer um só minuto ver destruir a ilusão.

“Os prestígios não passam de insignificante parte de seus variados talentos. O Mundo dos Espíritos obedece às suas vozes: Visões – Êxtase – Fascinação – Magnetismo – Eletrobiologia – Espíritos batedores – Espiritualismo, etc., etc., tudo quanto a ciência e o charlatanismo inventaram, que assombra os crédulos de nossos dias, até lhes dar uma fé robusta em tudo quanto não passa de hábil malabarismo, onde a gente é comparsa sem o saber. Numa palavra, o Sr. e a Sra. Girroodd, depois de se terem mostrado como feiticeiros – mas feiticeiros de fino trato – sábios como Merlin o Encantador,  †  demonstrarão, se necessário, os segredos de sua ciência.

“A fé cristã só terá a ganhar ao ver claramente que tudo quanto ela não ensinou não passa de brilhante charlatanismo.

“Para as pequenas reuniões ou saraus para crianças, o Sr. Girroodd contratou, para todo o inverno, um dos mais hábeis físicos da capital e um ventríloquo cognominado O Homem das Bonecas Falantes, que darão sessões a preços reduzidos.”


Como se vê, esse senhor e essa senhora têm, nada mais, nada menos, a pretensão de matar o Espiritismo, e se fazem passar como defensores da fé cristã, sem dúvida muito surpreendida de encontrar na prestidigitação um auxiliar. Isto, porém, parece aumentar uma certa clientela.

Eles se dizem médiuns e não se preocupam em omitir o título de americanos, passaporte indispensável, como os nomes em i para os músicos, e isto para provar que não existem médiuns, pois, segundo dizem, podem reproduzir, auxiliados pela habilidade, pela mecânica e por meios que lhes são particulares, tudo quanto fazem os médiuns. Isto prova uma coisa: tudo pode ser imitado. A ilusão é uma questão de habilidade. Mas porque uma coisa pode ser imitada, deve-se concluir que não existe? A prestidigitação imitou, a ponto de enganar, a lucidez sonambúlica; deve-se por isso deduzir que não haja sonâmbulos? Fizeram cópias de Rafael tão perfeitas que foram tomadas como originais; isto significa que Rafael não teria existido? O Sr. Robert Houdin transforma a água em vinho e faz sair, de um chapéu não preparado, milhares de objetos, capazes de encher uma caixa grande. Isto prejulga os milagres das Bodas de Caná ( † ) e a multiplicação dos pães? Entretanto, ele faz ainda melhor, pois, de uma só garrafa, faz sair meia dúzia de licores diferentes e deliciosos.

Todas as manifestações físicas se prestam maravilhosamente à imitação e, por isso, são exploradas pelo charlatanismo. Os charlatães ultrapassam de longe os Espíritos, sobretudo nos casos de transportes, pois os produzem à vontade e no momento certo, o que não é conseguido nem pelos Espíritos, nem pelos melhores médiuns. Aliás, é preciso fazer justiça àquele cavalheiro e àquela dama, por não procurarem absolutamente enganar o público. Não se fazem passar pelo que não são e se apresentam claramente como hábeis imitadores, no que são mais respeitáveis do que aqueles que falsamente se dizem médiuns; e o são mesmo, muito mais que os verdadeiros médiuns que, para produzirem mais efeitos e suplantar seus concorrentes, acrescentam o subterfúgio à realidade. É verdade que a franqueza muitas vezes é uma boa política; passar por vulgares prestidigitadores já está bem gasto, mas querer provar que os médiuns são escamoteadores é um atrativo de novidade que os curiosos pagarão generosamente.

Como dissemos, sua habilidade nada prejulga contra a realidade dos fenômenos; longe de os prejudicar, será de grande utilidade. Antes de tudo, é uma trombeta a mais que chamará a atenção e fará pensar no Espiritismo as pessoas que dele não tinham ouvido falar. Como em todas as críticas, quererão ver o pró e o contra. Ora, o resultado da comparação não deixa margem a dúvidas. Uma utilidade ainda maior é a de prevenir contra a possibilidade de fraude e subterfúgios dos falsos médiuns. Provando a possibilidade da imitação, sua credibilidade pode ser arruinada. Se tal habilidade pudesse causar algum mal, seria à confiança que neles depositam, talvez um pouco levianamente, e nos prodígios que certos médiuns obtêm com tanta facilidade do outro lado do Atlântico, pois não está dito que o Sr. e a Sra. Girroodd tenham o privilégio de seus segredos. Se um dia nos for dado assistir a uma de suas sessões, teremos prazer em relatá-la, para instrução de nossos leitores.

Quando dizemos que tudo pode ser imitado, devemos excetuar as condições verdadeiramente normais em que se podem produzir as manifestações espíritas. Daí poder-se dizer que todo fenômeno que se afasta dessas condições deve ser considerado suspeito. Ora, para julgar sensatamente uma coisa, é necessário tê-la estudado. As próprias manifestações inteligentes não estão a salvo do charlatanismo. Umas há que, por sua natureza e pelas circunstâncias em que são obtidas, desafiam a mais consumada habilidade de imitação, por exemplo, a evocação de pessoas mortas, revelando verdadeiras particularidades de sua existência, desconhecidas do médium e dos assistentes e, melhor ainda, essas dissertações de muitas páginas, escritas de um jacto, sem rasuras, com rapidez, eloquência, correção, profundidade, erudição e sublimidade de pensamentos, sobre assuntos dados, fora dos conhecimentos e da capacidade do médium, e que este nem mesmo compreende. Para executar tais habilidades seria necessário um gênio universal. Ora, os gênios universais são raros e, aliás, não dão espetáculos. Entretanto, é o que se vê todos os dias, não por um indivíduo privilegiado, mas por milhares de indivíduos de todas as idades, sexos, condição social e grau de instrução, cuja honorabilidade e desinteresse absoluto são a melhor garantia de sinceridade, porquanto o charlatanismo não dá nada de graça. Se o Sr. e a Sra. Girroodd quisessem aceitar uma luta seria neste terreno que os chamaríamos, deixando-lhes com muito gosto o das manifestações físicas.


Nota. – Uma pessoa que se diz bem informada assegura-nos que Edwards Girroodd deve traduzir-se por Edouard Girod, e Kingstown, lago Ontário e Alto Canadá, por Saint-Flour, Cantal.  † 


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